A Calçada do Lorena - Caminho do Açúcar
Com o estabelecimento da lavoura da cana-de-açúcar e da fabricação do açúcar no
planalto paulista, a partir da época de D. Luís Antonio Botelho de Souza Mourão, o Morgado de Mateus (1765-1775), tornou-se necessário melhorar o
Caminho de São Paulo a Santos, que era tão ruim que por ele penosamente transitavam pedestres. O Morgado toma providências para que pelo
Caminho do Mar pudessem passar tropas de muares que começam a descer a serra com mil dificuldades.
PETRONE, Maria Thereza S. A Lavoura Canavieira em São Paulo - Espansão e
Declínio (1765-1851). São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1968, p. 191 de seguintes.
"Isso provavelmente, desde o tempo do Morgado de Mateus, pois seu sucessor, Martim
Lopes Lobo de Saldanha (1775-1782), ao que parece, apesar do aterrado que mandou fazer não se preocupou muito em adequá-lo à nova situação econômica
que se ia desenvolvendo nos lugares de "serra-acima".
Um movimento mais regular de tropas de animais deve ter ocorrido a partir do governo
de Francisco Cunha Menezes (1782-1786). Diogo de Toledo Lara (...) escreveu desse Governador: "promoveu a Agricultura,
principiaram a carregar no dito Porto de Santos alguns navios que dali sairão em direitura para Lisboa". Mello Castro e
Mendonça, igualmente, se refere ao fato de que, sob esse governo, "principiou a nascer o comércio, nesta capitania,
ainda que a Serra do Mar era bastante incômoda".
Em 1785, ordenou Francisco Cunha Menezes, ao comandante de Cubatão, que não embarcasse
"os condutores que da vila de Itú conduzirem em seus animais o açúcar de conta do cap. da Curveta".
Isso prova que as tropas, carregando açúcar do planalto, não constituíam mais uma raridade. José Raimundo do Chichorro, que governou interinamente
de 1786 a 1788, mandou fazer outro aterrado, entre a raiz da serra e o rio Cubatão.
Apesar de todas as tentativas dos governadores, o caminho continuou péssimo. Uma
grande produção de açúcar não podia ser escoada nessas condições. Frei Gaspar assim descreve o caminho antes do calçamento, que
Bernardo José de Lorena mandou fazer:
"Os perigos, em que me vi n'outro tempo, causaram-me tal horror, que ainda hoje se
conservam vivas na minha memória imagens de passo tão medonho. Uma montanha escabrosa, sumamente alcantilada, que se supunha ter ao menos uma légua
de alto, fazendo a conta pelo tempo que se gasta em subir com passos vagarosos, a que dava motivo a péssima qualidade da estrada: um caminho, ou
para melhor dizer, uma caverna tortuosa, profunda, e tão apertada que nos barrancos colaterais se viam sempre reguinhos abertos pelos cavaleiros, os
quais não podiam transitar, sem irem tocando com o estribo naqueles formidáveis paredões; caverna na qual permaneciam em todo o tempo degraus de
terra escorregadiça, e alguns tão altos que às bestas era necessário vencê-las de salto, quando subiam, e arrastando-se quando desciam; uma viela
lodosa, quase toda cheia de atoleiros, que sucediam uns aos outros com breves interpolações de terreno povoado de pedrinhas facilmente deslocáveis,
que mortificavam os viajantes de pé e constituíam aos animais um perigo evidente de escorregarem, e caindo arrojarem os cavaleiros, e cargas, como
sucedia muitas vezes; uma passagem rodeada de despenhadeiros, que obrigavam aos caminhantes a irem muito lento, para se não precipitarem; em fim um
passo laborosíssimo, uma série contínua de perigos, foi a Serra n'outro tempo".
A CALÇADA DO LORENA
"O caminho que o Morgado de Mateus preferiu subir a pé, em vez de ser carregado na
rede, se tinha agora transformado em caminho de tropas e de cavaleiros. Continuava, entretanto, cheio de perigos e problemas. Lorena vai
transformá-lo inteiramente. Tais reformas nada mais são que uma conseqüência de sua política de exportação, implantada em 1789 e que visava fazer
convergir para Santos toda a exportação da Capitania. Seus esforços para proteger o comércio de Santos e a agricultura de "serra acima" não dariam
frutos se não conseguissem facilitar o escoamento dos produtos.
Foi uma obra realmente notável para a época, a que compreendeu
[N.E.:...empreendeu...] promovendo o calçamento da descida da serra. A calçada do Lorena, como
ficou conhecida, deve ter ficado pronta em fins de 1791 ou começo de 1792, pois a 15 de fevereiro assim escreve o Governador para Portugal:
"Está finalmente concluído o Caminho desta Cidade até o Cubatão da Vila de Santos, de sorte que até de noite se segue viagem
por ele, a serra é toda calçada, e com largura para poderem passar tropas de bestas encontradas sem pararem; o péssimo como o antigo, e os
princípios da Serra bem conhecidos, erão o mais obstáculo contra o comércio, como agora se venceu...
Frei Gaspar, que descreveu o caminho com cores bastante sombrias, antes do calçamento,
fala agora sobre os melhoramentos: "Uma ladeira espaçosa, calçada de pedras por onde se sobe com pouca fadiga, e se
desce com segurança. Evitou-se as asperezas do caminho com engenhosos rodeios, e com muros fabricados junto aos despenhadeiros se desvanece a
contingência de algum precipício. Por meio de canais se preveniu o estrago, que costumavam fazer as enxurradas; e foram abatidas as árvores que
impediam o ingresso do sol"... "Numa palavra, desconheci a Serra"..."Sem dúvida, a calçada foi um grande estímulo para a cultura canavieira serra
acima".
Mello Castro e Mendonça, embora não esteja inteiramente de acordo com a política de
exportação de Lorena, elogia-lhe a obra nesse particular: "o Caminho da Serra, que ainda que em Zig-Zag, e que não pode
servir por ora para carros, contudo é muito cômodo para as conduções em bestas, e por este modo se transportão todos os efeitos de serra acima para
a borda do rio Cubatão, sendo o principal gênero o açúcar".
A calçada era um caminho de tropas; Lorena ainda mandou formar um pasto no porto de
Cubatão para alimentar os animais. Já vimos que durante seu governo a cultura da cana se desenvolveu de maneira extraordinária. Os primeiros grandes
carregamentos de açúcar desceram a serra e o comércio do porto, contando agora com um suprimento mais fácil de produtos exportáveis, progrediu
muito.
Anteriormente, o açúcar já devia constituir o maior volume de mercadorias que iam a
Santos, mas é a partir da calçada do Lorena que o caminho do mar se torna em caminho do açúcar. Se a calçada foi feita para facilitar a exportação,
principalmente do açúcar, os melhoramentos imediatamente posteriores prendem-se, exclusivamente, à necessidade de fornecer condições mais favoráveis
ao tráfico do produto. Frei Gaspar não exagera, na realidade, quando elogia a obra de Lorena, achando mesmo que se devia construir um monumento em
homenagem àquele que teve a coragem de empreender o calçamento do velho caminho do mar". |