Mar avança sobre litoral de SP
O aumento do nível do mar ao longo das
últimas décadas vem reduzindo a faixa de areia em todo o litoral do Estado. A ação do homem e causas naturais aceleram esse
processo, que atinge pelo menos 20 praias de Norte a Sul. Pesquisadores da USP vêm monitorando essa ação nos últimos 22 anos, e
a constatação é de que o mar subiu pelo menos três vezes mais que no resto do mundo.
AREIA ESCASSA na Praia de Barequeçada, em São Sebastião, no
Litoral Norte
Foto: Irandy Ribas, publicada com a matéria
Domingo, 26 de Novembro de 2006, 08:50
CIÊNCIA
Mar avança sobre areia de 20 praias
Monitoramento feito durante 22 anos aponta causas naturais e
ação do homem
Nilson Regalado
Da Reportagem
A ação do homem e causas naturais
vêm acelerando a subida do nível do mar no Litoral Paulista. Com isso, pelo menos 20 praias correm o risco de desaparecer nos
próximos anos. Pesquisadora do Instituto Geológico de São Paulo, Célia Regina de Gouveia Souza vem monitorando os 600
quilômetros da costa do Estado há 22 anos e aponta situações críticas tanto no sul quanto na parte norte da costa paulista. Em
Santos, o estudo mostra que a erosão observada inicialmente na
Ponta da Praia está migrando em direção à Praia da
Aparecida.
Estudos apontam que o nível do mar subiu 30 centímetros no Litoral
Paulista no século passado, contra uma média de dez centímetros no mesmo período no resto do mundo. Os dados são do Instituto
Oceanográfico da USP, que mantém marégrafos em vários pontos da costa do Estado.
Consultora do Ibama e responsável por laudos que nortearam a ação
de diversas prefeituras nas últimas décadas, Célia Regina aponta causas naturais para o fenômeno. Segundo a geóloga, a terra
ainda vive um período "pós-glacial" desde a última glaciação, há 17 mil anos, quando as praias avançaram cerca de 130
quilômetros mar adentro.
No entanto, Célia Regina salienta que esse aquecimento natural do
planeta está sendo acelerado pelo homem a partir da emissão de gases causadores do efeito estufa, o que acentua o derretimento
de geleiras.
"Ninguém dá muita bola, mas a elevação do nível relativo do mar é
crítica. Temos perspectivas de que, até o ano de 2100, esse nível suba até um metro em relação ao nível atual", alerta a
pesquisadora científica do Instituto Geológico, órgão ligado à Secretaria de Estado do Meio-Ambiente.
Ressacas e prejuízo - Além de acelerar o aquecimento
global, a ação do homem também seria responsável direto pela erosão que vem diminuindo, gradativamente, a faixa de areia em pelo
menos 20 das 79 praias paulistas pesquisadas por Célia Regina.
"Quando o nível do mar sobe, o primeiro impacto é nas praias. O
mar empurra a praia para dentro do continente e ela tenta se amoldar. Se essa praia tem condição de migrar, tem terreno lá para
trás, ela vai tentar atingir o equilíbrio. Se ela não tem espaço acaba sumindo", completa a geóloga.
A retirada desordenada de areia pelas próprias prefeituras e
construções impróprias em uma faixa conhecida pelos estudiosos como pós-praia potencializam ainda mais o avanço do mar em
direção às avenidas à beira-mar, acentuando os prejuízos a cada ressaca.
"A maior parte das orlas está construída na área do jundu,
vegetação que evita a erosão. O jundu evita que a areia invada as avenidas. Como essa vegetação foi retirada, a gente urbanizou
errado", explica Ingrid Maria Furlan Oberg, chefe do Escritório Regional de Santos do Ibama.
Apesar de reconhecer que "não existe um estudo detalhado sobre o
processo de sedimentação no Litoral Paulista", a chefe do Escritório do Ibama alerta que "os pareceres mostram que é arriscado
retirar areia da praia" porque "se você retira de uma você pode estar roubando de outra".
Proteger o continente - Formada pelo Instituto de
Geociências da USP com mestrado em Oceanografia Geológica no Instituto Oceanográfico da USP e doutorado em Geologia Sedimentar
no Instituto de Geociências da USP, Célia Regina alerta que as interferências promovidas pelo homem no ambiente costeiro, como o
aterro de áreas e a construção no pós-praia, causam impactos previsíveis.
"A primeira função da praia é dissipar a
energia, proteger o continente das ondas, quando você começa a interferir nessa praia ela vai ter problemas para funcionar
direito", salienta a geóloga.
Domingo, 26 de Novembro de 2006, 09:51
Erosão na Ponta da Praia migra para Aparecida
A erosão que diminuiu a faixa de areia na Ponta da Praia está avançando
em direção à Praia da Aparecida. De acordo com a pesquisadora científica Célia Regina de Gouveia Souza, esse processo está
relacionado a fatores naturais, como a corrente de deriva litorânea, que circula paralelamente à faixa da maré, transportando
água e sedimentos em direção à Ilha de Urubuqueçaba. Porém, a geóloga admite que essa erosão
também pode estar sendo causada por fatores antrópicos, ou seja, causados pelo homem, como a dragagem do Porto e a retirada de
areia pela Prefeitura.
A prova mais eloqüente dessa migração, que começou na altura da
Rua Carlos de Campos, foi o reaparecimento dos destroços do navio Recreio, que estavam
enterrados há três décadas nas proximidades do Canal 6.
"Nessas praias urbanizadas, a gente tem que tomar um pouco de
cuidado porque, às vezes, as causas estão super-impostas ou um fator antrópico pode aumentar uma causa natural. São muitas
coisas interferindo", relata a pesquisadora.
"O próprio trânsito de navios pra cima e pra baixo também causa
modificações", observa Célia Regina. A dragagem é apontada por caiçaras que residem há décadas no Góes, em
Guarujá, como fator decisivo para a mudança do perfil da praia, que fica voltada para a
Baía de Santos e teve a faixa de areia reduzida principalmente no canto próximo à Fortaleza da
Barra Grande.
"Se você draga, retira sedimentos que poderiam ir para a praia. Se
você extrai sedimento, o sistema costeiro diz 'tem um buraco ali e eu tenho que preenchê-lo com areia que pode vir da praia,
de praias vizinhas ou do continente'. A tendência do sistema é preencher esse buraco, que não é natural", explica Célia
Regina.
Era pós-glacial - As ilhas de São Vicente e Santo Amaro têm
a mesma configuração geográfica há pelo menos cinco mil anos. Na última glaciação do Planeta, há 17 mil anos, as praias
paulistas chegavam próximo à plataforma continental, onde o assoalho marinho mergulha para profundidades abissais. Passado o
pico dessa glaciação, aconteceu um avanço constante do nível do mar até formar a configuração atual das duas ilhas.
"A última glaciação acabou de acontecer, geologicamente falando.
De 17 mil anos até 7 mil anos, o mar subiu 130 metros", revela a professora Célia Regina. "De 7 mil até 5100 anos o mar subiu e
bateu lá nos morros. Depois disso, ele desceu e construiu a planície de Santos, deixando linhas de praia", resume a
pesquisadora.
Hoje, segundo estimativas da especialista do Instituto Geológico,
a cota mais alta da planície costeira em Santos está quatro metros acima do nível do mar. Em São Vicente,
há um trecho ligeiramente mais alto, perto do Centro, onde a planície costeira foi poupada do último processo de avanço do mar.
Na Cidade, há terraços marinhos mais antigos, de 120 mil anos.
"Esses são registros de um outro nível do mar,
que subiu mais ou menos dois metros e encostou na Serra do Mar. Toda a planície costeira de São Paulo, nessa época, ficou
embaixo d’água", revela Célia Regina.
Domingo, 26 de Novembro de 2006, 09:54
Aterro na Ilha Porchat prejudicou Gonzaguinha, praia mais impactada na BS
Talvez o melhor exemplo dessa ação danosa do homem seja a ligação da
Ilha de São Vicente à Ilha Porchat. O aterro do trecho de aproximadamente 100 metros para
construção da Alameda Paulo Gonçalves, que sobe a Ilha Porchat, impediu o fluxo da corrente de deriva costeira que transportava
os sedimentos da Baía de Santos e da Praia do Itararé até o Gonzaguinha.
"Qualquer intervenção que você faça, principalmente a supressão de
uma zona dessa praia, o primeiro impacto é a erosão e isso vai passar para as praias vizinhas, mesmo que elas apresentem hoje
características de estabilidade, de equilíbrio", explica a pesquisadora científica Célia Regina de Gouveia Souza, do Instituto
Geológico de São Paulo.
Com o aterro do trecho entre as duas ilhas, a Praia do Gonzaguinha
continuou sofrendo o processo natural de erosão, mas deixou de contar com os processos naturais de transporte e deposição de
sedimentos, que acabam sendo prejudicados pelas barreiras criadas pelo homem, como a ligação da Ilha Porchat.
Resultado: Na Baixada Santista, a Praia
do Gonzaguinha é a que apresenta o mais alto risco de sumir nos próximos anos, segundo o
levantamento feito pela pesquisadora ao longo de duas décadas.
"Mantidas as condições atuais, com certeza a Praia do Gonzaguinha
tende a sumir", resume, em tom de resignação, a pesquisadora do Instituto Geológico de São Paulo sem, no entanto, se arriscar a
prever uma data.
Outros exemplos clássicos de barreiras criadas pelo homem que
impedem o fluxo da corrente de deriva litorânea e, conseqüentemente, o transporte e a deposição dos sedimentos são o
Emissário Submarino de Santos e os molhes de pedra do Gonzaguinha.
Avenidas e prédios - Para agravar ainda mais a situação do
Gonzaguinha, o homem resolveu construir uma avenida e centenas de edifícios sobre a área do pós-praia.
"A maioria das avenidas costeiras está construída em cima das
faixas de praia ou de duna. Nós, geólogos, brigamos muito com os engenheiros porque não podemos construir essas estruturas. Os
impactos são visíveis", destaca Célia Regina, cujo trabalho foi publicado até em organismos internacionais de divulgação
científica.
"O pós-praia tem uma função importante, apesar
de não estar sempre embaixo d'água. É justamente nessa faixa que está o estoque sedimentar, são as areias mais finas, é aí que
começam as dunas", resume a pesquisadora do Instituto Geológico de São Paulo.
Domingo, 26 de Novembro de 2006, 09:53
Omissão possibilitou prejuízos na Enseada, em Guarujá
A chefe do Escritório Regional do Ibama em Santos, Ingrid Maria Furlan
Oberg, reconhece que a omissão das autoridades ambientais facilitou o avanço do mar na Enseada,
em Guarujá. Apontados como responsáveis pela erosão na praia, os 98 quiosques construídos na faixa de areia impermeabilizaram o
solo, impedindo a fixação dos sedimentos. Pior, os estabelecimentos teriam sido erguidos de forma ilegal, sem autorização da
União nem licenciamento ambiental.
"Todos eles estão passíveis de autuação e embargo porque ocupam
uma área da União sem que a SPU (Secretaria do Patrimônio da União) tivesse autorizado", resume Ingrid, que há dois anos vem
tentando convencer a Prefeitura a remover os quiosques para o calçadão.
A idéia é que a faixa de areia possa recuperar sua dinâmica
própria e, com isso, se recompor. Além de ocuparem um bem público de forma irregular, os comerciantes também não cumpriram
exigências previstas na legislação ambiental.
A mudança também é defendida pelo oceanógrafo Fabrício Gandini, do
Instituto Maramar, um dos três profissionais da Região Metropolitana habilitados pelo Ministério do Meio-Ambiente para
desenvolver o Projeto Orla, de recuperação de praias erodidas.
"Precisamos caminhar para trás e não para cima do mar. O calçadão
da Enseada é fantástico e tem espaço para construir os quiosques em cima. O mar está mostrando que essa área é muito mais da
água do que da Cidade, tanto é que o mar vem destruindo vários pontos", salienta o oceanógrafo santista.
Gandini sugere uma mudança nos planos da Prefeitura de reurbanizar
a Enseada a fim de evitar prejuízos irreversíveis: "Foram R$ 2 milhões em prejuízos neste ano, e onde o mar comeu ele vai comer
de novo. Esse é um motivo de preocupação porque estão planejando construir coisas que o mar vai destruir na próxima ressaca".
Vazio legal - Apesar de possuir uma das legislações
ambientais mais avançadas do mundo, o Brasil não tem sequer uma resolução ou portaria para disciplinar as atividades nas praias.
"A Marinha só cuida dos trechos em que existe água, o DNPM
(Departamento Nacional de Produção Mineral) não se envolve porque a areia não é um bem minerável, o DEPRN (Departamento Estadual
de Proteção aos Recursos Naturais) também não se considera responsável pelas praias. Então, esse trecho entre a vegetação e a
água ficou órfão", diz Ingrid.
Diante do vazio legal, o Escritório do Ibama em Santos criou
regras para a retirada de areia das praias no final da década de 90. Diante dos resultados, Ingrid recebeu de Brasília a missão
de elaborar uma minuta capaz de contemplar os interesses de todo o País.
"A lei só fala que a praia é um bem de uso público, que é proibido
construção que impeça o acesso", resume a bióloga que comanda o órgão federal. Diante da brecha, Ingrid considera ainda mais
importante o licenciamento ambiental para atividades à beira-mar.
"As pessoas têm de entender que licenciamento não é contra o
desenvolvimento. Em meio-ambiente é mais econômico prevenir do que remediar. O licenciamento vai permitir que você faça o que
quer fazer só que de uma forma correta, sem prejudicar ninguém", completa. |