Praças da República e Antonio Telles, em cena de um cartão postal de antes de 1908,
com os prédios da Alfândega e da Igreja Matriz, em dia de missa campal festiva
Foto: coleção particular
Santos de outros tempos
A. Passos Sobrinho
(do Instituto Histórico e Geográfico de Santos)
Primeiramente, contemos aos prezados leitores as
ocorrências mais notáveis que pudemos observar durante a nossa estada, pela primeira vez, em Santos, em visita à Cidade, isto em 1896.
Naquele ano, não podendo mais suportar o desejo de conhecer Santos, a tão afamada e
hospitaleira Cidade, aproveitando um incidente ocorrido entre nós e um irmão de uma das nossas apaixonadas, veio-nos logo a lembrança de nos afastar
da terra natal, São Sebastião, vindo a Santos.
E assim, depois de combinar com um nosso parente e amigo, nos preparamos e, no
primeiro vapor, que passou pelo nosso porto, embarcamos com destino à terra santista.
A nossa viagem correu muito bem: porém, ao atingirmos a Ilha das
Palmas, eis que fomos alarmados com um tiro de canhão (de pólvora seca) vindo da Fortaleza da Barra Grande,
e, em seguida, outro nas mesmas condições. O comandante do navio Alexandria, da Empresa Esperança Marítima, diante do que ocorrera, resolveu
moderar a marcha de seu navio, indo parar de todo em frente ao paredão da dita Fortaleza. Ali, após trocarem os sinais convencionais, o
Alexandria teve ordem de continuar a sua viagem, indo fundear em seguida no Estuário, em frente à Alfândega.
Fundeamos e, após recebermos as visitas oficiais, descemos à terra em catraias, e, em
seguida, tomamos a direção da residência de um parente, que morava na Rua do Rosário n. 152, sr. Daniel Teotônio
Ferreira, onde ficamos hospedados.
Aqueles tiros, segundo soubemos, significavam apenas uma prevenção bélica, ainda
existente, em conseqüência da revolta da Armada, deflagrada a 6 de setembro de 1893 e terminada a 16 de abril de 1894.
Dentre os fatos mais em evidência em Santos, que assistimos mais de perto, merecem ser
destacados os seguintes: a aparição do vulcão no bairro do Macuco; a chegada a Santos do corpo
embalsamado do maestro patrício Antônio Carlos Gomes e a revolta do tenente Bernardino, comandante do destacamento policial
nesta cidade.
O primeiro, assim descrito pelos jornais, contava que estava o engenheiro Ernesto
Meyer, da Comissão de Saneamento de Santos, fazendo uma sondagem à margem do estuário na rua Projetada "D. Ana Barnabé Carvalhaes", hoje Almirante
Tamandaré, quando viu romper pelo tubo, numa profundidade de 17 metros, grande quantidade de gases e que, depois, sucedeu alguma lama.
A notícia do aparecimento do vulcão correu célere pela cidade e redondezas, começando
desde logo uma romaria ao local do fenômeno.
No dia seguinte, o engenheiro chefe da Comissão de Saneamento de Santos, dr. Vilanova,
tranqüilizou a população, fazendo publicar comunicado esclarecedor.
O dr. Campos Sales, então no Governo de São Paulo, tão depressa recebeu o comunicado,
transportou-se a Santos, indo até o local, acompanhado daquele engenheiro, autoridades santistas, e seu ajudante de ordens, ali permanecendo por
algum tempo, observando a violência das chamas que se desprendiam da cratera, acompanhada de grande ruído, parecido com o apito de uma locomotiva,
apreciando também a aglomeração humana que rodeava as imediações do vulcão, cada qual comentando o fenômeno como bem lhe apetecia.
As labaredas, intercaladas por fortes apitos, e conservando a mesma violência,
causavam pavor às pessoas que ali se achavam e às que, a todo o momento, iam chegando ao local, provenientes daqui e de fora.
O fenômeno ígneo, que começou em dezembro de 1896, prolongou-se até o fim de janeiro
de 1897, quando aos poucos se foi extinguindo, até desaparecer por completo.
Quando à chegada do corpo embalsamado do maestro patrício Antônio de Carlos Gomes a
este porto, pelo transporte de guerra Itaipu, o seu desembarque efetuou-se logo após a atracação do navio no armazém 4, seguindo logo o
esquife para o Convento do Carmo, onde se realizaram solenes exéquias no dia seguinte, com o comparecimento de grande
massa popular. Ao terminarem as solenidades fúnebres, o corpo do maestro foi levado à estação da Estrada de Ferro,
seguindo diretamente para Campinas, sua cidade natal.
Enquanto o corpo esteve no Convento do Carmo, a romaria ali só terminou quando de seu
embarque para Campinas.
Foi magnífica e impressionante a visita que fizemos à terra santista, apesar das
epidemias ali reinantes, no momento, já pouco alarmantes, pois, com a construção do porto, à proporção que o
cais ia aumentando, o estado sanitário da cidade ia também melhorando, não se falando mais em terra pestilenta, como até então.
Rua Xavier da Silveira em dia festivo, em 1893
As canoas de São Sebastião, que transportavam os produtos oriundos da zona do Litoral
Norte, para o reabastecimento do Mercado Municipal Santista, continuavam em seu movimento, na rua
Xavier da Silveira, onde se realizavam as transações comerciais entre vendedores e compradores.
Contemos aos prezados leitores um fato interessante ocorrido naquela ocasião. Uma das
canoas novas, que chegaram ao porto pela primeira vez, trazia o nome de Moreira Cezar, aquele general valente e carrasco do tempo da Revolta
da Armada. Após o descanso dos seus tripulantes, os fregueses do proprietário da embarcação, sr. Manoel Marques, deram-lhe intimação sumária para
que retirasse semelhante nome da canoa, o que foi feito no mesmo instante, mudando-se aquele nome para Memória, com o aproveitamento das
mesmas letras (6) e o abandono das demais! Enquanto isto, os demais fregueses trataram de se abastecer de frutas, aves, legumes, etc., etc.,
trazidos por outros canoeiros.
Voltando a falar de nossa visita à terra santista, vieram-nos à lembrança as figuras
dos saudosos parentes José Geraldo Ferreira e Hermenegildo Ferreira, aquele contador do Banco do Comércio e Indústria e este gerente do
Trapiche Paquetá, mortos tragicamente na Ilha Urubuqueçaba, quando, em companhia de amigos,
ali pescavam, sendo ambos tragados por fortes vagalhões. Jujuca e Gigi foram os nossos cicerones quando de nossa visita à terra santista, falecendo
ambos no dia 25 de março de 1901.
Gostamos tanto do passeio que prometemos repeti-lo; e repetimos mesmo, pois, cinco
anos após, fazíamos a nossa mudança para Santos, onde estamos até hoje.
Em 1901, quando aqui chegamos de mudança, recomendados por amigos, fomos bem
recebidos, conseguindo logo boas amizades, principalmente dos vultos políticos locais, que se prontificaram a arranjar-nos colocação, o que fizeram
poucos dias depois, aproveitando-nos no ensino público municipal e nomeando-nos para lecionar na escola noturna municipal da 4ª zona, em
Vila Matias, cargo que ocupamos até 1910, quando fomos transferidos para o novo grupo escolar criado pela Municipalidade,
na rua 2 de Dezembro (atual Rua D. Pedro II), e designados para lecionar no 3º ano. Em
1919, por motivo de grave enfermidade, fomos obrigados a deixar o magistério, seguindo para outras terras, em busca de melhoras para o nosso estado
de saúde.
Vários fatos observamos em Santos, nos primeiros anos de permanência aqui, sendo um
dos mais salientes o da revolta do tenente Bernardino, na ocasião comandante da Força Pública local, contra o delegado de polícia, dr. Manoel Galeão
Carvalhal.
O caso passou-se da seguinte maneira: realizava-se na igreja Matriz local (a velha),
na Praça da República, missa solene em ação de graças pela passagem do aniversário de O Diário de Santos, a
que estavam presentes representantes de várias classes sociais santistas. Nós lá estávamos também. Em dado momento, ouviram-se gritos lascinantes
que vinham do lado da Alfândega, gritos estes que iam aumentando, a ponto de escutar-se perfeitamente alguém dizer: "Basta, chega de pancada!"
O pessoal, que estava ouvindo a missa, deixou seus lugares e saiu para ver do que se
tratava, ficando horrorizado ao assistir à pancadaria que um soldado da Polícia arremetia contra um pobre marinheiro da Alfândega que, embriagado,
chorava e gritava feito um louco. Nisto, um dos subdelegados de Polícia, que também se encontrava na igreja, dirigiu-se ao soldado e pediu-lhe
clemência para o preso.
O soldado, porém, ao invés de atendê-lo, rebelou-se contra a autoridade,
desautorando-a, e continuando a ofender o preso, com espadeiradas. Todo o pessoal, que se encontrava na igreja, deixou o templo, correndo para a
rua, alguns dos quais sofreram machucaduras em conseqüência da correria.
O subdelegado desautorado foi ao delegado de Polícia, que, na mesma hora, comunicou-se
com o chefe de Polícia, em São Paulo, que, em resposta, ordenou o recolhimento à Capital de todo o destacamento, inclusive o comandante. Este,
porém, não acatou as ordens vindas de São Paulo. Antes, pelo contrário, fez aquartelar toda a força e foi à procura do delegado para uma revanche,
tendo antes desguarnecido até as repartições públicas.
Alguém, ciente do que estava ocorrendo, saiu à procura do delegado e, por felicidade,
o encontrou na Rua São Francisco, na casa de um dos chefes políticos, em conferência. Ali mesmo, ciente do que se estava
passando, resolveu o caso, pedindo a proteção do comandante de uma divisão naval que se encontrava no porto.
A Divisão Naval compunha-se dos cruzadores República e Tiradentes.
Ouvindo a exposição da autoridade policial, o comandante ordenou o imediato desembarque de um contingente de marinheiros, destinado a guarnecer as
repartições públicas; e no dia seguinte, pela manhã, surgiu outra com ordens terminantes de se apossar do quartel da Polícia e prender os
amotinados.
Com tais medidas ordenadas pelo comandante da Divisão Naval e executadas pelos seus
comandados, a Cidade voltou à calma habitual, tendo, ao entardecer, o dr. Manoel Galeão Carvalhal, delegado de Polícia, feito distribuir à população
um boletim ao povo explicando que a calma voltara à Cidade e que a polícia continuaria a agir energicamente contra quaisquer elementos
perturbadores.
A todas as ocorrências acima, estivemos presentes, pois residíamos junto ao Quartel de
Polícia, nos fundos do antigo Coliseu, principalmente por ocasião da tomada daquele departamento policial pelos
marinheiros comandados pelo tenente Anfilóquio dos Reis, no momento em que o tenente Bernardino da Força Policial deixou Santos em polvorosa,
transformando a Cidade em pé de guerra, tudo em conseqüência de espancamento de um marinheiro da Alfândega.
Alguns anos mais tarde, em visita à nossa terra natal, São Sebastião, encontramos o
ex-tenente Anfilóquio, já então almirante, que ali se encontrava em companhia de seu filho, o engenheiro Mário Reis, construindo o porto daquela
cidade. Poucos minutos depois, estávamos em palestra com o almirante Anfilóquio, vindo logo à mente o fato ocorrido em Santos, tendo o almirante
Reis acrescentado que, pouco tempo após a ocorrência, estivera em São Paulo em companhia de outros colegas, visitando a Força Policial do Estado.
Ali, defrontou-se com o tenente Bernardino, que logo o reconheceu, entrando em conversa com ele sobre assunto da milícia paulista, vindo também à
baila o incidente de Santos.
Para terminar, aqui estão os apontamentos que pudemos concatenar sobre Santos de
outros tempos, acreditando que poderá satisfazer, ao menos em parte, a curiosidade dos prezados leitores.
Praça da República, antes de 1908
Foto: Calendário de 1979 editado pela Prodesan -
Progresso e Desenvolvimento de Santos S.A.,
com o tema Imagens Antigas e Atuais
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