Diariamente há grandes caminhões misturados ao trânsito local da Avenida Ana
Costa, a 200 metros da praia, ao mesmo tempo que empilhadeiras operam sobre as calçadas na Rua Campos Melo. À saída da Cidade, na Avenida São
Leopoldo, sob as placas de estacionamento proibido, há caminhões permanentemente estacionados, a qualquer dia ou hora, pois ali é o seu ponto.
Os trólebus da linha 8 da CSTC, via de regra, encontram o tráfego bloqueado na Rua
Silva Jardim, devido às operações de um terminal de containers
que ali funciona. As mesmas dificuldades de tráfego encontram os motoristas de Santos que trafegam pela Avenida Washington Luís, rumo ao centro:
junto do entroncamento com as ruas Braz Cubas e Lucas Fortunato, outro terminal de cofres-de-carga impede o trânsito local com freqüência, porque a
área improvisada tem um portão de acesso muito estreito.
Cenas como essas a Cidade já conhece no dia-a-dia, provocando as reclamações que
os órgãos da imprensa estampam, quase como uma tônica do noticiário. Entretanto, quem lê os jornais do Rio de Janeiro, do Recife ou de Salvador -
portos também importantes para a economia nacional - não vê as mesmas reclamações. Será que apenas em Santos há abusos e distorções nas operações
portuárias?
Pelas leis municipais, o permissionário do transporte escolar é obrigado a ter
uma garagem para a permanência dos veículos fora do horário de trabalho. As mesmas leis não se aplicam aos caminhões, para exigir que seus
proprietários tenham um local adequado à permanência desses veículos fora da via pública. Mas está exigindo, pelo menos teoricamente, que os novos
prédios a serem construídos tenham um mínimo de garagem para carros particulares, proporcionais à quantidade de moradores.
A discriminação dos diplomas legais ainda pode ser corrigida. Mas aí alguém vai
dizer que os legisladores estarão contra a economia do Município, já um tanto diluída por outros fatores.
(Container da antiga armadora estadunidense Moore McCormak, na Vila Nova)
Foto publicada com a matéria
A cidade deve impedir a invasão. Mas pode?
Texto: Áureo de Carvalho
Fotos: Rafael Dias Herrera
No perímetro urbano, o estacionamento de veículos de
carga só é permitido para carregar ou descarregar. É o que expressa o artigo 326, parágrafo primeiro, da lei 3.529/68 (Plano Diretor Físico). O
artigo 317 da mesma lei proíbe o estacionamento de veículos, de forma a que venham a prejudicar a circulação em ruas, praças, avenidas, caminhos e
estradas municipais. Penalidade, multas de 5 a 100 por cento do salário mínimo regional, cobradas em dobro na reincidência e ajuizadas a critério da
autoridade.
Com esse apoio legal, o Departamento Municipal de Trânsito (Demutran) fiscaliza - com
os recursos disponíveis - o uso das vias públicas de Santos. Em média, são lavradas de 25 a 30 multas por dia, mas o próprio órgão municipal evita a
autuação direta: sempre que o motorista do veículo de carga é localizado nas proximidades, os fiscais o intimam a retirar imediatamente da área o
caminhão ou a carreta.
A solução para o problema é a multa? Segundo o Demutran, quando o proprietário do
veículo de carga sentir o valor pecuniário da autuação, repetida duas ou três vezes num mesmo mês, ele vai buscar uma outra área para a permanência
do caminhão ou da carreta, livrando aquele trecho da Cidade, pelo menos temporariamente.
Pode/não pode - O que faz um container com o respectivo veículo em
circulação no Gonzaga? Isso não é proibido? Para o Demutran, a proibição de circulação, segundo as posturas municipais,
só fica caracterizada com as placas restritivas regulamentares fixadas pelo Código Nacional de Trânsito e Resoluções do Contran. Nesse caso, a
fiscalização passa da esfera municipal ao policiamento estadual de trânsito, a quem cabe também a aplicação (e arrecadação) das multas.
O Demutran diz-se bastante competente para, com perfeito amparo da Lei Orgânica dos
Municípios, simplesmente proibir a circulação de caminhões nas grandes avenidas, estendendo essa proibição a todas as vias públicas que entender:
bastam somente as placas, que o próprio órgão municipal fabrica, pinta, monta e coloca nos postes. "Mas essa proibição - segundo o advogado Felippe
Veiga de Azevedo, diretor do Demutran - pode chegar às barras dos tribunais, pelos reflexos imediatos que pode trazer. Ninguém sabe se o
proprietário do caminhão, que circula com um container pela Avenida Ana Costa e Praça da
Independência, se dirige ao local onde mora, e se nesse local o caminhão possui ou não garagem.
"A legislação de trânsito, nesse particular, não faz diferença entre o carro de
passeio e o veículo de carga: o mesmo direito à circulação de um estende-se ao outro, pois ambos são licenciados.
"E se o motorista do caminhão possuir uma garagem ou um terreno apropriado para guarda
do veículo? Quem pode impedi-lo de guardar o caminhão nesse local, desde que não venha a perturbar a tranqüilidade de terceiros, no caso, os
vizinhos? Até por uma questão de lógica, a proibição se tornará injusta".
As leis federais - O Código Nacional de Trânsito, uma lei federal tão obsoleta
que ainda fala dos bondes, não proíbe o estacionamento e permanência dos veículos de carga em bairros considerados residenciais, exceto se existir
uma regulamentação específica da autoridade municipal expressa em sinalização competente. A proibição também inexiste entre as 600 resoluções
reguladoras e normativas editadas pelo Conselho Nacional de Trânsito, órgão que somente agora - premido pela situação e para corrigir distorções -
está tentando disciplinar a circulação das chamadas cargas perigosas, entre as quais se incluem os inflamáveis, os corrosivos e os tóxicos.
As únicas restrições existentes, até aqui, proibiam o derramamento de excesso de carga
nas vias públicas, sujando-as, ou pondo em perigo a circulação dos demais veículos. Essas restrições não são novas: datam de mais de 2 anos,
editadas com os primeiros códigos de trânsito, e tiveram um só objetivo: defender o direito de terceiros.
No tocante às cargas perigosas - tóxicas, explosivas ou corrosivas - a proibição que
agora se está querendo fixar visa apenas à correção dos abusos. Como, por exemplo, proibir que o motorista de um caminhão-tanque de transporte de
gasolina, ácidos ou congêneres guarde esse veículo numa garagem ou terreno de um bairro residencial, ou mesmo numa área comercial. Nesse caso, o
caminhão-tanque, se transporta cargas especiais, deve ter, necessariamente, um local especial de estacionamento e permanência que nunca será vizinho
a uma residência, ou mesmo em áreas onde haja constante circulação de pedestres ou concentração humana.
Com base nas leis federais, o morador não tem direito a reclamar contra a incômoda
presença do caminhão vazio ou carregado à sua porta, exceto: 1) Se existir regulamentação específica para circulação de veículos de carga na área;
2) Se o caminhão bloquear o acesso de garagem; 3) Se o estacionamento for feito à porta de templos religiosos, casas de diversão ou congêneres,
hospitais, escolas etc.; 4) Se estiver estacionado sobre os locais de hidrantes de combate a incêndio ou sobre faixas de pedestres; 5) Junto às
esquinas, a menos de dez (10) metros do alinhamento dos prédios; 6) Se existirem placas de proibição de estacionamento; 7) Se o leito carroçável não
permitir (na largura) a passagem de outros veículos; e 8) Se o caminhão estacionar em local que impeça ou dificulte a circulação.
Impedir ou dificultar a circulação é infração tanto para o carro de passageiros como
para o veículo de carga. Assim, numa via pública de mão única ou mão dupla, onde estacionem um automóvel e um caminhão de cada lado, e se o corredor
central ficar parcial ou totalmente comprometido, caminhão e automóvel estacionados são infratores iguais e devem ser retirados ou autuados a um só
tempo, sem discriminação de tamanho, uso ou características. É a lei.
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Há evasão de renda nos rateios da TRU
O caminhão placa IA-7524, licenciado em São Paulo pela Cooperativa Central Agrícola
Sul-Brasil, como muitos outros, é visto diariamente na Rua Tuiuti, junto ao Largo Marquês de Monte Alegre. Seu
proprietário, um transportador autônomo, mora em Santos e trabalha no transporte de granéis sólidos no Cais do Saboó, ou, eventualmente, em
Conceiçãozinha.
À época de renovação do licenciamento, o motorista do caminhão aproveita um carreto
para o Planalto; vai ao Detran, passa pela vistoria, recebe a plaqueta e retorna para Santos, onde efetivamente trabalha e circula.
Esse é um dos muitos exemplos da evasão de renda do Município, no tocante ao rateio da
Taxa Rodoviária Única: Santos movimenta, em função do porto, cerca de dez mil caminhões por dia, dos quais menos de 5.000 são registrados e
licenciados na Cidade.
A rigor, só as grandes empresas de transporte da Cidade registram em Santos os
veículos das respectivas frotas. Os demais, como o basculanteiro IA-7524, recorrem ao expediente da visita anual ao Detran, conservando o
registro da cidade de origem. Com essa prática, que nenhuma legislação coíbe, Santos aparece estatisticamente com um pequeno número de veículos de
carga aqui registrados, quando, na realidade, dá sustento a pelo menos o dobro das estatísticas oficiais. Politicamente, isso também é prejudicial à
Cidade, cujas autoridades sentem-se desamparadas pelos registros do Detran, bastante divorciados do dia-a-dia do transporte rodoviário de Santos.
Evasão de renda - Quanto custa o licenciamento de um caminhão? Em números
absolutos, tanto faz ao motorista licenciá-lo em Santos ou em Mogi das Cruzes, porque a despesa será a mesma. A diferença é que o município de
origem do registro do veículo, isto é, onde ele está emplacado, fica com 30% da Taxa Rodoviária Única recolhida pelo proprietário. No ano seguinte
ao primeiro licenciamento do veículo, seu proprietário pode recolher a TRU em qualquer ponto do Brasil, mas o rateio proporcional do tributo será
sempre creditado à cidade de origem.
O rateio proporcional da TRU fixa 40% do total arrecadado para a União, dividindo-se
os 60% restantes entre o estado e o município. Por esse critério, de cada Cr$ 1 mil pagos da TRU por veículos de Santos, a Cidade recebe Cr$ 300,00
no ano seguinte. Ou Cr$ 30 mil em cada Cr$ mil arrecadados.
Um caminhão meio alquebrado pelo uso, como o de placa IA-7524, por exemplo, deve ter
pago, em 1980, cerca de Cr$ 10 mil de TRU, dos quais Cr$ 4 mil ficam para o Governo Federal, Cr$ 3 mil para o Governo Estadual, e Cr$ 3 mil para a
Prefeitura de São Paulo. Santos, nesse caso, só entra com as despesas de conservação das vias públicas e ainda fornece gratuitamente um local para o
estacionamento do basculante.
Se existirem em Santos, num cálculo pessimista, mil caminhões licenciados em outras
cidades e trabalhando permanentemente no porto, e se cada um desses caminhões pagar Cr$ 10 mil de Taxa Rodoviária Única, dos Cr$ 10 milhões
arrecadados a Cidade deixa de receber Cr$ 3 milhões, que seriam seus por direito.
(Armazém junto à linha do cais do porto)
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O pé-de-barro, mal recebido e explorado
Eles chegam a Santos em pequenos comboios de cinco, seis e até dez caminhões
carregados para o porto. Como ponto de referência, têm o número de um armazém para a entrega, ou o endereço de uma companhia que possui armazéns.
São os pés-de-barro, motoristas e proprietários de caminhões autônomos de outras cidades ou mesmo de outros estados, que eventualmente
transportam mercadorias do Interior para o porto.
A alcunha, os pés-de-barro ganharam dos próprios sapatos, quase sempre sujos de
lama (ou barro) dos lugares de onde procedem. Aqui eles aparecem com regular freqüência, mais intensa à época das grandes safras de exportação. Mas
viajam, via de regra, duros, só com o dinheiro para média e pão com manteiga, na expectativa de receberem de imediato, o frete, que vai
cobrir todos os gastos da viagem e ainda sobrar.
Quando a descarga demora e a fome começa a apertar, costumam recorrer ao Sindicato dos
Condutores Autônomos de Veículos Rodoviários de Santos, onde encontram apoio na reivindicação das diárias e onde sempre aparece um grupo de colegas
autônomos da cidade que fazem uma vaquinha para a alimentação, tudo isso enquanto a descarga é apressada.
Como os motoristas dos caminhões de Santos, os pés-de-barro reclamam contra a
Cidade, que não tem um terminal de cargas e proíbe a permanência dos caminhões até mesmo nas filas junto dos armazéns.
Uma estória - No dia 20, sábado, um pé-de-barro de Dracena chegou a
Santos com carregamento de café de Londrina. Eram 18 horas ou quase isso, e o armazém para entrega da carga - sacas de café - estava fechado.
Depois de convicto de que perdera o horário da entrega, e após rodar cerca de uma hora
em Santos, o pé-de-barro entrou em um posto de gasolina, e batendo um papo com o vigia, pediu para guardar ali o caminhão até a segunda-feira
seguinte. Negativo: o vigia não quis assumir a responsabilidade. Não desanimou, procurando outro posto, mais outro e um terceiro, sempre com a mesma
negativa: a carga era muito valiosa e a responsabilidade grande demais.
Numa quarta tentativa, já desesperado e com sono, ele ouviu do vigia uma sugestão:
"Procure o quartel dos bombeiros. Lá eles têm um pátio grande, e, pelo menos, há vigilância permanente".
O vigia do posto não sabe se os bombeiros deixaram ou não o caminhão permanecer no
pátio, porque o local não foi projetado para tal. "Sei - disse o vigia - que o motorista do caminhão estava há mais de 20 horas sem dormir, e
precisava de um cantinho, só um cantinho, para guardar o Mercedes, com a carga, e repousar. Fiquei com pena dele, confesso, mas não podia fazer
nada. Não podia, mesmo!"
Alguém emendou a conversa, dizendo ter visto o tal caminhão de Dracena estacionado na
Avenida Senador Dantas, perto do Canal 4, com a cabina totalmente fechada, talvez com o motorista dormindo no interior.
Explorados - Os pés-de-barro estão entre as muitas vítimas da falta de
estrutura do porto, que se agigantou sem pensar naqueles que o movimentam. Eles, em Santos, além de não encontrarem um serviço de apoio à
permanência do motorista e do veículo, são explorados por pequenas transportadoras, que não possuem frota mas agenciam cargas.
Essas transportadoras, que nunca receberam uma fiscalização do DNER, estão funcionando
principalmente no Valongo: operam em pequenas salas de prédios residenciais sublocados - onde o caminhão nem pode parar - e emitem conhecimentos de
carga, às vezes, pela janela que dá para a via pública, onde há pacas oferecendo fretes. Ali mesmo, da janela, o empresário e o
pé-de-barro discutem o pagamento, em bases quase inacreditáveis. Por exemplo, se o frete de uma tonelada de carga Santos-São Paulo vale Cr$
350,00, ao pé-de-barro o empresário oferece Cr$ 200,00.
Entre votar vazio, batendo carroçaria serra acima e ainda gastando diesel e pneus, e
os Cr$ 200,00 por tonelada, não há escolha: é pegar a migalha ou perder mais dinheiro. Outro argumento que impulsiona o pé-de-barro à
exploração é a andança com o caminhão vazio dentro da Cidade, de um lado para outro, porque o superporto de Santos não tem uma central de fretes.
O que o pé-de-barro nem sempre sabe é que o frete de Cr$ 200,00 que o
empresário oferece está sendo pago pelo proprietário da carga a Cr$ 500,00, acrescidos do seguro e dos demais encargos sociais. |