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HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO
A casa do principal escritor (2)

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Considerado o maior escritor nascido em Cubatão, Afonso Schmidt descreveu em suas obras a casa em que morou, no tempo em que a então futura cidade era apenas um bairro suburbano de Santos. Em 1983, seu irmão Godofredo reconheceu o local onde ambos moraram, no início do século XX, como é relatado na edição de 3 de julho de 1983 (página 23) do jornal santista A Tribuna (digitalizado de exemplar mantido no acervo de Aldo Schmidt, filho do escritor, residente em São Paulo/SP):

Godofredo Schmidt mostra à sua filha, Marina, o sítio onde ele e Afonso viveram
Foto publicada com a matéria

Irmão de A.Schmidt relembra Cubatão antigo

CUBATÃO - Aos 87 anos, o poeta Godofredo Schmidt revê Cubatão com a emoção de um menino que sente remorsos por ter matado passarinhos com a espingarda pica-pau calibre 22, no começo do século. Godofredo é irmão do já falecido poeta e escritor Afonso Schmidt, a maior glória literária produzida pela cidade industrial numa época em que não se sonhava com poluição.

Quarta-feira passada a Prefeitura homenageou Afonso Schmidt, inaugurando um busto numa das praças da Vila Couto. Durante todo o dia, deslumbrado, Godofredo percorreu as principais ruas da Cidade, visitou o museu onde se guardam as obras e objetos pessoais do irmão. Reviveu dias da infância, reconheceu paisagens agora desfiguradas. Com a memória lúcida dos mais idosos, citou nomes de antigas ruas, de comerciantes perdidos no tempo; e terminou por aceitar o desafio do secretário de Educação e Cultura de Cubatão, João Jorge Peralta: deveria identificar o sítio onde tinha vivido, com o irmão, há mais de 80 anos.

Vamos começar, seguindo o roteiro traçado pela bengala do simpático Godofredo, um mergulho no passado de Cubatão para descobrir como viveu um dos mais conhecidos personagens desta Cidade: Afonso Schmidt, que se auto-identificou como o "Menino Felipe", um moleque que vagabundeava pelas picadas abertas nos sítios do pequeno núcleo de Cubatão, um antigo bairro de Santos.

O trenzinho de Itutinga - Godofredo foi levado, primeiramente, ao Parque Anilinas, para a primeira surpresa. "Aqui havia uma fábrica", disse ele. E contou detalhes da antiga Companhia Anilinas, explorada por uns alemães.

Hoje, a área da antiga fábrica é um parque público. Entre patos, gansos, tartarugas, preguiças e jaguatiricas, Godofredo emocionou-se pela segunda vez, ao descobrir a velha locomotiva que fez parte da sua infância e ficou imortalizada nos livros do seu irmão Afonso.

Godofredo subiu no trem, cercou-se de garotos que ali estavam, e rindo disse que tinha virado de novo criança. "É esta a locomotiva que ia para Itutinga, para o sítio do meu pai. Transportava bananas que eram exportadas para a Argentina".

Depois, o poeta seguiu de carro pela Avenida Nove de Abril. "Onde está a capelinha da minha infância?", perguntou ao deparar-se com a Matriz de Nossa Senhora da Lapa. "Isto aqui era um lamaçal, acolá era um pasto, mais além uma lagoa. Onde está o rio?"

O poeta olha o Rio Cubatão, cheio de óleo cru. Não se espanta. As suas reminiscências não são tão ingênuas assim. Ele esteve aqui outras vezes, na época da construção da Refinaria Presidente Bernardes, e após o início do funcionamento da Cosipa. Conhece bem os males da poluição. Tanto que pergunta pela Vila Parisi. "Vocês vão acabar com a Vila Parisi? Para onde vai a população daquele bairro?", pergunta a Peralta, embaraçado com a repentina questão política.

Godofredo - antes de imprimir seu único livro (em que modestamente se diz o poeta esquecido da família, que mal ousa fazer leve sombra ao irmão famoso) -, foi vendedor de carnes: "Eu trabalhei para o Moura Andrade, atacadista de carnes. Vendi muita carne aqui para a Refinaria da Petrobrás, para a Cosipa". Godofredo mora no Jardim Paulista, em São Paulo. É um hígido semi-nonagentário, vegetariano, abstêmio, madrugador, inimigo da televisão. "Desliguei a TV no dia em que o Paulo Rossi acabou com a alegria do Brasil, naquela fatídica derrota para a Itália. Que pena..."

No seu livrinho (é ele que o chama de livrinho), intitulado "Vida - 70 anos de Poesia", Godofredo fala do seu encantamento por Pelé.

Ali nasceu Afonso - Agora, ele atravessa a ponte sobre o rio, que na época era de madeira. Mais além, descobre o chafariz da Praça Joaquim Montenegro, em frente à Estireno. No seu tempo não havia fábrica, era um bananal, e o chafariz tinha uma carranca por onde vertia a água que a população da Cidade vinha apanhar para beber. Peralta promete mandar procurar a carranca, pois o chafariz não é o mesmo. Virou uma espécie de fonte luminosa sem luz e água. O poeta procura, inutilmente, pela antiga Sociedade Cubatense de Beneficência.

"Aqui - no Largo Joaquim Montenegro, terceiro porto de Cubatão, onde em 1822 D. Pedro desceu de um barco para subir a serra no lombo de um jumentinho -, ficava o Largo do Café. Do outro lado do rio era o Bairro do Pito Aceso".

Por fim, descobre o prédio, muito modificado, onde se erguia a sociedade, uma espécie de hospital, e estão agora o escritório e a garagem da Viação Santos-Cubatão. Godofredo se lembra que um dia ali foi a primeira Câmara Municipal da Cidade, em 1949. "Aqui nasceu Afonso. E seis anos depois, nasci eu".

Próximo ao Cruzeiro Quinhentista, Godofredo vê apenas imensas torres de refino de petróleo, tanques de armazenamento de material petroquímico. "A primeira vez que vi um flare (onde se queimam os gases de óleo) pensei que o petróleo estivesse pegando fogo. A refinaria está nas terras do Bruncken, do nosso avô Bruncken. O sítio ia desde o cruzeiro até Itutinga. Tudo isso era do meu avô. Depois ele doou Itutinga a meus pais".

Inutilmente, Godofredo procura a capelinha de São Lázaro, o cemitério. A capelinha, que está na memória de muitos cubatenses, foi destruída. A imagem de São Lázaro está no Museu de Artes Sacras, em Santos. Armando Campinas, vereador local, sonha um dia em reconstruir a capela.

O cemitério não mais será possível recompor. Os ossos dos antigos moradores foram levados para a nova necrópole, em 1952. Onde havia cruzes e lápides, há torres de refino da Petrobrás.

Afonso Schmidt, no livro "A Marcha", fala desse sítio e da luta do seu avô Bruncken, para evitar a ruína das terras, provocadas a partir do desvio das cachoeiras do Rio das Pedras, que alimentavam a moagem da fazenda. Godofredo queixa-se dessa querela judicial que se arrastou durante anos. O avô Brucken entrou em questão com os ingleses da City que lhe roubaram a água.

"Meu pai ganhou as terras de Itutinga de meu avô, quando casou com mamãe". O poeta fala com emoção dessa mãe que o irmão Afonso descreve, com a mesma ternura, em "Reminiscências".

"Vocês estão me proporcionando momentos inesquecíveis. Vou assinalar este dia na minha vida em vermelho, para não esquecer. Vocês sabem o que quer dizer Itutinga? Itu é cachoeira, tinga é branca. Peguei muitos robalos nas águas dessa cachoeira branca que se via ao longe desde a Via Anchieta".

A Ponte Preta - Afonso Schmidt viajou para a Europa com 14 anos. Tomou o trenzinho que ia de Itutinga até a atual estação da RFFSA, e foi para Santos, embarcando num vapor. Voltou tempos depois e ainda em "Reminiscências" descreve o lugar onde sua família morava, pouco além da Ponte Preta, nas terras em que fica hoje a Companhia Santista de Papel. Há meses, as ruínas do sítio dos Schmidt foram redescobertas pelo vereador Romeu Magalhães, que pediu ao prefeito José Osvaldo Passarelli que providenciasse o tombamento do local, para preservação da casa onde viveu o maior vulto cubatense.

Há cerca de 20 anos, o ex-vereador Raul Santana Leite fez pedido idêntico sem ser atendido.

Agora, o carro da Prefeitura - onde viajam Godofredo, sua filha Marina e o secretário de Educação e Cultura, João Peralta - está próximo ao sítio. Propositadamente, Peralta não informa ao poeta onde ficava o sítio. Faz parte da aposta.

O carro pára pouco além da ponte. Godofredo salta, abre caminho no mato com a bengala, divisa as ruínas da ponte preta e sentencia.

"Ficava à direita. Por aqui deviam haver os trilhos do trenzinho. A casa devia ser ali".

À direita, ergue-se um barracão de madeira. Lá se encontram criadores de porcos, eventuais ocupantes da casa, que recebem respeitosamente a ilustre visita. "Era aqui, sim..."

Emocionado, ele aponta à filha, Marina, as fundações da casa, ainda intactas. "Meu pai, João Moreira, teve que hipotecar isso tudo. Ficou com os Amazonas. Eu caçava macucos e jacutingas nestes lugares. Matei tanto passarinho, que tenho remorso. Matei-os à toa..."

A ponte já existia quando os Schmidt chegaram ao Sítio. Por ali Afonso Schmidt dava as escapadas e depois aparecia. "Afonso sempre foi assim, não morava em casa. Morava no mundo. Aparecia de vez em quando. Mamãe se emocionava. Ele me contava tudo. Contava o que escrevia depois nos livros. Era um grande amigo, mais que irmão".

Um dos sitiantes informa a Godofredo que há dias, quando tentou abrir uma fossa, encontrou restos de uma máquina de costura.

"Era a máquina de mamãe..." - informa Godofredo, vendo os despojos enferrujados de uma lembrança cinqüentenária. Daqueles tempos restam apenas trilhos das vagonetes que João Moreira Schmidt implantou para tirar banana, cujos cachos eram levados pela locomotiva que está hoje no Parque Anilinas.

Godofredo se lembra que é poeta. "Onde fica a cachoeira? Por aqui havia uma cachoeira. Meu pai dizia que ali havia ouro. Vocês nem desconfiam que aquele morro é uma Serra Pelada". O poeta lembra-se que precisa subir a serra, ao ver a Imigrantes que está ao fundo do sítio. Mostra a um jornalista uma área próxima ao sítio: "Mamãe plantou ali umas mexericas. Eu também fui jornalista, em 1917. Fui correspondente de A Tribuna, em São Vicente. Era uma época em que nada acontecia. Eu tinha que inventar notícias..."

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