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BAIXADA SANTISTA/temas - GEOGRAFIA
Quando a região estava no fundo do mar

Milênios atrás, toda a região da Baixada Santista estava coberta por uma camada de até 50 m de altura de água, só ficando visíveis os montes principais. É o que os pesquisadores vem descobrindo, pela análise do solo na região, como é explicado neste estudo, publicado na Revista USP, São Paulo/SP, nº 41, março/maio de 1999, páginas 18 a 27:


Figura 1 - Região da Baixada Santista (apud F. Massad)
Imagem publicada com a matéria

A Baixada Santista. Suas bases físicas

Milton Vargas (*)

Quando, num dia desanuviado e claro, voa-se sobre a Baixada Santista, numa rota não raro utilizada pelos aviões da Ponte Aérea, em sua volta do Rio para São Paulo, não se pode deixar de admirar o contraste entre a planície da Baixada e a muralha, quase vertical, da Serra de Cubatão, encimada pelo Planalto Paulistano.

Tem-se então a impressão de um soerguimento recente da face da serra, tal é o contraste entre a topografia jovem da Serra do Mar e a maturidade topográfica do planalto. Os geólogos que confirmam essa impressão dizem tratar-se da face dissecada de uma falha geológica, ao longo da qual a borda oriental do continente teria ascendido antes, durante e pouco depois que sedimentaram as argilas e areias sobre as quais a cidade de São Paulo repousa.

Entretanto, os primeiros estudos mais apurados, levados a efeito por Fernando Marques de Almeida [1] em 1953, levaram-no a interpretar o relevo da Serra de Cubatão como resultante de um processo de erosão iniciado a partir de falhamentos anteriores, situados a vários quilômetros a Leste das escarpas atuais.

De fato, até cerca dos anos 50, pouco se sabia sobre a geologia, tanto da Serra do Mar quanto das várzeas e praias do litoral. Contudo, o pai da Geologia no Brasil, o americano Charles Frederick Hart, já descreve a Baixada de Santos e a Serra de Cubatão, em seu livro Geology and Physical Geography of Brazil [2], publicado em Boston em 1870.

São descrições que cobrem mais os aspectos geográficos que os geológicos da região. Entretanto, é o primeiro a opinar que toda a costa Sul do Brasil está atualmente se elevando. Daí as planícies de formação geológica recentíssima, com seus depósitos e várzeas e dunas de areia, em contraste com a formação arqueana da serra.

Somente na Geologia do Brasil [3], de Avelino de Oliveira e Othon Leonardos, publicado em 1943, foi que se trouxe aos estudiosos de geologia uma divulgação das informações mais detalhadas sobre as formações geológicas de nosso país. São poucas, porém, as informações sobre a geologia da Serra de Cubatão. Há somente menção às formações geológicas do trecho da estrada de ferro Mayrink-Santos, então recém-construída no espigão fronteiriço a essa serra. Elas são identificadas como gnaisses arqueanos; porém, cortadas na descida da serra por uma faixa de micaxistos da série algonquiana de São Roque.

As formações litorâneas são ali descritas como "planícies holocênicas em plena fase de crescimento, por entre ilhas granítico-gnáissicas". Assim mesmo, pouco é dito sobre as restingas, manguezais e baixadas da nossa costa Sul sobre a Baixada de Santos. Simplesmente lê-se: "As planícies e Santos e São Vicente, em São Paulo, são construídas de dunas ou de vasas. As areias acumuladas pelo vento elevam-se pouco acima do mar, enquanto as planícies lodosas, não obstante serem revestidas de vegetação (mangues), são integralmente alagadas nas marés altas. Os grandes bananais de Santos são protegidos por diques artificiais". Leonardos afirma não acreditar que a "costa Sul do Brasil esteja crescendo por levantamento epirogênico". Somente muito mais tarde é que essa questão veio a ser devidamente esclarecida, como ver-se-á adiante.

A Geografia de Avelino de Oliveira e Leonardos dá uma especial atenção à existência de sambaquis em todo o litoral Sul do Brasil. São acumulações de conchas, restos humanos, ossos de aves e peixes, usados como agulhas ou colares. Muitos desses sambaquis alcançam uma dezena de metros de altura e têm seus taludes íngremes, evidentemente de origem humana. Muitos deles mostram em sua base conchas fósseis de moluscos de espécies extintas; porém, ainda assim holocênicos.

Pelo que sei, uma datação feita num sambaqui encontrado no local onde hoje se acha a Usina Siderúrgica de Piaçagüera indicou a idade de 10.000 anos, embora haja indicações de serem mais recentes. Assim, Leonardos afirma que alguns deles estavam ainda em construção na época do descobrimento. Alguns deles, por exemplo o da Cosipa, estão presentemente longe do mar, sugerindo o afastamento da costa, posterior à sua construção.

Assim, o povoamento da Baixada Santista seria anterior aos dos índios tupiniquins, encontrados pelos descobridores portugueses. Porém, os homens dos sambaquis não mostram diferenças em comparação com os índios atuais. De qualquer maneira, eles são de nível cultural extremamente mais baixo que o dos tupiniquins e não há memória, nas lendas indígenas, de uma raça anterior à deles que tivesse sido dominada ou extinta.

Os tupiniquins, centrados no planalto, como agricultores que eram, principalmente da mandioca - plantada pelo sistema de coivaras, nas matas ciliares dos rios -, não eram nômades; mas, segundo os antropologistas, no inverno desciam a serra para vir pescar nos rios e lagunas do estuário e, mesmo, no mar. Atestam esse fato as trilhas, cujos vestígios existem, até hoje, na encosta da serra. Terminado o inverno, voltavam para o planalto. Portanto, a Baixada Santista não era área de povoamento estável, embora pertencesse à área de subsistência dos tupiniquins.

Isto explica por que os primeiros descobridores encontraram-se com os índios do planalto e logo subiram a serra pelas próprias trilhas indígenas, que vieram a chamar-se caminhos do mar, à procura das aldeias dos Campos de Piratininga, onde já vivia o renegado João Ramalho e onde os jesuítas estabeleceram sua primeira escola.

Resta perguntar por que, sendo esses índios conhecedores do meio natural, preferiam plantar suas roças de mandioca no planalto. Como resposta lógica pode-se intuir que as terras do planalto eram mais propícias às atividades agrícolas.

A tradição indígena de considerar os campos do planalto como núcleo central de sua área de subsistência prolongou-se com os povoadores portugueses que preferiam os Campos de Piratininga, com a fundação de Santo André da Borda do Campo e São Paulo de Piratininga.

Na planície litorânea, subsistiram as cidades de Santos, São Vicente e Itanhaém, como portos de desembarque, ligados ao planalto pela trilha dos tupiniquins e assegurando a ligação marítima com a metrópole. Contudo, houve a tentativa de estabelecerem-se plantações de cana-de-açúcar na Baixada, mas essas fracassaram. Esse é o caso do famoso Engenho dos Erasmos, fundado logo após a chegada dos portugueses e que durou apenas cerca de 50 anos. Resultando disso que, já em 1681, a sede do governo da capitania passou a ser em São Paulo.

Na Baixada estabeleceu-se a característica que persiste até hoje, de centros urbanos, como ilhas em território inaproveitado; ou simplesmente aproveitado para plantações de bananeiras.

Contudo, a ligação entre as duas áreas complementares persiste nas sucessivas estradas através da muralha da serra. A Trilha dos Tupiniquins - que partia de Piaçagüera e subia a serra ao longo do vale do Rio Mogi e, no planalto, procurava o Vale do Tamanduateí, seguindo até Piratininga - é substituída pelo Caminho do Padre José - partindo de Cubatão, subindo a serra pelo Vale do Rio Perequê e, no planalto, cruzando os rios Pequeno e Grande, até atingir o Vale do Rio Meninos, afluente do Tamanduateí. Não há melhoria entre os dois caminhos, mas apenas maior segurança, pois o primeiro se aproximava muito do território dos índios tupinambás, inimigos acérimos dos tupiniquins.

Com o crescer das comunicações entre Santos e São Paulo, no século XVIII, o antigo Caminho do Padre José foi sofrendo reparações e modificações sensíveis, inclusive a subida pelo Vale do Rio das Pedras, ao invés de pelo do Rio Perequê, dando lugar ao chamado Caminho do Mar até hoje existente.

A viagem de Santos era feita por canoas até o porto de Cubatão. De lá subia-se a serra penosamente a cavalo, ou em redes carregadas por índios, ou mesmo a pé, até o alto da serra. Mas somente no governo de Bernardo José de Lorena (1788-97) é que a subida da serra foi melhorada construindo-se a Calçada do Lorena, feita com lajes de pedra e com largura suficiente para que as tropas de burros pudessem cruzar-se sem parar.

Essa calçada, cujo traçado foi aproximadamente seguido pela atual Estrada Velha de Santos, foi inaugurada, provavelmente, no início do ano de 1792. É interessante notar que, na construção dessa calçada, cuidou-se especialmente da drenagem, para evitar os estragos das enxurradas e da construção de taludes por meio de muros de arrimo. No planalto tratou-se da melhoria e conservação do caminho e da construção de pontes de madeira (pingüelas) na travessia dos rios.

Finalmente, de 1824 a 27, abriu-se uma estrada que ligava Santos a Cubatão - a qual, não obstante, foi de manutenção difícil e custosa até que se construísse o trecho da Baixada da Estrada Velha, já na década dos anos 20 deste século (N.E.: século XX).

Dessa forma, a histórica correlação entre os Campos de Piratininga e a Baixada Santista foi assegurada pelo Caminho do Mar. Com o advento da lavoura cafeeira e o conseqüente transporte do café em lombo de burro, para exportação em Santos, esse caminho foi progressivamente melhorado e finalmente substituído, no final do século XIX, pela Estrada de Ferro Santos-Jundiaí.

***

Apesar da importância histórico-geológica da Baixada Santista, que se procurou realçar nos parágrafos anteriores, até recentemente seus aspectos geográfico-geológicos não tinham sido suficientemente estudados. A Figura 1 mostra um esboço de mapa da região da Baixada Santista aqui estudada.

Somente a partir de cerca de 1940 - quando a Cia. Docas de Santos resolveu consultar o IPT para o estudo dos solos de fundação de suas novas instalações portuárias; quando foram feitos os estudos para a construção do trecho da Baixada da Via Anchieta; quando se iniciaram estudos geotécnicos para os primeiros edifícios de apartamentos na praia do Gonzaga; e, a partir de 1950, foram feitos os estudos de solos para as fundações da Cosipa em Piaçagüera - foi que as bases físicas da Baixada Santista começaram a ser conhecidas.

Foi possível então traçar um esboço de perfil geológico do pé da serra até a praia de Santos. Em Cubatão o solo era constituído por cerca de 15 m de argila orgânica mole preta sobre uma camada de pedregulho repousando sobre o embasamento gnáissico decomposto. Admitia-se então que a camada de argila orgânica mole, entremeada com camadas e lentes de areia, repousasse sobre o embasamento gnáissico, que se aprofundava lentamente até chegar a cerca de 40 m no Rio Casqueiro. Dali por diante a superfície do terreno era recoberta por uma camada de areia que, na praia, atingia a profundidade de cerca de 15 m e o embasamento gnáissico ficaria a mais de 80 m de profundidade. A Figura 2 mostra o primeiro esboço de um corte geológico da Baixada Santista traçado, aproximadamente, na década dos anos 50. Ver-se-á adiante que tal perfil encobria um erro.

Note-se, entretanto, que, nesse perfil, não aparecem os morros que, ao longo da Baixada, surgem como ilhas rodeadas de vasas. São afloramentos aqui e ali, do embasamento gnáissico. Esses morros são recobertos por solos de alteração da rocha in situ ou por coluviões formados por deslizamentos de solos e blocos de rocha. Junto ao pé da serra, em geral, ocorrem camadas superficiais de argila orgânica com consistências das vasas revestidas de mangues e alagadas pelas marés altas, enquanto as areias mais próximas do mar são acumuladas pela água ou pelo vento, como mencionam Avelino de Oliveira e Leonardos.

Note-se que, no caso da Baixada Santista, mais uma vez confirma-se o fato de que é o desenvolvimento econômico que suscita a investigação científica e tecnológica de uma determinada questão; porém, uma vez adquiridos tais conhecimentos, eles rebatem sobre o desenvolvimento econômico, fazendo-o progredir.

De fato, a construção da Via Anchieta, da Refinaria de Petróleo de Cubatão e da Usina Siderúrgica de Piaçagüera forneceu dados sobre os quais a investigação geográfica e geológica pode ser feita. Porém, não é menos verdade que, logo após, esses estudos geológico-geográficos muito contribuíram para o grande desenvolvimento industrial da Baixada.

Mas, só em agosto de 1962 é que foi iniciada uma ampla pesquisa, sob a orientação de professores do Departamento de Geografia da USP, para o estudo abrangente dos aspectos geográficos da Baixada Santista, incluindo sua base física, povoamento e população, seguido de uma investigação sobre Santos e as cidades balneárias vizinhas, além de Cubatão e suas indústrias.

Em 1965, os resultados dessa pesquisa foram publicados, pela Editora da USP, em quatro alentados volumes, nos quais pode-se encontrar as primeiras informações abrangentes sobre os aspectos geográficos da região [4].

O primeiro volume dessa obra, As Bases Físicas, é o que mais interessa para o trabalho aqui redigido. Inicia-se com um sumário da geologia da serra e da Baixada, redigido por José Carlos Rodrigues, enfatizando as questões de Geologia da Engenharia, relacionadas com as obras realizadas na região. Em seguida há uma excelente exposição da evolução geomorfológica, assinada por Aziz Ab'Saber, onde ele afirma: "Na realidade tudo leva a crer que, por volta do Cretácio e no decorrer do Paleogeno, processaram-se falhamentos importantes pari passu com o soerguimento epirogênico relativamente homogêneo, do núcleo sul-oriental do Escudo Brasileiro".

Desse movimento epirogenético resultou, na região de Santos, uma série de vales entre esporões da serra. Com a elevação do nível do mar que estava cerca de 50 m abaixo do nível atual, e que se deu já em período Quaternário, esses vales foram submersos, formando-se uma baía profunda e uma série de ilhas. Essa ascensão do nível do mar, que é chamada pelos geomorfologistas de transgressão flandriana, é a responsável pela extrema irregularidade da costa Sudeste do Brasil.

Com os vales e baías submersos deu-se a sedimentação das argilas ou areias finas argilosas que hoje formam as várzeas da Baixada Santista. São sedimentos de águas calmas, eventualmente em contato com água salgada das marés. Entretanto, já nessa época, percebeu-se que a camada de argila, supostamente de consistência uniformemente mole, apresentava certa inexplicável anormalidade em camadas de consistência maior, em discordância com as mais moles. Tal anomalia só foi esclarecida com base em estudos geológicos que serão mencionados adiante.

Da erosão dos solos de alteração de rocha, os quais recobriam as encostas dos espigões e paleo-ilhas, resultaram areias que vieram depositar-se, com transporte líquido ou aéreo, em cordões e areia, a 10 ou 25 km de distância do pé da serra, em praias e terraços.

Há ainda um terceiro tipo de solo, constituído por pedregulho e blocos de rocha, em mistura com solo areno-argiloso. Tais camadas encontram-se sempre em contato com a rocha gnáissica-xistosa muitas vezes completamente alterada, sob os sedimentos argilosos ou, então, como aluviões ou coluviões ao longo dos rios ao pé da serra. Assim formou-se a configuração atual da Baixada, com suas várzeas e mangues, geralmente localizados entre as encostas da serra e contornando morros remanescentes das antigas ilhas da transgressão marítima, e a faixa litorânea, constituída por praias e terraços de areia pura.

No capítulo terceiro do livro em exame, José Pereira de Queiroz Neto e Alfredo Kupper estudam Os Solos da Baixada. Note-se, entretanto, que, agora, a palavra solo não tem mais o significado amplo geotécnico, abrangendo todas as camadas e depósitos não consolidados da crosta terrestre. Solos, nesse capítulo, referem-se às camadas superficiais suportes das plantas e que são estudadas sob o ponto de vista da pedologia.

Nas áreas das praias e terraços arenosos, próximas ou ao longo das praias litorâneas, desenvolveram-se solos podzólicos, arenosos, com pouca matéria orgânica, ácidos e de baixa fertilidade. São áreas não utilizáveis sob o ponto de vista agrícola, porém agora densamente aproveitadas como áreas urbanas ou terrenos loteados de praias balneares.

Por outro lado, os solos desenvolvidos nas áreas entre as praias e o pé da serra, sobre os sedimentos argilosos ou argilo-arenosos, são utilizáveis agricolamente, com exceção das zonas de mangues, as quais, para serem utilizadas, necessitam de obras de saneamento. De fato, nessas áreas existiam grandes bananais, como por exemplo o que ocupava toda a área atualmente ocupada pela Usina Siderúrgica da Cosipa, em Piaçagüera.

São solos orgânicos, constituídos por argilas e siltes orgânicos, às vezes turfosas e saturadas d'água, com camadas de areia fina semelhante à das praias; ou camadas de argila plástica, saturadas de consistência rija, alto teor de carbono e acidez elevada, os quais dificultam o seu aproveitamento agrícola. Entretanto, essas áreas estão também sendo invalidadas por indústrias e suas vilas operárias, elevando-se o seu preço e assim impedindo outros usos, seja agrícola ou de preservação.

Dessa forma, a Baixada Santista, mantendo o seu caráter histórico de porta e porto exportador e importador das terras paulistas do planalto, perdeu o caráter que configurava seu aspecto de zona de plantações tropicais. Pois foi nelas que, logo após a descoberta, instalou-se o primeiro engenho de açúcar brasileiro, com suas plantações de cana, as quais desapareceram totalmente, e, ainda recentemente, era sede de grandes bananais, em plena extinção.

Com o desenvolvimento industrial de São Paulo, a partir do início do século, Santos tornou-se a cidade balneária e de veraneio das famílias ricas ou remediadas paulistanas, o que evoluiu para o das residências secundárias em apartamentos ao longo das praias de Santos e Guarujá. Finalmente toda a orla das praias da Baixada tornou-se acolhedora dos fins de semana do povo paulista. Enquanto isso, foram-se desenvolvendo as zonas industriais em torno de Cubatão e Piaçagüera, com sua usina hidrelétrica, sua refinaria de petróleo e pólo petroquímico, sua usina siderúrgica, sua indústria de fertilizantes; aglutinando em torno de si uma quantidade de indústrias anexas e vilas operárias, que tornaram a região uma das mais poluídas do mundo.

Por outro lado, as docas de Santos expandiram-se, com suas instalações portuárias, às quais vieram agregar-se uma série de indústrias dependentes de exportação e importação. Dessa forma desenvolveu-se, a partir da zona portuária, subindo o estuário e expandindo-se para Vicente de Carvalho, do outro lado do canal, uma outra pujante zona industrial.

Também o clima da Baixada foi extensamente estudado por Elina de Oliveira Santos, concluindo ser esse um clima litorâneo quente e úmido, porém, sujeito a alternâncias diárias da brisa marítima com o vento quente vindo do interior. o regime de ventos, entre os quais predominam o vento Sul frio e o vento Este vindo do Atlântico, porém, com a incidência esporádica do incômodo vento Noroeste, determina enormemente as condições climáticas.

Contudo, o verão é quente, com temperaturas máximas próximas de 40ºC, extremamente chuvoso, enquanto o inverno é mais frio e muito menos chuvoso, porém não completamente seco, pois a precipitação mínima mensal é de ordem de 60 mm, enquanto a média anual é da ordem de 2.500 mm.

***

Como já foi dito, contrastando com o caráter orgânico e recente dos sedimentos da Baixada, os solos que recobrem as rochas gnáissicas e micaxistos das encostas da Serra do Mar e dos morros litorâneos têm sua camada superficial constituída por solos residuais ou coluviais lateríticos, suportes da mata atlântica, sobre espesso manto de solos de alteração in situ das rochas locais, mantendo ainda a estrutura da rocha-madre.

Essas coberturas são muito instáveis, mostrando, em vários locais, evidência de que estão em movimento de rastejo serra abaixo. Escorregamentos catastróficos de terra dão-se nos anos de maior intensidade de chuvas, nos meses de novembro a março, quando a precipitação chuvosa supera cerca de 100 mm por dia. Foi o que aconteceu em 1928, no Monte Serrat em Santos (ver fotografia a p. 759 da Geologia do Brasil de Oliveira e Leonardos), quando, após chuvas violentas de março, cerca de dois milhões de metros cúbicos de terra deslizaram do alto do morro, justamente sobre um hospital, matando um grande número de pessoas.

Os detritos de tais escorregamentos vêm acumular-se no sopé da serra, formando os talus, que apesar de terem taludes suaves instabilizam-se durante as chuvas ou quando têm seus pés cortados por escavações para fins de engenharia. Um exemplo bem estudado de um escorregamento de talus foi o que se deu detrás da Casa de Força de Cubatão, ocorrido na estação chuvosa de 1947. Tal escorregamento tornou-se conhecido internacionalmente por ter sido estudado pelo próprio criador da Mecânica dos Solos, o prof. Karl Terzaghi [5].

Nas primeiras noites de março de 1953 (N.E.: foi em 1956), durante chuvas intensas e ininterruptas, 60 deslizamentos simultâneos assolaram os morros de Santos, infligindo perdas de vida e destruição de habitações da população mais pobre. Esses escorregamentos foram estudados em detalhes pelo Instituto de Pesquisa Tecnológica de São Paulo [6].

Um terceiro tipo de escorregamento, na Serra do Mar, são as avalanches que ocorrem durante chuvas intensivas, as quais literalmente dissolvem as coberturas superficiais dos taludes, como aconteceu nas catastróficas ocorrências da Serra de Caraguatatuba em 1967 e na das Araras, no estado do Rio, quase em seguida.

São escorregamentos múltiplos e simultâneos devidos às chuvas de enorme intensidade concentradas em áreas restritas, com períodos de recorrência de 700 a 2.000 anos, as quais produzem verdadeiras demolições hidráulicas. Os detritos liquefeitos desses escorregamentos vêm depositar-se na Baixada, a vários quilômetros de distância dos taludes, deixando a escarpa descoberta, como se fosse por cicatrizes, em toda a área da intensa precipitação atmosférica.

Um outro aspecto relacionado com as propriedades geotécnicas dos solos da Baixada Santista é o dos recalques e desaprumos dos edifícios altos de apartamentos, construídos ao longo da praia, a partir de aproximadamente os anos 40. Antes disso, os edifícios de Santos, geralmente fundados sobre a camada superficial de areia, não ofereciam problemas de fundações pois, sendo de poucos andares, suas cargas não atingiam as camadas de argila mole, existente a cerca de 10 a 15 m de profundidade, abaixo da camada superficial de areia.

Quando esses prédios passaram a ter mais de 10 andares, suas cargas começaram a comprimir camada subjacente de argila, fazendo aparecer o fenômeno de adensamento; isto é, expulsão da água intersticial da argila, resultando em recalques que se procediam lentamente, ao correr do tempo.

Um dos primeiros efeitos desastrosos disso foi o de um edifício de 14 andares em que o recalque de um lado atingiu 85 cm, enquanto do outro ficou em 60 cm, com conseqüente inclinação do prédio. Assim, tais recalques foram aparecendo em outros prédios, tornando-se visíveis e preocupando os moradores.

Além disso, observou-se que a construção de um prédio vizinho mais alto fazia inclinar o prédio menor. Houve um caso constatado de um prédio que se inclinou para o vizinho da direita, quando esse foi construído, e, depois, voltou ao prumo quando foi construído outro prédio à esquerda.

Com o abuso da altura dos prédios, apareceram casos em que se começou a temer o perigo de colapso do edifício. Um desses casos foi o de um edifício de 18 andares, muito esbelto, desaprumado pela construção de um prédio vizinho, cuja solução e estabilização foi um feito notável da engenharia de fundações paulista.

***

A partir dessa época, o conhecimento geológico, geográfico e geotécnico da Baixada Santista tornou-se intenso, como resultado das investigações científicas e tecnológicas quase todas relacionadas com obras de engenharia e de industrialização.

Além das obras de grandes instalações industriais que se realizaram desde então, na Baixada, o projeto e a construção da Via dos Imigrantes, tanto no trecho da serra, como no da Baixada, vieram não só beneficiar-se desses conhecimentos, mas também ampliá-los.

No que se refere à geologia e à mecânica dos solos e das rochas, tais amplos conhecimentos foram sumarizados nas contribuições apresentadas no simpósio "Solos do Litoral de São Paulo", realizado em Santos em 1994, Os anais desse simpósio, publicados pela ABMS, vieram a se constituir como uma síntese do estado dos conhecimentos geológicos e geotécnicos sobre a Baixada de Santos e da Serra de Cubatão, além de sobre o restante do litoral de São Paulo.

Yociterú Hasui, José Augusto Mioto e Norberto Morales [7] apresentaram, a esse simpósio, uma notável atualização dos conhecimentos sobre a "Geologia do Pré-Cambriano" no qual as antigas idéias sobre a geologia e a geomorfologia da Serra de Cubatão são retificadas, além de expostos novos conhecimentos adquiridos sobre a questão.

É interessante mencionar aqui o relato dos episódios da evolução tectônica da Serra do Mar. Os dois primeiros deram-se em tempos pré-cambrianos e são responsáveis pela formação de dobras, juntas e falhas na rocha arqueana e de intrusões de rochas graníticas. O terceiro episódio é o que corresponde aos movimentos de blocos, alçamentos e abatimentos.

A Bacia de Santos, como a da Guanabara, corresponde às zonas abatidas, enquanto a Serra de Cubatão corresponde à face dissecada de um soerguimento ao longo de uma falha correndo paralela à costa, ao largo de Santos. São processos ocorridos quando os continentes da África e da América do Sul separaram-se no final do Mesozóico e início do Cenozóico. Há ainda um quarto episódio correspondente à reativação de falhas que se deram durante o Terciário.

Quanto à geologia do Quaternário, no litoral Sul do Brasil, Kenitiro Suguiu e Louis Martin [8] apresentaram, ao simpósio de Santos, um interessantíssimo trabalho, mostrando que os sedimentos das planícies litorâneas foram depositados em dois eventos: no Pleistoceno e no Holoceno, em ambientes marinhos rasos. Nesses eventos, os níveis do mar estavam em posições diferentes.

Admitindo que o nível atual seja 0, no início do Pleistoceno seria 20 a 25 m, enquanto o nível médio, no Holoceno, seria 4 m. No Pleistoceno, há cerca de 120.000 anos, depositaram-se sobre a rocha alterada ou seus detritos uma camada de argila e sobre ela areias marinhas. Desde então, o nível do mar veio abaixando, provavelmente como resultado da última idade glacial, e foram-se formando cordões de areia à medida que o nível abaixava. Em seguida, vários canais e baías foram sendo erodidos, até que o nível do mar atingiu cerca de 100 m abaixo do atual. Então, já no Holoceno, há cerca de 15.000 anos, de novo o nível, com o final da glaciação nos pólos, voltou a subir, atingindo, há cerca de 5.000 anos, cerca de 4 m acima do nível atual.

Durante esse período, os canais e baías erodidos anteriormente foram sendo preenchidos com a atual argila mole da Baixada, que os autores chamam de sedimentos fluvio-lacunares, em contraposição às argilas anteriores, parcialmente erodidas, que eles chamam de transicionais. De 5.000 anos para cá o nível do mar vem baixando.

Com base nesses estudos, Faiçal Massad [9] veio explicar o fenômeno da existência na Baixada de Santos de argilas rijas, em discordância com as argilas moles mais superficiais. As rijas corresponderiam às chamadas de transicionais pelos geólogos, enquanto as moles são as fluvio-lacunares. Dessa forma, a idéia do corte geológico, concebido na época dos anos 50, mencionada anteriormente, teve de ser modificada, no sentido de que, naquele corte, as camadas inferiores e argila, a cerca de 30 m de profundidade, a partir do Rio Casqueiro, na direção de Santos, devem ser entendidas como rijas, em discordância com os sedimentos superficiais mais recentes, cuja consistência é mais branda.

De tudo o que foi dito sobre as bases físicas da Baixada Santista, em correlação com o seu estudo geológico-geotécnico, visando melhorar seus meios de comunicação e transformá-la numa região intensamente industrializada, creio ser possível chamar a atenção sobre como se deu a evolução do seu desenvolvimento social e econômico.

De início apareceram dois problemas relacionados com a necessidade de exportação e de transporte do café produzido no planalto até o porto marítimo. Para tanto, a engenharia ferroviária e portuária foi chamada e veio a recorrer, cada vez mais intensamente, à pesquisa tecnológica, a qual, por sua vez, à medida que os problemas tornaram-se mais graves, veio a necessitar do apoio de conhecimentos científicos.

O transporte e a exportação de café paulatinamente foram suscitando o aparecimento de armazéns de estocagem e de indústrias correlatas, as quais desenvolvem-se num grande parque industrial e no conseqüente urbano de Santos e das cidades vizinhas. Mas para isso foi necessário resolver problemas técnicos que exigiam estudos tecnológicos e, esses, investigações científicas.

Realizou-se, dessa forma, na Baixada Santista, uma interação entre a tecnologia e a ciência, fertilizando-se mutuamente, ambas suscitadas pela necessidade de resolver problemas industriais e econômicos. Contudo, deve-se lembrar que todo esse desenvolvimento técnico-científico e industrial, talvez por falta de uma maior atenção aos problemas ambientais, resultou em intensa poluição, principalmente na região de Cubatão, atingindo a própria vegetação da serra e tornando essa região uma das mais criticadas, sob o ponto de vista ambiental, do estado de São Paulo. É de se convir, porém, que a solução de tal problema ambiental caberá a maiores estudos científicos e melhores soluções tecnológicas.

(*) Milton Vargas é professor emérito da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo.


Figura 2 - Esquema de corte geológico (como visualizado nos anos 50)
Imagem publicada com a matéria

NOTAS:

[1] F.F. Marques de Almeida, "Considerações sobre a Geomorfogênese da Serra de Cubatão", in Boletim Paulista de Geografia, nº 15, São Paulo, outubro de 1953.

[2] F. Hartt, Geology and Physical Georaphy of Brazil, Boston, Fields Osgood, 1870.

[3] A. de Oliveira e O. Leonardos, Geologia do Brasil, Rio de Janeiro, Serviço de Informação Agrícola, ministério da Agricultura, 1943.

[4] Idem, "A Baixada Santista, Aspectos Geográficos", São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 1965.

[5] K. Terzaghi, From Theory to Practice in Soil Mechanics, N. York, John Willey, 1960.

[6] M. Vargas e E. Pichler, Residual Soil and Rock Slides in Santos (Brazil), Londres, Proc. 4º ICSMFE, 1957.

[7] Y. Hasui, J. A. Mioto e N. Morales, "Geologia do Pré-Cambriano", in Solos do Litoral de São Paulo, São Paulo, ABMS - Núcleo Regional de São Paulo, agosto de 1985.

[8] K. Suguiu e L. Martin, "Geologia do Quaternário", in Solos do Litoral de São Paulo, São Paulo, ABMS - Núcleo Regional de São Paulo, 1994.

[9]  F. Massad. Progressos Recentes dos Estudos sobre as Argilas Quaternárias da Baixada Santista. São Paulo, ABMS e ABEF, agosto de 1985.

Na mesma publicação (páginas 10 a 17), consta igualmente este estudo, a seguir parcialmente transcrito:

Proposta de um parque no velho território dos Erasmos

Aziz N. Ab'Sáber (*)

O maciço insular de Monte Serrat-Santa Terezinha, em função de sua macissividade e extensão, pôde preservar, no centro da Ilha de São Vicente, os sinais didáticos de um velho nível de aplainamento em sua cumeada. De um modo bastante visível e fácil de observar, ocorre uma topografia muito suave no topo do morro; enquanto os bordos do maciço, por todos os quadrantes, apresentam vertentes íngremes, descaindo para os sopés, através de vertentes discretamente arredondadas (convexas). A amplitude topográfica entre o topo principal do largo morro em relação às praias, baixadas e estuários circundantes é de duas centenas de metros, em média.

Ainda que sempre tendendo para feições arredondadas ou convexas nos seus bordos, os chamados morros de Santos apresentam setores mais rochosos e setores sujeitos a uma decomposição extensiva, porém irregular em profundidade. As florestas atlânticas ocupavam, na paisagem primária, todos os recantos do maciço, poupando ou deixando de ocupar apenas pequenos setores rochosos da face atlântica dos morros e uma franja basal de rochedos situados na face interna do importante acidente geográfico.

Alguns desses rochedos basais, recém-observados, documentam a ação direta do mar, quando as águas costeiras salinas ocupavam o espaço total da Baixada Santista, desde os rebordos interiores do maciço até a base dos esporões da Serra do Mar, em seu trecho santista.

Nessa época, quando o nível do mar esteve a pouco mais de 3 metros do que hoje - durante o período do Holoceno designado otimo climaticum -, existia na retroterra do Monte Serrat uma espécie de mar de dentro, para usar uma muito velha e arcaica expressão portuguesa.

As águas salinas desse paleocanal santista-vicentino certamente se emendavam com o estreito paleocanal da Bertioga. Não dá para comparar a largura dos diversos setores do mar de dentro, oriundo da invasão marinha de meados do Quaternário Superior. Isso porque, enquanto o paleocanal da Bertioga possuía no máximo 1 km de largura, a faixa interna de mar da retroterra de Santos ocupava uma faixa de aproximadamente 7 km, insulando todos os morrotes existentes no meio da Baixada.

Ou seja, aqueles pequenos morros isolados na planura, designados engaguaçus (morrotes com a forma de fundo de pilão), eram parte integrante de um arquipélago de ilhas continentais, que envolvia os maciços das atuais Ilha de Guarujá, Ilha de São Vicente e os aludidos morrinhos florestados.

Enquanto as florestas revestiam todos os morros e maciços, esporões e escarpas da Serra do Mar, a Baixada Santista era em grande parte dominada por manguezais e pró-parte por jundus, uma vegetação ou ecossistema adaptado a conviver com os solos arenosos das antigas restingas: uma vegetação dos trópicos úmidos costeiros do Brasil Sudeste, designada psamófila.

Nos sopés da Serra do Mar, em fundo de vales, havia um outro agrupamento de ecossistemas, dessa vez de planícies aluviais, formando grande contraste com os manguezais da Baixada e dos bordos do Canal da Bertioga.

Tudo leva a crer que o mar, ao regredir do nível de 3 ou 3,5 metros, tenha favorecido a expansão das planícies de marés que vieram servir de suporte ecológico para os manguezais. O corpo principal da planície de marés, superargilosas, deve ter-se iniciado por uma espécie de delta intralagunar, gerado no lagamar santista-vicentino, durante o processo regressivo, sob condições tropicais úmidas.

As faixas e manchas de areias existentes nas ilhas de Santo Amaro e São Vicente foram geradas antes que os mangues se estendessem e colmatassem a Baixada. Nelas se implantaram os jundus de composição biótica diferenciada em relação ao ecossistema altamente biodiverso das matas tropicais atlânticas da não muito distante Serra do Mar.

Existem trechos de jundus sobre o paleotômbolo do sítio inicial de Vila Natal; outros, em manchas de areias, ilhadas em pontos restritos da Baixada; e, por fim, ao longo das restingas geradas na linha de costa (Guarujá, Santos, São Vicente, Praia Grande). Estuários, canais naturais, largos e gamboas constituem-se, em grande parte, em remanescentes do lagamar regional, gerado entre 6.000 e 5.000 anos antes do presente.

O fato de o maciço de Monte Serrat-Santa Terezinha possuir uma extensão relativamente grande, no meio da Ilha de São Vicente, possibilitou a existência de uma drenagem própria e singular. Existe uma situação de chateau d'eau na pequena hidrografia regional do maciço. Dada a homogeneidade topográfica relativa da larga e contínua cimeira do morro, as águas de chuvas e canaletes de curto trajeto formam um corpo nitidamente centrífugo. Em outras palavras, as águas pluviais que tombam no maciço escorrem para as baixadas por todos os quadrantes do morro, que hoje se comporta como um maciço insular típico.

Nessa condição de discreto castelo d'águas, ocorre, entretanto, um pequeno curso d'água que, do alto plano-ondulado, dirige-se para o antiqüíssimo sítio do Engenho dos Erasmos, na traseira do maciço voltado para São Vicente. Trata-se de um setor do morro pertencente administrativamente a Santos, ainda que muito próximo da divisa com São Vicente.

Para fins de simplificações designaremos a sub-bacia - que desce dos altos para os patamares em rampas e o pé-de-morro do maciço - pelo nome de riacho dos Erasmos.

O trecho inferior da sub-bacia do riacho dos Erasmos é um anfiteatro topográfico - em caráter de exceção - entalhado no rebordo do maciço de Santa Terezinha, exibindo vertentes íngremes, cujo topo está a mais de 100 metros. O trecho superior da sub-bacia tem o caráter de um vale suspenso que bruscamente transiciona para o anfiteatro da margem, por meio de uma soleira rochosa granítica, onde ocorre uma pequena e sugestiva cachoeira.

Desse acidente fisiográfico, para jusante, o riacho percorre algumas centenas de metros, seccionando patamares de relevo embutidos, e terminando por uma várzea em forma de leque raso. Foi em um desses terraços-patamares que os Erasmos, proprietários pioneiros, construíram a sede do engenho, usando blocos de rochas semi-talhados nas paredes e divisões internas do edifício. As ruínas só puderam resistir a mais de quatro séculos devido ao material rochoso utilizado. Infelizmente, tetos e paredes superiores se foram.

Daí sendo necessária uma recomposição por um modelo do tipo que se fez, com sucesso, na reconstrução simbólica da Capela do Morumbi, onde a base das ruínas era constituída de taipas com fragmentos de crosta laterítica. No caso das ruínas da sede do Engenho dos Erasmos, o que restou dela é constituído por blocos quadráticos de rochas graníticas ou granitizadas resistentes.

As pedras semi-talhadas de granitos certamente foram obtidas em arcaicas pedreiras quinhentistas dos arredores. Difícil, hoje, saber qual o local exato das mesmas. Mas possivelmente tratou-se de uma pedreira embrionária, mais tarde ampliada e descaracterizada, existente nas vertentes rochosas do Morro de Santa Terezinha.

O interior do anfiteatro gerado no trecho inferior da sub-bacia do ribeirão dos Erasmos apresentava solos de razoável fertilidade nos patamares-terraços e sobretudo na várzea terminal. E, certamente, sem qualquer dúvida, foi ali na planície aluvial restrita - encarcerada no piemonte do maciço - que se fizeram as velhas plantações de cana para o abastecimento do engenho. Em utilizando as aluviões ricas para culturas tropicais, exatamente onde ocorre uma viçosa e compacta plantação de bananeiras. Segundo nos informaram, trata-se de um espaço pertencente à Associação dos Funcionários da Cosipa, a qual, compreensivelmente, tem expectativas de lucro com o terreno.

Um pequeno estudo de campo sobre a geomorfologia do anfiteatro é necessário, com vistas ao planejamento de um parque de funções múltiplas, que envolva o espaço total integrado dos terrenos principais do Engenho dos Erasmos. Tendo como suporte territorial todos os setores do anfiteatro local, desde a pequena cachoeira dos altos até a pequena várzea do pé-do-morro. Um sítio dotado de memória histórica, reciclado para um parque de lazer e cultura.

[...]
(N.E.: na continuação do estudo, o autor passa a detalhar os procedimentos e cuidados necessários para a instalação e exploração do parque regional do Engenho dos Erasmos).

(*) Aziz N. Ab'Sáber é professor honorário do Instituto de Estudos Avançados da USP, e autor de, entre outros, Amazônia - do Discurso à Práxis (Edusp).