A campanha da Abolição
[...]
Diante do que se passava em Santos, onde a Câmara
Municipal se conluiava com os abolicionistas e proclamava a extinção do cativeiro na cidade desde 1886, apelaram os poucos escravocratas locais para
São Paulo e Rio de Janeiro.
São Paulo, entretanto, já estava completamente minado pela corrente
maçônica-republicana, a braços com as fugas da escravaria promovidas por Antonio Bento, seus caifazes e o famoso Clube dos Abolicionistas do
Braz, não podendo por isso prestar atenção às lamúrias dos prejudicados santistas, simples representantes comerciais de fazendeiros do interior e
negociantes da própria capital, e não gente da terra; mas, o Rio de Janeiro atendeu às suas queixas e o Ministério da Guerra, a pedido do chefe do
Gabinete de Ministros, destacou para Santos uma importante força militar, embarcada num navio mercante que estava de partida para o Sul, valendo-se
da oportunidade para dar uma boa mostra do prestígio imperial, julgado cambaleante.
O comandante da tropa imperial era o Major Dom Joaquim Baltazar da Silveira, que
trazia a missão de pacificar a cidade (que diziam estar revolucionada) e restabelecer os direitos de propriedade, ameaçados pelos revoltosos.
Deu-se aí um fato edificante. Américo Martins dos Santos e Ricardo Pinto de Oliveira,
os dois amigos inseparáveis da Abolição e da República, conseguiram licenças especiais da Saúde e da Alfândega e foram para bordo do navio que
acabara de fundear ao largo do Estuário. Iam como espiões, para ter uma idéia da força chegada e ver se sabiam algo da verdadeira intenção do major
comandante.
O navio, entretanto, começara a deslocar-se e viera encostar na
ponte do Belmarco, pouco adiante da Casa do Trem. Mal encostara ele na velha ponte, já os dois abolicionistas estavam
dentro do navio, olhando por ali e procurando descobrir o comandante da tropa imperial. Poucos instantes haviam decorrido, quando alguém deu uma
palmada no ombro de Américo Martins, num alegre e amigo:
- Olá!...
Voltando-se depressa o espião dos santistas, viu-se, com algum susto, diante do
procurado comandante. Pensou que ia ser preso, mas, pelo sorriso que lhe abriu o garboso militar, viu Américo que não era nada disso e julgou
havê-lo reconhecido. O major estendia-lhe os braços, chamando-o pelo nome:
- Américo Martins, que diabo, já não me reconhece!...
Dom Joaquim Baltazar da Silveira fora seu companheiro na velha Escola Militar da Praia
Vermelha (N.E.: situada na capital carioca, junto ao atual acesso pelo bondinho para o Pão de Açúcar),
em 1871, pouco mais de quinze anos passados. Aquela barba cerrada, terminando em pêra, que o major trazia, dificultara o reconhecimento pelo amigo.
Riram os dois. Só então o comandante da força imperial ficou sabendo do verdadeiro motivo da sua vinda. Ele vinha mesmo era pegar negro e proteger
interesses de traficantes e senhores de escravos...
- Eu nunca faria isso, Américo! O Exército do Brasil não pode servir para esse fim.
Selou-se ali, na simplicidade dramática da cena, assistida por Ricardo Pinto, um
solene compromisso. Se fosse verdade o que o amigo de Santos dizia, o amigo do Rio de Janeiro, descendente da fidalguia colonial portuguesa, não só
não faria mal algum aos abolicionistas como ainda os ajudaria enquanto ali estivesse. Foi assim que, durante algum tempo, os arraiais da Abolição
santista e o Jabaquara tiveram mais um apoio forte e decisivo, porque o abolicionista falara a verdade.
Esse fato ecoou bastante na sociedade da época, mesmo fora de Santos, reconhecendo
todos que a Abolição estava consumada diante da incapacidade ou complacência da polícia e da visível simpatia do Exército.
Depois de 27 de fevereiro de 1886, realizara-se no Fórum, da Praça
dos Andradas, a cerimônia da declaração da Lei Saraiva, em audiência especial do Dr. Ledo Vega, juiz de Direito da Comarca, declarando livres
todos os escravos de mais de 60 anos. O caminho estava aberto para a extinção total do cativeiro. Os proprietários de escravos da cidade resolveram
dar liberdade imediata a todos os seus cativos, de qualquer idade, aplaudidos pela multidão que acorrera à Praça dos Andradas e ao grande edifício
da Justiça. Naquele instante assentaram-se as bases da Sociedade "27 de Fevereiro", com a finalidade de resgatar os últimos cativos do município (de
fora da área urbana) e dos que fosse possível resgatar nos municípios vizinhos e no interior.
A 2 de março, no salão do Júri e sob a presidência do Major Xavier Pinheiro, era
instalada a Sociedade, falando entre outros o Dr. Ledo Vega, o advogado Heitor Peixoto, o jovem poeta Gastão Bousquet e o jornalista e poeta João
Guerra, que recitou uma poesia abolicionista de sua lavra. A inauguração da sociedade teria lugar a 1 de março do mesmo ano, no
Teatro Guarani, perante uma assistência de cerca de 2.000 pessoas, tendo como presidente Xavier Pinheiro, como
primeiro-secretário Joaquim Fernandes Pacheco, e segundo, Antonio Augusto Bastos (o Totó Bastos), ficando outros como vogais da nova entidade.
Santos lavava as mãos, por assim dizer, do que se passava ainda em todo o Brasil, onde
apenas o Ceará apresentava aspecto semelhante de humanidade e civismo. Jabaquara era, cada vez mais, um símbolo de liberdade e um monumento ao
direito das criaturas com seus milhares de negros alforriados e felizes... A extinção da escravatura na terra santista tinha três datas, bem
diferentes da data oficial brasileira: 27 de fevereiro - 2 de março - e 14 de março de 1886.
Dali por diante, todo o trabalho dos abolicionistas de Santos
consistiu em receber e proteger os refugiados de serra-acima, dando-lhes ainda colocação remunerada ou escápula para mais longe. E tal importância
assumiu a sua atuação, firmando e alicerçando a obra abolicionista de Antonio Bento e de toda a Província, que, em princípios de 1887, o Presidente
de São Paulo telegrafava ao Governo Imperial, no Rio de Janeiro, dizendo "não ser mais possível conter a evasão dos
escravos porque os soldados haviam feito causa comum com os abolicionistas, favorecendo a passagem dos fugitivos para a cidade de Santos"
-, significando, com isto, que Santos era a própria liberdade; consagrando o seu grande papel na história da Abolição e demonstrando ao Império a
necessidade que havia de uma providência para evitar a desmoralização total do Governo Imperial, com a aplicação de um golpe inteligente e de
simpatia, que lhe reabilitasse o prestígio cada vez mais abalado [55].
Esta é a verdade dos fatos, mas esse golpe de simpatia e consolidação do regime, que
veio a 13 de maio de 1888, veio tarde demais e de forma desastrada, pelas mãos de uma mulher, a inábil Princesa Regente, precipitando, isso sim, a
vitória da obra republicana. Veriam os escravocratas, naquele gesto da Princesa, apenas o recuo, para eles inominável, da monarquia, ante a pressão
de uma corrente cuja força cada vez mais aumentava, sem a menor consideração aos seus interesses profundamente lesados.
Isso mesmo afirmavam todos os republicanos paulistas, e o dr. Hipólito da Silva, que
foi um dos vultos da campanha em Santos e em São Paulo, diria em artigo publicado em A Pátria de S. Paulo, a 25 de maio de 1889: "Removida
a pedra que nos obstruía o caminho para a liberdade política, o espírito do povo expandiu-se e grandes eleitorados, que apoiavam a monarquia, porque
esta se baseava na escravidão, declararam-se republicanos".
Palavras de observador e sociólogo, e não apenas de um abolicionista agindo sob a
pressão dos seus próprios entusiasmos, visto que a República ainda estava a seis meses de distância, em princípio
de gestação.
As palavras de Hipólito da Silva tiveram sua grande confirmação na célebre e conhecida
passagem verificada na recepção de gala, oferecida no Paço do Rio de Janeiro em comemoração à Lei Áurea. Entrava a Princesa Isabel no grande salão
de festas e, ao beijar-lhe a mão o ex-chefe do Gabinete, Barão de Cotegipe, disse-lhe a Princesa:
- Senhor Barão, libertei uma raça!
Como resposta, murmurou Cotegipe com um sorriso amável e respeitoso:
- Mas derrubastes um trono, Augusta Princesa!...
De fato, a Lei Áurea, mais do que a Questão Militar, que poderia ter sido contornada,
principalmente com a substituição do ministro Ouro Preto e a anulação dos seus atos, foi a grande precipitadora da República.
Em Santos, como não podia deixar de ser, a lei da Princesa foi recebida com festas e
manifestações populares, salientando-se as visitas em massa às casas dos principais vultos abolicionistas da cidade, principalmente à do Barão de
São Domingos, juiz em Santos - que, como o falecido Ledo Vega, tanto auxiliara a ação dos propagandistas -, e à do cidadão Francisco Martins dos
Santos, o ilustre santista que fora um dos precursores da campanha e um dos seus melhores soldados em todo o tempo, onde falou o ardoroso
Silva Jardim, que, radiante, nem reparava mais nas próprias atitudes, rompendo todos os negros em coro uma cantiga rude,
sobre motivo e versos do próprio Silva Jardim, que começava pelo estribilho:
- Viva o Santo Antonio Bento
- Viva o Santos Garrafão
...um espetáculo que jamais saiu da memória de quantos dele participaram.
Valem estas festividades a transcrição do relato de uma das testemunhas
presenciais [56]:
"A data de 13 de maio de 1888 foi recebida com a maior pompa possível. De cada casa,
soltavam ao ar centenas de foguetes. Os navios surtos no porto embandeiravam os mastros, músicas percorriam as ruas; o povo entusiasmado dava vivas
à Lei Áurea. Da Vila Matias, lá do quilombo de Pai Felipe, os libertos vinham ao
Largo do Carmo munidos de adufos e atabaques dançar o samba, no qual os rapazes entravam também, dançando
com os pretos, na mais íntima cordialidade: saudava-se a imprensa; de cada janela surgia um e discursava sobre o fato; Silva Jardim fez nada mais
nada menos do que uns 40 discursos e cada qual mais sublime.
"Em Santos haviam-se organizado, desde o dia 11, inúmeras comissões, cada uma
incumbida da iluminação e ornamentação de uma rua ou praça, estabelecendo-se uma comemoração de oito ou dez dias seguidos, considerados feriados
para o povo.
"À noite, iluminação provisória em todas as casas, até a mais pobre, constando essa
iluminação de tigelinhas e lanternas de papel; 'marche aux flambeaux'; discursos feitos por Martim Francisco e outros.
"O comércio concorria ajudando nas despesas; a loja Flor de Maio deu à comissão
organizadora da grande festa muita fazenda para bandeirolas, que se estendiam em fios de barbante, desde a Rua de Santo
Antonio (atual do Comércio) até o largo da Matriz (atual Praça da República), continuando
pela Rua da Alfândega (atual Senador Feijó), entrando na General Câmara, cercando as do
Rosário (hoje João Pessoa) e Amador Bueno e terminando na de São
Francisco.
"Em Santos, nas lojas de fazendas, não havia mais ganga, sendo necessário recorrer-se
às lojas da capital, pois faltavam ainda muitas ruas para serem embandeiradas.
"A companhia do gás preparava arcos para iluminar todas as ruas. O
Correio de Santos ornamentou a frente do edifício com tigelinhas verde e amarelo, e azul e branco. Ouvia-se música por todos os lados. O
Diário apresentou uma iluminação luxuosa; no largo da Matriz foi levantado por Benedito Calixto um soberbo
arco-triunfal, tendo na frente os retratos do Visconde do Rio Branco e Luiz Gama. Os postes, que serviam de amparo aos fios para os galhardetes,
tinham escudos nos quais se liam os nomes dos grandes abolicionistas.
"Isto tudo se realizou nos dois primeiros dias subseqüentes ao 13 de maio. Depois
vieram os outros. No 3º dia, festas populares de todos os gêneros se realizaram; no 4º rezou-se, em pleno Largo da Matriz, junto ao arco triunfal, a
missa campal celebrada pelo cônego Luiz Alves da Silva. A praça estava apinhada, não havia mais um lugar, e ali, diante do altar soberbamente
adornado, crédulos e incrédulos, impelidos todos pelo mesmo júbilo, curvavam os joelhos que se apoiavam sobre débeis pétalas de rosas que atapetavam
os paralelepípedos.
"Não se distinguiam classes, tanto se ombreava o nobre com o plebeu; não existiam mais
rixas de imprensa; os seus representantes estavam todos juntos. Fizeram-se representar, nesse ato, todos os cônsules, todas as escolas de ambos os
sexos. Finda a missa campal, o Dr. Éboli, duma das janelas do Grande Hotel de Roma, de propriedade de Elias Caiafa, falou, em eloqüente discurso,
felicitando o Brasil por esse alto acontecimento. À tarde desse dia, na mesma praça, lançou-se, diante de inúmeros assistentes, a primeira pedra
para a ereção do monumento que deveria perpetuar a memória do Visconde do Rio Branco.
"No 5º dia, todas as escolas e populares foram ao Convento do
Carmo, em visita ao túmulo de José Bonifácio, o Patriarca. Ali fez o discurso cronológico o eloqüente tribuno
Silva Jardim, e pela escola do sexo feminino, regida pela Sra. Da. Maria Isabel Silvado, falou a menina Ana Constança
Ferreira.
"No 6º dia, Quintino de Lacerda, o homem que fechou a
Câmara de Santos, foi condecorado, à noite, numa das salas dum sobrado da Rua Xavier da Silveira, junto ao antigo Asilo de Órfãos. Recebeu
Quintino de Lacerda essa homenagem por ocasião de uma reunião promovida pela comissão dos festejos, para dar-lhe o prêmio que lhe cabia como um
abolicionista fervoroso.
"O peito de Quintino foi condecorado pelas mãos angélicas da menina Carula Martins,
filha do conceituado despachante geral Américo Martins dos Santos. Quintino, comovido, quase sem poder falar, agradeceu em breves palavras
as tamanhas honras de que não era merecedor.
"No 7º dia foi colocada na casa onde nasceu
José Bonifácio a lápide comemorativa, entre as janelas do centro e junto à cimalha. Fronteiro ao edifício, a multidão esperava romper-se a gaze
que encobria a inscrição histórica. Depois de alguns discursos pronunciados por diversos oradores e que foram cobertos de frenéticos aplausos, duas
gentis mocinhas puxaram os cordões da gaze, que, numa queda morosa, bipartindo-se vagarosamente, deixava ler em letras de ouro, gravadas sobre
finíssimo mármore, a inscrição que todos conhecem: 'Esta é a casa onde nasceu e morreu o Patriarca da Independência -
José Bonifácio de Andrada e Silva. Nasceu aos 13 de junho de 1763. Faleceu a 6 de abril de 1838
[57].
"No 8º dia, saiu à rua um préstito com carros alegóricos, nos quais figuravam senhoras
e cavalheiros da alta roda santense, dando-se durante o seu percurso a imponente batalha de flores. À noite falou o Dr. Antonio Bento de Souza e
Castro.
"Quem não se preveniu de flores, recorria aos papéis de diversas cores, cortados em
pedacinhos, e com eles, com um punhado desses improvisados confettis sarapintavam as cabeças loiras das gentis senhoras, os clacks dos
cavalheiros e o estrado dos carros luxuosamente adornados.
"Deram-se outros festejos menos importantes, e o povo, cansado de
divertimentos, por fim procurava o trabalho quase que em geral interrompido por oito a dez dias" [58].
Ficou célebre um discurso de Martim Francisco Filho, de fundo separatista, solenizando
a entrega de mimos a Quintino de Lacerda e Santos Garrafão, adquiridos por subscrição pública. Nesse discurso, até hoje recordado e há vários anos
reimpresso em São Paulo, disse o ilustre Andrada aos homenageados, entre outras considerações, o seguinte:
"Soldados da liberdade humana, defensores da igualdade do Direito, Quintino de Lacerda
e Santos Pereira, subchefes da recente cruzada que transpôs as muralhas que cercavam e asilavam a escravidão!
"Quando, há poucos meses, as levas de escravos, como rochedos soltos, vertiginosamente
rolavam por sobre esses contrafortes que amparam a Serra do Mar, e sofriam caça como animais daninhos; quando - e os dias vão bem perto! - os
ministros, os capitães-do-mato, os presidentes de província, os comandantes de batalhão, os delegados e chefes de Polícia - tantos santos de
variadas categorias, recém-vindos da libertadora Damasco! - intimamente se orgulhavam dos tiroteios de Santo Amaro e da espionagem de Cubatão;
quando treze mil libertos eram reescravizados em Campos; era nos vossos braços que a desventura encontrava conforto e alívio; era nas vossas casas
que se abrigava a cativa trazendo dependurada às tetas secas a criancinha que chorava; era com a parcela de vossas economias que se comprava o pão
para o negro esfaimado, cujo corpo, coberto de cicatrizes, atestava a passagem do chicote e a visita do viramundo!
"O governo queria matar, e matava; queria perseguir e perseguia; Santos Pereira e
Quintino de Lacerda queriam libertar, e libertavam; queriam salvar e salvavam. Cada um, portanto, desempenhava a sua missão natural!
"Cessou, porém, a luta. Chegou o dia inevitável da vitória. E o povo
santista resolve preceder o futuro no preparo da vossa apoteose, assim como precedeu o Brasil inteiro na eficácia da campanha abolicionista
[59].
"Ele, por meu intermédio, vos manda entregar estes modestos presentes. Aceitai-os pela
intenção que os acompanha; sabendo quanto é doída a injustiça dos homens, quanto tem de teimosa a falsificação da história, o povo santista
protestou arrancar-vos do anonimato, assim como arrancastes ao látego vibrante o escravo que gemia.
"Quintino de Lacerda, recebe este relógio! Possa ele marcar tantas horas quantas
provas de atividade deste para alcançar a autonomia de tua raça. Ele traz, por inscrição, a data da Lei pela qual trabalhaste mais do que aqueles
que a referendaram.
"Soletrando-a, poderão os teus descendentes repetir mais tarde: - 'Meu
pai foi um negro que alvejou o pavilhão nacional, apagando de suas dobras a mais nojenta das manchas'
"Santos Pereira, português, recebe este relógio!
Possa ele marcar tantos minutos quantos foram os teus atos em prol da libertação dos escravos! Ele traz inscrita a data da Lei que diz que não há
mais cativos em terra onde se fala a língua de Camões!
.....................................
"O triunfo a que assistis, e onde vos compete
notável papel, não é, não há de ser o único conquistado pela vossa resolução. O futuro é intérmino e as grandes aptidões são também grandes
compromissos. (Martim Francisco profetizava, aqui, o advento republicano, como fruto da Abolição, em reforço da
propaganda política feita até então).
"Lembrai-vos de que estais em Santos, centro produtor de luminosas
conquistas. Aqui nasceu Bartolomeu Lourenço que devassava os ares, aqui nasceu José Bonifácio que orientou a
Independência; aqui nasceu a Província..." [60].
Em S. Paulo e no Rio de Janeiro não faltou quem se lembrasse do grande
papel desempenhado pela cidade de Santos, nas lutas da Abolição, e várias individualidades, assim como alguns jornais se expressaram elogiosamente a
seu respeito. Dispensamo-nos de reproduzir tais elogios, fazendo-o somente das palavras publicadas pelo Diário de Notícias de S. Paulo (em
seu número de 15 de maio de 1888), que tão de perto acompanhara as atividades abolicionistas dos santistas. Ei-las: [61]:
"Entendemos cumprir um grato dever de patriotismo, hoje, que, como todo o país,
solenizamos o advento da Abolição da Escravatura, proclamada pela Áurea Lei de 13 de maio de 1888, saudar com todo o entusiasmo e efusão de alma a
patriótica cidade de Santos.
"A imponente capital marítima da Província de São Paulo, o berço dos Andradas,
bafejada pelas brisas do oceano, que também lhe beija os pés, é digna de menção e de saudação especiais no grande dia em que se soleniza a liberdade
da Pátria.
"Santos foi o primeiro município da Província de São Paulo que proclamou a sua
emancipação do trabalho escravo, assim como foi ali que as primeiras turmas de escravos, que abandonavam em massa os seus presídios, foram encontrar
um generoso acolhimento, conforto, agasalho e trabalho remunerado.
"A ínclita cidade de Santos, fortificada por Deus com essa muralha que se chama Serra
do Mar, foi a praça forte do abolicionismo, onde primeiro tremulou o pavilhão da Liberdade dos escravos na Província de S. Paulo!
"Assim, pois, o Diário de Notícias saúda com júbilo a cidade de Santos, a sua
população, o seu denodado Partido Abolicionista e a imprensa local, pelo grande fato que a enobrece e enche de entusiasmo o povo brasileiro - a
abolição geral da escravidão! - Viva a Cidade de Santos!"
[...]
Notas:
[55] O Visconde de
Parnaíba já previa a queda do Império e sugeria um dos meios de evitá-la, enquanto era tempo. A Questão Militar ainda não se havia processado
no seio do Governo e talvez a Abolição, feita naquele instante, ainda conseguisse salvá-lo. Ao invés disso, na hora oportuna, preferiu o governo
conferir uma chuva de títulos por todo o Brasil, criando e promovendo barões e viscondes de última hora, com a idéia de firmar o trono.
Assim surgiram os novos barões de Abadia, de Aceguá, de Águas Claras, de Aguiar
Toledo, de Alagoas, de Aimoré, de Além Paraíba, de Almeida Valim, de Alto Mearim, de Alvarenga (Visconde), de Amambaí, de Anajaz, de Andaraí
(Visconde), de Anhumas, de Arantes (Visconde), de Araras, de Aratanha, de Arinos, de Assis Martins (Visconde), de Ataliba Nogueira, de Beaurepaire
Rohan (Visconde), de Benevente, da Bocaina, de Bojuru, de Bom Conselho (Visconde), do Bonfim, do Bonito, de Cabo Frio (Visconde), de Cabo Verde, de
Cairari, de Cajuru, de Caldas (Visconde), de Camaguan, de Cambuí, de Cametá, de Campinas, de Campo Místico, de Carandaí (Visconde), de Casa Branca,
de Casa Forte, de Casalvasco, de Castelo Branco, de Catuama, de Cavalcanti, de Caxangá, de Cimbres, de Conceição da Barra, de Contendas, de Corumbá
de Cristina, de Cruz Alta, de Cruzeiro (Visconde), de Cunha Bueno, de Cururipe, e assim por diante em todas as letras e em todas as Províncias,
escolhidos a dedo, entre generais, bispos, agricultores (fazendeiros), pecuaristas, políticos e homens públicos, industriais, deputados e senadores,
escritores e jornalistas, homens de todas as profissões e atividades, atingindo a mais de 300 em pouco tempo, que vinham somar-se aos anteriores.
Pensava assim o Governo cimentar e consolidar o Império, pelas obrigações que aqueles
beneficiados assumiam e pela sua importância na vida social brasileira. Puro engano, como se viu. Pouco mais tarde, ao verificar-se a Abolição, já
fora da oportunidade e como um golpe psicológico tardio, os próprios barões prejudicados se voltaram contra o Império, tornando-se até republicanos.
[56] Carlos Victorino -
Reminiscência - págs. 73 a 76.
[57] Consta, afinal, com
base num recenseamento, que o Patriarca não nasceu ali e sim em frente, num prédio de seu pai, que talvez ainda existisse naquele ano de 1888. O
assunto presta-se a controvérsia. Preferimos ficar com a tradição popular e da própria família. Quanto à sua morte, todos sabem que ocorreu em
Niterói (São Domingos de Niterói), vindo seus restos, mais tarde, para o Carmo de Santos.
[58] Nunca houve em Santos
tão grande comemoração. Observa-se no quase exagero de tantos dias de festas e ausência do trabalho que a sociedade e o povo comemoravam, assim, o
exagero também e a enormidade da sua própria luta, dos seus imensos sacrifícios de tantos anos, terminados com vitória, e não apenas o ato rápido,
suave, sem esforço, da Princesa Isabel.
[59] Martim Francisco -
A Campanha Abolicionista - 1879/1888 - pgs. 264, 265, 273, 274, 275 e outras.
[60],[61]
As palavras de Martim Francisco, que, infelizmente, não era filho de Santos, e do Diário de Notícias, um jornal de S. Paulo, valem por uma
História isenta de paixão ou excesso regionalista, como absolutamente insuspeitas em relação ao abolicionismo santista. |