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EM FOCO/WERNER ZULAUF
Cubatão, exemplo na Eco-92
Beth Capelache de Carvalho e Manuel Alves Fernandes
Que tipo de negligência,
abuso e irresponsabilidade, particular ou coletiva, permitiu que Cubatão se transformasse, no passado, em uma região famosa em todo o mundo como o
Vale da Morte? E o que acontece agora neste município que pretende servir de exemplo de recuperação ambiental, a ser mostrado ao mundo durante a
Eco/92?
Em 30 anos de profissão como engenheiro civil e sanitarista, Werner Zulauf tem uma
visão histórica desses acontecimentos, dos quais chegou a participar muito de perto, como diretor da Cetesb no Governo Paulo Egídio, e como
presidente da empresa no Governo Franco Montoro. Ele atribui a degradação ambiental em Cubatão à ausência de uma legislação adequada, à época da
implantação dos polos petroquímico, siderúrgico e de fertilizantes, todos altamente poluidores. E também a fatores peculiares da região, que
funcionaram como agravantes no decorrer dos anos. A pressão da sociedade brasileira e a preocupação mundial provocaram a mudança desse quadro.
- Quem é considerado o maior responsável pela degradação ambiental em Cubatão?
- A implantação das indústrias em Cubatão é anterior à legislação ambiental, e foi
feita segundo parâmetros e hábitos da época. Eram levados em conta facilidades de transporte, energia, mercado, mão-de-obra. Não se incluía, em
nenhuma análise, o pré-requisito ambiental, que aliás não fazia parte da cultura da época. Naquela região, particularmente, havia fatores agravantes
da degradação.
- E quais eram esses fatores?
- Em primeiro lugar a situação geomorfológica: um solo litorâneo entre a serra e
manguezais, com grande proximidade entre os dois ecossistemas. Em segundo, a proximidade com a Serra do Mar, que torna o clima favorável às
inversões térmicas. Além disso, ocorreram algumas modificações na política industrial e energética do Brasil: a pedra granulada, importada, que se
utilizava na época, foi substituída, por determinação do Governo, pela pedra fosfática nacional, muito fina e favorável à dispersão de poeira; em
1979, o Brasil passou a exportar petróleo de ótima qualidade, para utilizar o importado, de qualidade inferior, o que resultou num sensível aumento
das ocorrências de chuva ácida.
- A legislação ambiental data de 76. Por que nada foi feito a essa época?
- No final da década de 70 a situação já era extremamente grave. A saúde e a
sobrevivência das pessoas estavam em perigo, assim como a própria integridade física das indústrias. A pressão da comunidade, nacional e mundial,
intensificou-se, e em 81 teve início o Programa Vale da Vida, que, porém, foi massacrado pela imprensa, devido ao discurso intenso que camuflava uma
ausência quase total de resultados. O projeto Vale da Vida ficou desmoralizado perante a opinião pública mundial. Em 82, Cubatão foi tema das
plataformas políticas de todos os candidatos a governador, inclusive do vencedor das eleições, Franco Montoro. Só então teve início um trabalho mais
sério contra o quadro assustador. Montoro foi um dos personagens mais importantes do processo de recuperação ambiental em Cubatão.
- E quais os demais personagens dessa história?
- Aos ambientalistas de todo o mundo se deve a ação precursora, de alertar sobre os
caminhos que estavam sendo seguidos. Os políticos também se fizeram ouvir, e gostaria de destacar os vereadores Florivaldo Cajé e Dogival Vieira,
que não se reelegeram, mas não devem ficar esquecidos. A ação da Cetesb foi extremamente importante, assim como a das próprias indústrias, inclusive
entre gerentes e empregados. Alguns empresários modernos tiveram a ousadia de lutar contra as forças do poder econômico arcaico, interessado apenas
na produção e no lucro. É bom destacar que a solução para Cubatão não partiu de nenhum consultor internacional. Ela é tupiniquim, inclusive a
estratégia de resolver simultaneamente todos os problemas, já que não era possível priorizar nenhum deles.
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"A industrialização de Cubatão, anterior às leis ambientais, ocorreu sob os hábitos da
época, sem cuidados ecológicos" |
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- Seis anos depois de iniciado o plano de controle de poluição em Cubatão, ainda
não se chegou a 100% da redução das 320 fontes de emissão de poluentes. Por quê?
- O que já foi conseguido é um feito extraordinário em termos de Brasil e muito mais
se considerarmos o contexto latino-americano. Se 10% das fontes ainda não foram corrigidas, isto se deve basicamente às dificuldades da Cosipa. A
Cosipa é, de longe, a maior empresa da região de Cubatão, e também a que fez os maiores investimentos no esforço de despoluição. Foram US%
150mnilhões já utilizados, mas ainda faltam US$ 30 milhões a serem investidos. Na medida em que esses investimentos complementares forem sendo
realizados, os 10% remanescentes de fontes poluidoras não controladas também desaparecerão.
- E essa demora nos investimentos, o sr. considera um descaso do Governo Federal?
- De uma certa forma, sim. Mas é preciso levar em consideração o fato conjuntural da
siderurgia brasileira, que tem andado no vermelho nos últimos anos. Isso não acontece só com a Cosipa, mas com todas elas. Por outro lado, se
compararmos o que a Cosipa realizou em termos ambientais com as demais empresas do Brasil, ela ganhará de dez a zero. São portanto vários aspectos
da mesma questão. A Cosipa está atrasada, é a responsável pela não conclusão do programa, mas fez um grande esforço e teve razões conjunturais muito
fortes para não completá-lo. Isso não significa que se deva agora simplesmente perdoar a Cosipa e deixar que as coisas fiquem como estão, o processo
de cobrança deve continuar, e a Cetesb está aí para fazer isso.
- A Vila Parisi está em processo final de extinção como bairro. O sr. considera
correta a remoção da área com um novo empreendimento industrial? O espaço não se destinava a preservação ecológica?
- Acho que o compromisso mais sério dos vários níveis de governo com a Vila Parisi
era dar àquela população uma saída honrosa, vantajosa. Isso foi feito. A Vila Nova República está situada em área nobre, do ponto de vista de
valorização imobiliária, está em uma área limpa, as casas são de boa qualidade, portanto a população saiu de lá com vantagens. Na medida em que o
Governo proporciona isso, ele se credencia a utilizar aquela área da forma que julgar mais conveniente.
- O programa de controle da Cetesb não conseguiu resolver o problema da destinação
do lixo industrial. Hoje se descobrem resíduos químicos enterrados na região – desde Cubatão até São Vicente e Itanhaém. Que solução pode ser dada a
esses problemas?
- Isso não se dá só em Cubatão, mas também em Berlim, em Nova Iorque, em Los Angeles,
em todas as cidades do mundo. O resíduo sólido não se dilui como a poluição hídrica, que causa problemas enquanto a concentração é elevada, mas
algumas dezenas ou centenas de quilômetros rio abaixo ou dentro do mar os problemas desaparecem. A mesma coisa com o ar: próximo da influência da
chaminé os problemas são muito sérios, mas depois de 30 ou 50 quilômetros eles simplesmente desaparecem. O que é lançado no solo permanece, se
acumula e se esquece. O que acontece com os resíduos sólidos não é um fato isolado em Cubatão. É o que acontece em todo o mundo, é mais trabalhoso,
mas o que tiver que ser investido para resolver esse problema, tenha certeza de que as indústrias vão investir.
- Que tipo de solução seria?
- Cada caso tem uma solução técnica. Por exemplo: a Rhodia está investindo
maciçamente na remoção de solo, na calcinação e na limpeza desse solo. Só que isso não vai limpar a área de forma absoluta, total. É importante que,
numa segunda fase, se defina também que tipo de utilização vai ser dada para aquele terreno. Os usos devem ser compatíveis com os remanescentes que
inevitavelmente vão permanecer no solo. Se não pensássemos e agíssemos assim, estaríamos sendo utópicos.
- E qual é o destino adequado para essas áreas?
- Não se pode urbanizá-las, nem construir escolas ali. Mas é possível, por exemplo,
instalar um pátio pavimentado e uma usina de destinação final de lixo. São coisas perfeitamente compatíveis com áreas desse tipo. É preciso fazer um
grande acordo para essa utilização, do qual devem participar as municipalidades, os proprietários dos terrenos e as indústrias que provocaram os
danos.
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"Maior empresa da área, a Cosipa é a que mais poluiu, mas também a que mais investiu em
despoluição. E precisa investir mais" |
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- Os mananciais da
Baixada Santista – Cubatão e Pilões – estão sob ameaça de contaminação por metais pesados e organoclorados. Não se sabia, na época em que o sr. era
presidente da Cetesb, da existência desses lixões?
- Sabia-se. Tanto é que em 78 foi feito um levantamento, e esses problemas foram
mencionados. A partir daí houve um primeiro grande movimento para a retirada do aterro da Prefeitura do local e a sua transferência para os areais,
o que aconteceu. Simultaneamente, não se aceitou, nos areais, o lançamento de resíduos industriais. Portanto, houve uma série de medidas anteriores.
Agora, por orientação da Cetesb, num processo harmônico com o Ministério Público, as indústrias concordaram em financiar estudos para a
identificação desse problema. Esse é o primeiro passo. O segundo será a adoção de técnicas adequadas para a correção dos danos.
- Quais são as técnicas possíveis?
- Isso é muito complexo. Só depois de se conhecer o tamanho do problema e as suas
peculiaridades é que será proposta a técnica adequada para a sua solução.
- Em que a Eco/92 poderá contribuir para a melhoria das condições ambientais no
Brasil?
- Só o fato da conferência se realizar no Brasil tem um significado extraordinário,
porque transforma o Brasil no centro de convergência das atenções do mundo. Nós não podemos ser anfitriões e simplesmente varrer a casa, varrer os
auditórios e preparar a infraestrutura para a conferência. Temos que mostrar o que estamos fazendo, e mostrar dentro do mais absoluto realismo. Não
podemos blefar perante a comunidade internacional, porque ela estará aqui e estará vendo. Acho que ainda falta um pouco de seriedade nas ações do
Brasil. O Governo está muito preocupado em mostrar que está resolvendo seus problemas, mas na verdade poderia estar resolvendo esses problemas numa
velocidade bem maior do que a que adota atualmente.
- Cubatão pode realmente ser considerada Cidade Símbolo da Ecologia? Não lhe
parece uma imagem um tanto forçada?
- O que o prefeito Nei Serra está fazendo é digno de todos os aplausos. Ele não está
festejando antecipadamente a solução dos problemas, como na fase da campanha Vale da Vida, quando se deu mais importância ao discurso. O entusiasmo
em resolver o problema dava a impressão que eles estavam resolvidos. Mas não estavam. Agora, 90% das fontes primárias de poluição estão corrigidas.
E os 10% restantes também serão resolvidos. Além disso, há uma série de medidas que estão sendo implantadas. Uma lista enorme delas. Portanto, nada
mais justo do que usar este exemplo de reversão visível para qualquer leigo, e que inclui também a criação de parques, o investimento na educação
ambiental. Acho oportuno aproveitar o fato de Cubatão ter sido conhecida de forma negativa na questão ambiental como gancho. É usar limão para fazer
a limonada.
- Se a poluição está sob controle, é possível retomar o desenvolvimento industrial
na região?
- Sem dúvida, desde que atendida a legislação que hoje preconiza estudos de impacto
ambiental. Nada mais será feito em Cubatão que venha a agravar os problemas ambientais, porque há uma ação preventiva instituída.
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"Eu disse a Lutzenberger que não aceitava críticas de quem não leu o meu projeto. Ele não
gostou, e Collor não me deu apoio" |
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- O que o levou a se
afastar da presidência do Ibama, logo no início do Governo Collor?
- A sua fita talvez seja curta para registrar a história integralmente. Eu não pedi
para ir para o Ibama, fui convidado pelo secretário Lutzenberger. Em seguida, fui apresentado ao presidente Collor, e ele fez um baita de um
discurso, dizendo que nossa ação teria todo o respaldo do Governo, que deveríamos ser duros, que deveríamos fazer o que fosse necessário, porque o
quadro ambiental no Brasil teria de ser revertido. Eu acreditei nesse discurso. Mas ocorreram dois fatos.
- Quais foram?
- Primeiro, o professor Lutzenberger não gostou da equipe técnica que eu estava
montando para dirigir o Ibama. Embora não conhecesse nenhuma das pessoas convidadas, ele reclamou várias vezes, não sei por quê. Caramba, eu vou
para uma instituição com uma responsabilidade tão grande, sabendo já que a Eco/92 seria realizada no Brasil. E vou trabalhar com uma equipe montada
por terceiros? Não. Continuei montando a minha equipe. Quando apresentei a equipe e defendi o Projeto Floram, criou-se o primeiro pomo de discórdia.
Até hoje ele não leu o projeto, não conhece o projeto, mas é contra. Então, eu usei uma expressão que o professor Lutzenberger não gostou. Eu disse
que não aceitava a restrição do "não li e não gostei". Ele achou que eu fui abusivo ao fazer essa colocação, não gostou da circunstância de eu estar
reunindo a equipe de profissionais para dirigir o Ibama, e tudo culminou com o respaldo do presidente, oferecido durante um discurso tão enfático, e
no entanto desapareceu na primeira crise de ciúmes do excêntrico secretário Lutzenberger.
O técnico afirma ser possível obter 100% de despoluição em Cubatão
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