As ruínas das fundações da casa do escritor poderão ser
tombadas
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Vereador redescobre as ruínas da casa de Afonso Schmidt
CUBATÃO - Era uma vez um garoto de 14 anos que saiu de casa, em Cubatão, e seguiu por
aí viajando, até parar na Europa, onde viveu mais de um ano na maior das misérias. Em fins de 1908, ele retornou à sua cidade, então um bairro
suburbano de Santos. Desceu no Porto de Santos, e tomou o trem para Cubatão. Da estação até o sítio onde seus pais
moravam, ele andou pelos caminhos dos trilhos do trenzinho que levava a
Itutinga. Para lá da ponte preta sobre o
Rio Cubatão, ele avistou a sua casa, onde a mãe se assustou ao vê-lo.
O nome do menino se transformou, 70 anos depois, no maior orgulho de Cubatão: Afonso
Schmidt. No livro A Primeira Viagem, Schmidt conta toda a aventura. Moradores antigos de Cubatão se deleitam ao ver a descrição de um caminho
que muitos fizeram há menos de 30 anos, quando ainda existia o trenzinho que os levava da estação atual da Santos-Jundiaí até a adutora dos Pilões,
em Itutinga.
Foi baseado nessa descrição, e também numa incrível coincidência, que o vereador Romeu
Magalhães redescobriu as ruínas da casa onde Afonso Schmidt viveu e, possivelmente, nasceu, em Cubatão.
A casa fica logo depois da ponte preta, e o vereador vai pedir ao secretário de Educação e
Cultura, João Peralta, que mande tombar o local, para que as futuras gerações possam preservar a memória do maior escritor que a Cidade já produziu.
No roteiro do livro - A ponte preta sobre o Rio Cubatão é muito conhecida pelos
moradores mais antigos da Cidade, principalmente pelos que ainda possuem sítios de banana. Ela foi construída pelos ingleses da
City, por volta de
1890, para suportar os canos da adutora que vem de Pilões e servir de passagem ao trenzinho de Itutinga. Esse trem, cuja
locomotiva se encontra hoje no Parque Anilinas, transportava os sitiantes e trazia daquelas regiões
banana que era exportada para a Argentina, mexericas e pedras.
Há alguns anos, Romeu Magalhães - que nasceu na Vila Fabril, em
cujas terras se encontra a fazenda da família de Schmidt - arrendou um pequeno sítio, além da ponte, em sociedade com o médico Alberto Pessoa de
Souza.
"Ao lado da casa de madeira, entre os bananais do sítio, há ruínas de fundações de uma outra
casa. Alguns moradores mais antigos diziam que ali tinha vivido o escritor Afonso Schmidt. Não acreditei, mas por causa da insistência, resolvi
investigar e descobri na Câmara um trabalho de Raul Leite, que dizia que, no livro A Primeira Viagem, Afonso Schmidt indicava exatamente o
local onde seus pais haviam residido em Cubatão", conta Romeu.
Em sua Autobiografia, Afonso Schmidt afirma categoricamente: "Nasci em Cubatão, perto
de Santos, a 29 de junho de 1890".
Em 1907, ele resolveu embarcar para a Europa, conforme conta no livro A Primeira Viagem.
No capítulo XIX desse livro, ele conta como se deu o retorno.
"Quando o Oriana chegou a Santos eu me julguei em casa. Um guarda da Alfândega, meu
conhecido, viu-me entre os passageiros.
- Você veio esperar alguém?
- Não. Estou chegando de viagem.
- Do Rio?
- Não. Da Europa.
- Mas, onde estão as malas?
- Não tenho malas.
- Ora, vá enganar o diabo...
E foi atender ao colega que o chamava do portaló. Desembarquei de mãos no bolso. Como àquela
hora não houvesse trem para Cubatão, fui dormir numa pensão da Praça dos Andradas, onde dispunha de crédito..."
Na página 190, ele fala do retorno a Cubatão.
"À tarde, depois de uns expedientes felizes, tomo o trem para Cubatão. O bondinho da City,
que trafega entre a estação e os Pilões, só funciona às terças, quintas e sábados".
Detalhe: o bondinho a que Schmidt se refere é o trenzinho de Itutinga,
de cuja passagem ainda se encontram trilhos em alguns pontos da Cidade. Ia desde a estação da Santos-Jundiaí, na
Avenida Nove de Abril,
seguindo pela atual Avenida Martins Fontes, em Cubatão, até a Olaria, e daí margeando a atual Estrada de Itutinga, na
direção da ponte preta.
Schmidt continua a descrição:
"Mas, estamos numa sexta-feira. Tenho, pois, de fazer a pé o caminho de casa, quatro
quilômetros e meio, bem puxados. Vou andando sobre os dormentes. A estrada está limpa e deserta. Uma rajada arrebatou-me o chapéu, atirando-o na
água verde dos valos; tive de pescá-lo com a ponta de uma vara.
Quando cheguei à Olaria, vi as duas pequenas locomotivas recolhidas no galpão negro. Olhei
para dentro e arrisquei um cumprimento, mas ninguém respondeu. Logo adiante, um cachorro atirou-se sobre mim, tive de apanhar uma pedra e atirar
nele. O bicho saiu ganindo. O dono apareceu na embocadura de um caminho e olhou-me de cara feia.
Mais um estirão. A serra colocou-se à minha frente. Escurecia. O noroeste amainara.
Por fim, cheguei à ponte sobre o Rio Cubatão".
Detalhe: era a ponte preta. Schmidt continua:
"Do outro lado da ponte, descortino a minha casa. É um chalé cor-de-rosa, perdido num mar de
tangerineiras. De longe, vi mamãe, de vestido preto e matinê rendada. Ela estava no terreiro e, com improvisada vassoura de guanchumas, ajuntava as
folhas secas derrubadas pelo vento. Meus irmãos acendiam uma fogueira.
Fui andando, fui andando. Cheguei à porteira e entrei. Ela só me reconheceu quando eu estava
já a duas braças de distância. Parou. Apoiou-se no cabo de vassoura e ficou a olhar-me, a olhar-me...
Tinha os cabelos mais brancos, o rosto mais pálido.
- A bênção, mamãe...
- Então é você, seu mestre?"
A confirmação - Embora a indicação seja mais do que precisa, Romeu foi buscar no
testemunho do historiador Jaime Franco (colaborador de A Tribuna, a exemplo do próprio Afonso Schmidt, repórter deste jornal entre 1915 e
1918), que confirmou o fato.
Na revista Fundamentos há um desenho da casa de Schmidt, um escritor curiosamente
atual por ter lutado contra a ameaça da bomba atômica. Chegou a assinar o famoso "apelo de Estocolmo", contra a ameaça nuclear. Schmidt chegou a ser
redator-chefe da Fundamentos.
Romeu acha que é a mesma casa descrita por Schmidt em A Primeira Viagem, e quer
preservar as ruínas, e, se possível, reconstruir o local. Tentativa semelhante foi feita, sem sucesso, por Raul Santana Leite, em 1967.
Pode parecer coisa sem importância para quem não conhece o valor de Schmidt para a
literatura nacional. Trata-se de um dos maiores escritores paulistas, premiado pela Academia Brasileira de Letras e pela revista O Cruzeiro,
em 1948, na época o maior prêmio literário do Brasil, com a obra O Menino Felipe. Hoje, essa obra serve de modelo para um troféu instituído
pela Prefeitura para premiar pessoas de destaque na Cidade.
Romeu lembra que, em breve, a Prefeitura iniciará, na área onde está o sítio dos pais de
Schmidt, a construção de um bairro, com casas populares. Seria a oportunidade ideal de reerguer o sítio, seguindo o modelo fotográfico da revista
Fundamentos.
Schmidt fala da ponte preta ao descrever
o seu retorno
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