O transporte rodoviário de cargas, que responde por 75 por cento da
movimentação do porto e do corredor de exportação, gera milhares de empregos diretos e indiretos para frentistas e postos de gasolina, oficinas
mecânicas, escritórios de despachos, empresas de transporte e agenciadores de fretes, além de 12.500 doqueiros e cerca de três mil outros
trabalhadores entre estivadores e bagrinhos.
Todos esses assalariados dão vida ao comércio local, utilizam o transporte coletivo e ajudam a engrossar os números na arrecadação do ICM e de
outros tributos. A ajuda, nesse caso, significaria uma participação de 30 a 40 por cento do total. Os 70 ou 60 por cento restantes, que nada têm com
transporte rodoviário de cargas e muito menos com o porto, dão o suporte à Prefeitura e aos órgãos públicos municipais, que, como se sabe, nada
recebem da Cia. Docas de Santos, exceto os problemas.
O maior de todos é a pavimentação e conservação das vias públicas e a manutenção
do sistema viário de Santos. Na construção do calçamento das ruas, praças e avenidas, segundo a Prodesan, o custo é sempre em dobro quando o piso
fica dimensionado para o tráfego pesado, enquanto a pavimentação se deteriora em metade do tempo previsto.
No sistema viário, o comprometimento abrange o estacionamento indiscriminado em
vias públicas que não o comportam, devido à largura da pista. Para estacionar o seu caminhão, o caminhoneiro não toma conhecimento se pode ou não
pode. Não escolhe área, que tanto pode ser junto ao porto como em frente às moradias dos bairros residenciais, junto às esquinas - onde prejudica a
visibilidade do cruzamento -, sobre portas de garagens, nos pontos de parada dos veículos de transporte coletivo e, principalmente, junto aos
pequenos terminais e armazéns improvisados, cuja localização e funcionamento inutilizam todo o zoneamento da Cidade.
Essas distorções, de caminhões, terminais e armazéns, existem sob a alegação que
o porto não possui um terminal rodoviário de carga. O mesmo argumento justifica (justifica?) a permanência de grandes carretas e containers
nas vias públicas porque os espaços internos estão ocupados.
Tributação às avessas: a Cidade paga ao porto
Texto: Áureo de Carvalho
Fotos: Rafael Dias Herrera
A faixa à direita das duas pistas da Avenida Martins
Fontes, entre a Praça Lions e o Largo da Saudade, sofreu um abatimento anormal devido ao excesso de veículos de carga, que por ali trafegam
diariamente. Nunca foi feita uma contagem de veículos nessa área, mas acredita-se na presença de 5 mil caminhões/dia, em cada sentido. Some-se a
isso a circulação dos ônibus rodoviários - que têm passagem obrigatória rumo à Via Anchieta e à
Rodovia dos Imigrantes, - a dos ônibus suburbanos Santos-São Vicente e Santos-Cubatão, a dos ônibus urbanos em demanda à Zona Noroeste e a dos
carros particulares locais e os dos forasteiros.
A própria Prodesan, responsável pela pavimentação e repavimentação das vias públicas,
reconhece que o piso da movimentada avenida quase afundou com menos de dez anos de uso. O engenheiro Jean Jacques Leopold Monteux, coordenador
técnico da Prodesan e uma das maiores autoridades em pavimentação asfáltica do Brasil, explica que, em condições normais de uso, a Avenida Martins
Fontes duraria, pelo menos, 15 anos. Ele nega que problemas de solo tenham influenciado na decomposição do pavimento da avenida, porque antes de a
obra ser executada a Prodesan sabia as condições do terreno, determinadas de forma usual. A Prodesan, entretanto, não podia prever um crescimento
tão acentuado no transporte rodoviário de cargas no porto.
Outro exemplo do que ocorre em Santos está na Rua Tuiuti, cujos paralelepípedos
afundaram sob as rodas dos caminhões, levando no abatimento as galerias de águas pluviais e as redes de esgoto e água, que se encontram seriamente
comprometidas.
Muita gente pode alegar que a pavimentação da Rua Tuiuti é muito antiga e está
localizada num bairro velho de Santos, o Valongo. Esses mesmos farão a defesa da necessidade de repavimentação
imediata da Martins Fontes, por ser a principal via de acesso a Santos. Mas ninguém tenha dúvida que o custo das obras que se fazem necessárias
tanto na Tuiuti como na Martins Fontes vai recair sobre a Prefeitura. E sobre os santistas.
Dimensão do piso - Para determinar o tipo de solo da rua, praça ou avenida,
segundo o engenheiro Jean Jacques Leopold Monteux, existem numerosos ensaios, seguindo métodos e sistemas quase convencionais.
"Isso é quase uma rotina na Prodesan - diz ele - e isso também foi feito antes,
pavimentação hoje quase destruída da Avenida Martins Fontes. Agora, para fixar-se o parâmetro que determina o tráfego que vai atuar sobre a
pavimentação a ser executada, o sistema é dos mais complexos. Inicialmente há necessidade de se conhecer a situação do trânsito na área, o tipo de
veículo mais freqüente e, necessariamente, a intensidade desse tráfego. A partir desses dados é que começam os cálculos da engenharia para
dimensionar o pavimento.
"A partir do dimensionamento da pavimentação pode-se estimar a durabilidade ou o tempo
de vida útil do serviço a ser executado. Quando se projeta uma pavimentação, deve-se levar em conta o volume de tráfego e não o peso ou a tonelagem
de cada veículo, com ou sem a respectiva carga. Assim, não é a passagem ocasional de uma carreta de 40 toneladas que vai destruir o pavimento, mas a
destruição é certa se milhares de caminhões/dia com apenas 10 toneladas utilizarem a mesma área pavimentada.
"A explicação para o não comprometimento da pavimentação com o caminhão de 40
toneladas é simples, porque esse peso ou tonelagem está distribuído pelos diversos eixos e pneus do veículo".
Quanto custa - O custo de um metro quadrado de pavimentação das vias públicas
de Santos varia de local para local, segundo explicou o coordenador técnico da Prodesan. Em relação às demais, a repavimentação da João Pessoa e da
Avenida São Leopoldo custaram o dobro: foram projetadas para suportar tráfego pesado e constante, e têm uma durabilidade prevista de 15 a 20 anos.
"Para se alcançar a durabilidade e a resistência previstas - diz Jean Jacques Leopold
Monteux - a João Pessoa e a São Leopoldo receberam uma sub-base de 20 centímetros de espessura, e depois, sobre esta, duas camadas de massa
asfáltica de 10 centímetros cada uma, ou binder, antes da aplicação do chamado asfalto rolante ou capa de rolamento, que é o piso visível.
Não tenho na memória o custo da obra, mas posso garantir que, em relação aos demais serviços de pavimentação executados pela Prodesan em outras
áreas da Cidade, o custo foi em dobro e até um pouco mais. Posso também afirmar, sem receio de equívocos, que se o tráfego pesado que procede do
porto não mais utilizar-se da pavimentação da Avenida São Leopoldo ou da João Pessoa, a pavimentação de ambas vai ter uma
vida mais longa, praticamente em dobro, com pequenos gastos de simples correção".
(Av. Martins Fontes, defronte ao Parque Infantil Maria Patrícia)
Foto publicada com a matéria
Autônomos reagem às multas do Demutran
Os primeiros reflexos das multas do Demutran sobre os caminhões estacionados já estão
chegando ao Sindicato dos Condutores Autônomos de Veículos Rodoviários, cuja diretoria produz recursos em massa para defesa dos seus associados e
contestação das autuações.
Renato Spina, presidente do órgão, diz que as multas são ilegais e sobretudo injustas.
"Motorista de caminhão - acentua ele - não é turista. Pára o veículo para comer ou dormir e não é culpado por não encontrar uma área adequada à sua
permanência em Santos. Por outro lado, todas as multas se baseiam no Plano Diretor Físico, que é uma lei velha e obsoleta, de 1967. Não sei o que o
Demutran pretende na autuação dos caminhoneiros, mas a impressão inicial que nós temos é que o órgão municipal está querendo introduzir na Cidade
uma nova indústria: a das multas".
Para ele, além do terminal de cargas, faz falta em Santos uma central de fretes, "para
evitar a exploração do motorista de caminhão que chega à Cidade atraído pelo porto e depois quer retornar à sua terra de origem. Esse, depois de
perambular de um lado para outro, acaba aceitando um novo carregamento de retorno sob preços e condições aviltantes. Além de explorado, também
prejudica os companheiros de profissão de Santos, que têm uma tabela mínima de fretes e procuram respeitá-la".
Renato Spina retoma o problema das multas sobre os caminhões estacionados, lembrando
que há um princípio do direito constitucional que, se fixa a proibição de um lado, libera outra, de igual proporção. "Pelas leis municipais
vigentes, calcadas no tal Plano Diretor, o caminhão não pode parar em Santos, em lugar algum. Isso seria até lógico se existisse um terminal na
Cidade, o que não acontece, e até mesmo na faixa do porto existem restrições. Onde, então, pode ficar o caminhoneiro que procura novo frete? A
classe espera uma resposta com um terminal e pátio, que precisa ser muito bem planejado e localizado para atender realmente ao motorista do
caminhão.
"Esse terminal não pode localizar-se longe do porto, pois em caso contrário seria
evitado pelos motoristas. E também não pode ficar muito perto da área urbana, porque nesse caso incomodaria o morador, que já está reclamando. Nesse
caso das reclamações, é curioso o fato de muitos caminhoneiros terem desbravado o território de Santos, construindo suas casas em áreas onde ninguém
queria morar. Hoje, esse desbravador é mal visto e não pode sequer levar o caminhão para casa pois será multado. Ninguém lhe pergunta se tem
direitos adquiridos e se ele chegou antes do progresso e do superporto".
(Av. Marginal Direita da Anchieta)
Foto publicada com a matéria
Nos terminais, soluções isoladas como paliativo
As grandes transportadoras rodoviárias de Santos, que se incluem entre as maiores do
Brasil, estão resolvendo seus próprios problemas, antecipando-se às iniciativas governamentais: construíram seus próprios terminais e, com isso,
evitam a presença dos caminhões na paisagem urbana.
Esses terminais, em sua grande maioria localizados com frente para a Avenida Marginal,
à entrada da Cidade, resolveram os complexos de operação de cargas dos respectivos empresários. Representam investimentos isolados de vulto, talvez
maiores que os orçamentos da Prefeitura nos últimos dez anos.
Hoje, o santista não vê nas vias públicas um caminhão, por exemplo, da Mesquita, da
Ideal, da Cândido, da Sistema, da Ruas, da Único, da Ma-pin, entre outras, estacionado em local inconveniente ou de perturbação ao sistema viário do
Município, exceto em ocasiões fortuitas de acidentes.
A solução encontrada pelos grandes empresários do transporte de Santos, se por um lado
foi lógica e racional, representou iniciativas apenas isoladas dentro de um contexto que ainda espera outros seguidores. Esse seria o caminho para
os demais empresários, que nem sempre têm frota própria, ou, se possuem, preferem aguardar a iniciativa governamental e ficam no comodismo do uso da
via pública.
O reverso - Os agenciadores de fretes e as grandes empresas do transporte
rodoviário de carga de Santos estão enfrentando, nos últimos tempos, uma concorrência imoral de empresas e empresários de outras cidades. Esses
chegam ao porto com trailers ou peruas sem qualquer identificação e ali mesmo agenciam fretes e cargas.
Nesses veículos, que ainda não receberam as atenções da vigilância da Cia. Docas e da
Prefeitura, funcionam verdadeiros escritórios onde são emitidas notas fiscais e conhecimentos de cargas, efetuam-se pagamentos e celebram-se
contratos, tudo em prejuízo das firmas e estabelecimentos locais.
Com essa prática, a Prefeitura deixa de recolher o Imposto Sobre Serviços de Qualquer
Natureza (ISS) e perde o ICM, que é canalizado para a cidade-sede da transportadora, quase sempre localizada na Grande São Paulo. Os caminhoneiros
que trabalham para essas empresas sabem os nomes de quem os contratam e podem oferecer as provas de burla que Santos está sendo vítima. Falta
somente a ação da fiscalização da Receita Municipal para corrigir mais essa distorção do superporto que, como corredor de exportação, também exporta
tributos para outras prefeituras.
(Av. Visconde de São Leopoldo)
Foto publicada com a matéria
Alguém pode receber as migalhas do porto
Trecho da Avenida São Leopoldo, notadamente entre a Rua São Bento e a Praça Lions -
apesar das placas de proibição -, conserva caminhões permanentemente estacionados, a qualquer hora e mesmo nos fins de semana. O mesmo acontece na
Rua Visconde de Embaré, na Tuiuti, na Alexandre Rodrigues, na Marques de Herval, na Caiubi, na travessa Comendador João Cardoso, na Alexandre Gusmão
e na Cristiano Otoni. O grande pátio dos caminhões de Santos, no Valongo, começa na Tuiuti e alcança também a Rua São Bento e o Largo Marquês
de Monte Alegre. Neste, a urbanização efetuada há menos de dois anos parece seriamente comprometida pelos veículos de carga que, nas manobras, já
derrubaram alguns postes do canteiro central e, expelindo monóxido de carbono pelos canos dos escapamentos, mataram toda a arborização da área.
Os guardas da Polícia Militar parecem impotentes para impedir a presença dos caminhões
naquele trecho de Santos: faltam recursos para o policiamento e sobra o comodismo. No Valongo não há reclamações dos moradores contra os caminhões
porque os moradores do bairro já fugiram para outros locais.
A deterioração do Valongo ocorreu lentamente, em nome do crescimento do porto. Como
está ocorrendo em parte do Macuco, na Encruzilhada, na Vila Nova e no
Estuário. A ameaça já está no Bairro de Aparecida e chega à Ponta da Praia.
Enquanto a Prefeitura discute a tributação do porto, poderia equipar a Polícia de
Trânsito, investindo para suprir as deficiências do Estado. A mesma Prefeitura cobra taxas de ocupação de área dos táxis e de uns poucos caminhões
de aluguel que têm local delimitado nos respectivos pontos. Mas não cobra nada aos outros caminhões que tomaram conta do Valongo, muitos dos quais
nem são licenciados em Santos.
Cobra também dos automóveis dos santistas, através do Estacionamento Regulamentado, no
Centro, e no Gonzaga. Vai cobrar dos automóveis que estacionarem junto do
Aquário e dos que param nas ruas da Vila Matias. Por que não pode cobrar dos caminhões que têm ponto fixo, por
exemplo, na Rua Tuiuti e imediações da estação da Rede Ferroviária Federal? Por extensão, deve também cobrar o
estacionamento nas ruas Silva Jardim e Campos Melo, na Manoel Tourinho, na Luíza Macuco e nas transversais da área. O direito à cobrança é o mesmo
dos carros particulares, dos táxis e dos pequenos caminhões de aluguel, porque a lei é igual para todos.
A solução definitiva, sabe-se, é o terminal rodoviário de cargas, com a central de
fretes e os serviços de apoio aos motoristas. Mas até à execução dessa obra irreversível, o santista pode beneficiar-se de alguma forma com o
superporto, cujas migalhas serviriam às instituições de caridade. |