Título da ONU para Cubatão, apenas uma lenda urbana
Carlos Pimentel Mendes
Chama-se "lenda urbana" a
história que, muitas vezes repetida dentro de uma comunidade, ganha foros de verdade, vira postulado, que todos afirmam mas ninguém comprova.
É o caso da afirmação de que Cubatão recebeu das Nações Unidas, durante a Eco-92 no
Rio de Janeiro, o título de "Cidade Símbolo Mundial da Recuperação Ambiental".
Nas investigações feitas, nada foi encontrado que comprove tal título, muito pelo
contrário: existem fortes indícios de que tal história começou a ser construída em 1991, exatos 12 meses antes da Eco-92.
Em 10 de junho de 1991, o jornal santista A Tribuna
publicou em sua última página uma entrevista com o engenheiro sanitarista Werner Zulauf, ex-diretor da Cetesb, onde já aparecem indícios:
Na abertura do texto, cita-se: "(...)
E o que acontece agora neste município que pretende servir de exemplo de recuperação ambiental, a ser
mostrado ao mundo durante a Eco/92? (...)"
Imagem: reprodução parcial da última página de A Tribuna de 10/6/1991
Destaque para uma resposta nessa entrevista:
Imagem: reprodução parcial da última página de A Tribuna de 10/6/1991
Em 18 de fevereiro de 1992, o jornal interno O Chapa,
da então Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa – atual Usiminas), registrava:
Imagem: reprodução parcial da página de O Chapa de 18/2/1992
Nessa matéria de página inteira, o tablóide O Chapa notava:
Imagem: reprodução parcial da página de O Chapa de 18/2/1992
Antes da Eco-92, ocorreram várias conferências preparatórias, uma delas realizada em
outubro de 1991 em Cubatão. A cidade também promoveu encontros com jornalistas nacionais para mostrar sua nova condição ambiental.
Em 27 de maio de 1992, dias antes da Eco-92, o jornal santista A Tribuna noticiava que "Imprensa elogia esforço de
Cubatão". Destaque-se o trecho:
Imagem: reprodução parcial de A Tribuna de 27/5/1992
Cubatão já aspirava ao título. Mas, a revista Veja, em reportagem de 17 de abril de 1991,
era parcimoniosa nos elogios, mostrando que desastres ambientais bem maiores ocorreram em Leipzig, na Alemanha, e que naquele momento Cubatão 'tem
no centro da cidade uma atmosfera melhor que a de alguns bairros residenciais de São Paulo":
Imagem: reprodução parcial da página de Veja de 17/4/1991
Em 3 de junho de 1992, o jornal A Tribuna publicou um caderno especial sobre a Eco-92, que
na página 3 estampava um anúncio da Prefeitura, já usando um esboço do símbolo das folhinhas que se tornaria marca da comunicação oficial:
Imagem: anúncio de página inteira publicado no jornal santista A Tribuna em 3 de junho de 1992,
na página 3 do caderno especial Ecologia/Rio-92:
Imagens: logomarca da Prefeitura, até 2005
No mesmo caderno, na página 8, matéria do correspondente local Manuel Alves Fernandes,
intitulada "Cubatão consegue provar que o Dia de São Nunca existe"
Merece destaque aqui a apenas discreta citação de um elogio do Banco Mundial:
Imagem: detalhe de matéria publicada no jornal santista A Tribuna em 3/6/1992, na página 8 do
caderno especial Ecologia/Rio-92:
Em 1º de junho de 1992, o mesmo jornal A Tribuna apresentou
entrevista com Sérgio Correa Alejandro, então gerente regional da Cetesb:
Imagem: detalhe de matéria publicada no jornal santista A Tribuna em 1/6/1992, página A-14
Note-se este trecho da abertura da matéria, assinada por Manuel Alves Fernandes, da
sucursal de Cubatão: "(...) Para ele, Cubatão já pode ostentar sem receio o título de Cidade
Símbolo do Controle Ambiental na Rio-92, que se realiza a partir do dia 3, no Rio de Janeiro.
(...)". O texto insiste na questão:
Imagens: detalhes de matéria publicada no
jornal santista A Tribuna em 1/6/1992, página A-14
Da mesma forma que Santos e outras cidades da Baixada Santista, Cubatão esteve
presente na Eco-92 no Rio de Janeiro com um estande em que apresentava suas realizações ambientais.
Em anúncio na revista Veja, em 2 de outubro de 1991,
página 74, foi apresentado o Selo Verde. Embora no grupo de trabalho estivessem participantes da organização da Eco-92 (ou Rio-92), o selo não
ostenta a chancela das Nações Unidas, apenas da organização SIGA – Sociedade de Incentivo para o Gerenciamento Ambiental:
Imagem: detalhe da publicação na revista Veja de 2/10/1991, página 74
No dia 5 de junho de 1992, na página B-7, o jornal A Tribuna
registrava, com matéria produzida em sua sucursal cubatense, que Cubatão havia recebido esse Selo Verde concedido pela Sociedade de Incentivo para o
Gerenciamento Ambiental.
Dois dias depois (7 de junho), na página A-10 do jornal A Tribuna, mais detalhes: "o
selo foi concedido individualmente a Serra por contribuições à causa ecológica, segundo o autor da proposta, ministro Carlos Garcia".
Na mesma matéria, junto com a informação de que "também receberam o título Ação Verde
(não mais Selo Verde, note-se) as prefeituras de Curitiba e Belo Horizonte e dez
empresas nacionais". O título Selo Verde começava a ser reservado portanto para
entidades que cumprissem normas internacionais ISO 14000 para controle ambiental, criadas em 1993 pela International Standards Organization (ISO).
A matéria de 7 de junho de 1992 também anunciava que o prefeito Nei Serra pretendia criar a
Fundação Cubatão de Ecologia, inspirada em ideia do jornalista Manuel Alves Fernandes.
Nesta investigação, esse jornalista foi contatado no dia 27/9/2011, quando informou nunca ter
realmente visto algum título concedido pelas Nações Unidas a Cubatão.
De fato, se tal prêmio tivesse sido concedido pelas Nações Unidas, deveria ter sido noticiado como
tal e em manchete nos jornais, tal a importância que Cubatão ocupava nas preocupações ambientais brasileiras, numa semana
em que o tema era a Eco-92 no Rio de Janeiro. Nenhuma das edições especiais dos grandes jornais brasileiros, nem mesmo o noticiário nas páginas
regulares desses jornais que acompanhavam a Eco-92 de modo detalhado e constante, registrou a outorga de tal prêmio a Cubatão pelas Nações Unidas.
Mesmo os jornais da Baixada Santista não fizeram registro destacado de alguma premiação das Nações Unidas para Cubatão, como seria de esperar se tal
ocorresse.
Vale observar que, apesar das vitórias já conseguidas na recuperação ambiental, Cubatão tinha ainda
o passivo ecológico representado pela contaminação do solo com produtos químicos pela empresa Rodhia, e embora já controlasse a maioria das fontes
de poluição, não as havia eliminado plenamente, o que dificultaria às Nações Unidas conceder tal distinção. Aliás, uma consulta ao próprio site da
ONU na Internet não revela qualquer registro de distinção semelhante à citada, de "símbolo mundial da recuperação ambiental".
Em 13 de outubro de 1999, o jornal O Estado
de São Paulo publicou a matéria "Guará vira símbolo da recuperação ambiental de Cubatão". Alguns trechos são nela ressaltados, a seguir:
Imagem: recorte de O Estado de São Paulo de 13/10/1999 e detalhe da publicação, preservada no
arquivo da Hemeroteca Municipal de Santos
A partir do ano seguinte, entretanto, a lenda urbana se
firmou. Todas as matérias encontradas a partir de então repetem o mesmo tipo de informação não comprovada, geralmente com as mesmas palavras, a
exemplo da edição de 20 de março de 2000 do jornal A Tribuna, no título de sua última página: "ONU
aplaude (...)". |