Imagem: reprodução das páginas 76 e 77 de Veja
IMAGEM
Os dois Brasis
Está na hora de corrigir os erros dos estrangeiros que falam de índios, queimadas e Amazônia
O Brasil terá na conferência do Rio a grande oportunidade de chacoalhar de seus ombros a imagem fraudada de grande poluidor que vem carregando. A imensa maioria dos relatos publicados na
imprensa estrangeira pinta um Brasil quase rupestre, primitivo, com legiões de povos da floresta metidos em experiências transcendentais na mata, enquanto alguns poucos brancos hostis ameaçam suas terras e sua cultura.
"A imagem que frequentemente se faz do Brasil lá fora não é a mais justa", diz Maurice Strong, o chefão da Eco 92. Recentemente, Parade, suplemento dominical do jornal The
Washington Post, brindou os leitores americanos com uma reportagem de capa sobre o índio brasileiro Paulinho Paiakan. Embaixo da bela foto de capa do cacique vinha a inscrição: "O homem que poderia salvar o mundo".
Paiakan é um índio caiapó de notável liderança, mas que chefia um povo mercantilista, aculturado, com todos os vícios e virtudes dos brasileiros que moram no Sul do Pará. O povo de
Paiakan tem aviões, caminhões e negócios lucrativos com as madeireiras da região. Os caiapós são considerados ótimos negociantes e investidores argutos do dinheiro da tribo, que sai da poupança para o CDB conforme as flutuações do mercado.
Na reportagem de Parade, Paulinho Paiakan é retratado como um cacique da velha-guarda do cinema: usa cocar na cabeça, pintura vermelha no rosto e está seminu. Em nenhum momento a
reportagem explica que aquilo é uma ilustração alegórica. "Nós tendemos a romancear mesmo essas histórias", reconhece seu autor, o jornalista americano Hank Whittemore. A verdade é que, acabada uma sessão de fotos como essa, o cacique Paiakan lava
o rosto, coloca sapato, meia, calça e camisa e vai cuidar dos negócios da tribo.
Paiakan é um bom representante de seu povo. Gosta de cuidar das tradições de sua gente da mesma forma que procura zelar pela educação e saúde da tribo. Mas está longe de corresponder à
imagem do bom selvagem com que sempre é apresentado no exterior. Também são encarados assim outros representantes do mato como os índios Tutu Pombo e Ailton Krenake, dois espertíssimos silvícolas brasileiros.
Essa visão do índio brasileiro é acompanhada de abordagens catastróficas a respeito da destruição da mata amazônica. Em cinco anos, o ritmo do desmatamento caiu para menos de 0,3% ao ano
– mais de dez vezes abaixo da média planetária.
No placar da opinião pública mundial só recentemente o Brasil virou o jogo. Até bem pouco tempo comprava-se pelo mundo a fora a ideia de que as queimadas na Amazônia eram a grande fonte
de poluição da atmosfera. Hoje as pessoas medianamente informadas já sabem a verdade: quem polui mesmo são os países industrializados.
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Foto: Rogério Montenegro, publicada com a matéria
À medida que se aproximava a realização da Eco 92, relatos sobre esses problemas se multiplicaram na imprensa internacional
junto a reportagens a respeito de problemas urbanos e sociais brasileiros. Aqui se queimam árvores, mas o país está longe de promover um extermínio sistemático da cobertura vegetal como pretendem indicar as denúncias que ultimamente sobre ele são
publicadas nas grandes capitais do mundo.
Apresentar dados reais sobre esses problemas será uma das tarefas dos representantes brasileiros na conferência do Rio. Os delegados brasileiros também terão muito o que fazer. Sediar a
Eco 92 vai dar ao Brasil uma posição privilegiada nos debates e, pelo cenário que está se armando até agora, uma boa participação na divisão do bolo ecológico que os ricos estão cozinhando. O bolo será pequeno, bem menor do que os 125 bilhões de
dólares anuais que o previsto pela receita de Maurice Strong.
Antes mesmo que a conferência do Rio termine, será feito o anúncio oficial de que o Brasil foi contemplado com mais dinheiro para tocar alguns de seus projetos ambientais mais urgentes:
a despoluição da Baía de Guanabara e do Rio Tietê em São Paulo.
"A conferência não será um dilúvio de palavras sobre um deserto de ideias", espera o embaixador Marcos Azambuja, coordenador das posições brasileiras na Eco 92. Azambuja acredita que
acordos de transferência real de recursos e tecnologia serão firmados entre os participantes da reunião.
Anavilhanas no Rio Negro: os países desenvolvidos têm interesse no manancial genético e acusaram o esforço de controle das queimadas feito pelo Brasil
Foto: João Ramid, publicada com a matéria |