O GUARANY RENASCE - Após sua época áurea no final do século 19 e decadência no final do século
passado, o Teatro Guarany será entregue restaurado neste domingo, dia 7
Fotos: Vanessa Rodrigues, publicadas com a matéria
07/12/2008
Cultura
O Guarany volta à cena
Texto: Vitor de Andrade Silva
Santos ganha mais um
teatro. Ou melhor, mais do que um teatro. O Guarany, que é reinaugurado neste domingo, dia 7, promete ser, também, uma grande escola pública de
artes cênicas.
Exatos 126 anos após a sua inauguração, o Theatro Guarany reabre as suas portas.
Elas não são as mesmas, de pinho de riga, que se abriram pela primeira vez em 7 de dezembro de 1882. Aliás, pouco restou do antigo prédio. Somente
as espessas paredes de pedra e cal da fachada resistiram ao tempo e ao incêndio da década de 1980.
A revitalização do teatro não foi apenas um trabalho de recuperação arquitetônica, mas um intenso resgate histórico-social de uma época. Antes de as
obras iniciarem, a equipe responsável fez um amplo estudo baseado em pesquisas documentais e de campo.
"Seria fácil reconstruir um novo teatro. Mas, a nossa proposta era fazer o Guarany renascer, sem negar suas características originais: um grande
desafio. O palco, por exemplo, está na mesma posição. Isso só foi possível porque conseguimos identificar as suas fundações", diz o arquiteto
responsável pelo projeto, Ney Caldatto.
"Já a fachada recebeu a cor original, a partir de 1910, graças a amostras que encontramos no que havia sobrado do Guarany: apenas quatro paredes,
sendo que uma delas já havia cedido", completa.
Foi justamente a partir da deteriorada fachada que o projeto ganhou forma. Hoje,
pronto, conta com uma platéia de 270 lugares (são 350 incluindo os camarotes), além de ateliê, café, camarins e a administração do teatro.
No primeiro andar estão o foyer superior, os camarotes, as salas de aula e os laboratórios de som e iluminação. No segundo piso, os camarotes
superiores, o laboratório de cenografia e uma área de circulação, levando em conta as adaptações para o acesso dos portadores de deficiência.
O Theatro Guarany não poderia ter sido entregue em melhor momento. Santos é hoje um dos pólos culturais do país, tanto que, nos últimos anos, entrou
novamente na rota de artistas de projeção internacional. "Poucas capitais são tão bem equipadas quanto Santos. Temos os teatros Braz Cubas, Coliseu,
Sesc, Sesi, entre outros... e agora o Guarany, que, além de receber, ajudará na formação de novos artistas da cidade. Só temos a comemorar",
salienta o secretário de Cultura, Carlos Pinto.
O restauro, que durou 22 meses, orçado em cerca de R$ 6,7 milhões, foi realizado com recursos obtidos por meio da Lei Rouanet do Ministério da
Cultura, e contou com o patrocínio das empresas Cosipa-Usiminas, Telefonica, MRS-Logística, Cutrale, Petrobrás, Fosfertil, Comgás, Bunge, Copersucar
e Carbocloro.
Interior do teatro restaurado
Fotos: Juliana Barros, publicadas com a matéria
Uma obra de arte no teatro - Ao entrar no teatro, um dos grandes
destaques: o teto do foyer superior. Uma grande obra, em técnicas mistas, faz uma releitura da obra "Santos em 1890", de Benedicto Calixto,
de autoria do arquiteto e artista plástico paulistano Paulo von Poser.
Ele conta que, quando foi convidado para fazer este trabalho, começou a pesquisar sobre a cidade daquela época. "Foi quando vi este quadro exposto
na Associação Comercial de Santos. Digitalizei a imagem e fui até o Monte Serrat, para poder desenhar a cidade pelo mesmo ângulo da obra de
Calixto". E continua: "Era dia 8 de setembro, e, pela primeira vez, vi a procissão em devoção a Nossa Senhora do Monte Serrat. Fiquei emocionado e
decidi registrar o evento na obra."
Ao ver o painel de von Poser, a impressão é de que a cidade antiga harmoniza-se com a atual. Para dar este efeito, o artista desenhou apenas o
contorno de alguns edifícios, deixando-os "transparentes", como ele mesmo diz. "É o caso do edifício que guarda um estacionamento entre o Theatro
Guarany e a Cadeia Velha. Ele interferia de forma pesada na paisagem. Por isso, o deixei transparente", salienta.
Um dos destaques da obra são as musas, todas releituras de monumentos da
cidade. O artista fez também homenagens a Benedicto Calixto, que ficou conhecido por meio de uma pintura no próprio Guarany, Carlos Gomes,
compositor da ópera II Guarany, e José de Alencar, autor do romance O Guarani. "Fiz, ainda, a pintura do teto da platéia. Tentei
reproduzir momentos do romance O Guarani, em homenagem ao teatro. Esta oportunidade foi um dos melhores presentes que já recebi".
O artista Paulo von Poser, durante a execução da pintura do teto do foyer superior
Foto: Juliana Barros, publicada com a matéria
Na história - O teatro foi palco de manifestações abolicionistas, com
José do Patrocínio, e republicanas, como Silva Jardim, e até cerimônias fúnebres, como a do
maestro Carlos Gomes, em 1896. Serviu, ainda, como ambulatório na Revolução de 1924 e foi local de concentração da oposição
a Vargas, na Revolução de 1932. Uma curiosidade: o famoso Banho
da Dorotéia foi inspirado em uma peça apresentada no Guarany na década de 1920.
O Theatro Guarany, um dos mais importantes equipamentos da
cidade no final do século 19, entrou em decadência no século 20 e arrastou-se morro abaixo por muitos anos, até chegar à destruição quase total na
década de 1970. Acompanhe algumas imagens dessa longa história:
Foto por José Marques Pereira, em janeiro de 1902
Imagem no acervo da Fundação Arquivo e Memória de Santos (FAMS), publicada
com a matéria
O teatro, por volta de 1908/1910
Imagem no acervo da Fundação Arquivo e Memória de Santos (FAMS), publicada
com a matéria
O teatro, após a reforma feita em 1910/1911
Imagem no acervo da Fundação Arquivo e Memória de Santos (FAMS), publicada com a matéria
Nas décadas de 1960/1970, o prédio era alugado para lojas e um cinema pornográfico
Imagem no acervo da Fundação Arquivo e Memória de Santos (FAMS), publicada com a matéria
Na década de 1990, após o incêndio de 1981, já degradado e ameaçado de
demolição
Imagem no acervo da Fundação Arquivo e Memória de Santos (FAMS), publicada com a matéria
Interior do prédio, durante os trabalhos de rescaldo, no incêndio de 1981
Foto: Ademir Henrique, publicada com a matéria
O prédio degradado, cercado devido à ameaça de queda das paredes, por volta de 2001
Fotos: José Herrera, publicadas com a matéria
Em 2008, na fase final dos trabalhos de restauração
Foto: Juliana Barros, publicada com a matéria
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