Interior da Cadeia Velha da Praça dos Andradas
Foto: Carlos Pimentel Mendes, em 17 de maio de 2007
Uma penitenciária para Santos
Pesquisa histórica e texto de Geraldo Ferrone
Pouco se divulgou sobre pelourinhos, prisões, cadeias e casa
de suplício. Conhecemos apenas cadeias criadas no século passado para produzirem efeito correcional nos perturbadores que se embriagavam por hábitos
festivos ou mesmo por vício. As penas aos infringentes das leis eram constituídas de séries de chibatadas, ou chicotadas.
Essas armas agressivas eram feitas de couro cru, tendo na ponta algumas tiras chamadas
guascas, que causavam lanhaduras nas costas do ladrão de galinha ou escravo fugitivo da casa do senhor. Noutros centros regionais de cultura
de cana, principalmente no ciclo do açúcar, o Brasil teve destaque singular, conforme conta Gilberto Freire em Casa Grande e Senzala.
O emprego do castigo pela forma acima generalizou-se por todo o Brasil, como medida
correcional. Quando ocorriam fatos mais ou menos importantes, tentativa de morte, assassinato, conquista ou atentado ao pudor, aplicava-se o tronco,
que era uma árvore cortada, com recôncavos para colocar os braços e a cabeça do criminoso; também havia outro castigo, que consistia em canga
encaixada no pescoço, ficando os braços para cima. Para comer ou beber dependia o punido da generosidade do povo. Somente o direito de locomoção era
permitido a este último; o do tronco ficava dentado no chão, de bruços. Comia como animal, tratado barbaramente, na maior sujeira do local
reservado, ou seja, num barraco de palha. De quando em vez jogavam-se latas de água no corpo.
Nos vilarejos mais adiantados funcionava o
pelourinho [*]. Era uma coluna quadrada de pedra, de 3 metros de
altura, tendo no cimo uma esfera esculpida, representando o mundo, e tendo no cimo uma esfera esculpida, representando o mudo, e tendo no cimo uma
esfera esculpida, representando o mundo, e tendo no cimo uma esfera esculpida, representando o mundo, e duas hastes horizontais com duas argolas
penduradas, onde a corda corria facilmente quando tinha de ser enforcado alguém.
Em Santos funcionaram o pelourinho e a chibata. O uso do pelourinho não era somente
pela execução da pena capital; também servia para castigos corporais. Pendurava-se o coitado preso pelas pernas ou pelos braços e depois era surrado
a valer com o número de chibatadas, ou chicotadas, determinado pelo ofendido.
Dos registros carcerários de Santos, período que aconteceu no ano da Libertação dos
Escravos, constavam lavrados os nomes dos escravos que se aproveitavam da escuridão e do tempo fugindo para bairros da Cidade; quando presos,
recebiam o castigo determinado por seu senhor, de 20 a 50 chibatadas por dia e pão e água durante 5 dias de detenção. E quando o negro atingia a
idade média, de 35 a 40 anos, era vendido com anúncios nos jornais ao preço de 4$000 (quatro mil réis), 4 centavos hoje
(N.E.: 1971).
Um pelourinho ornamentava o logradouro mais importante de nossa Vila. Foi instalado e
inaugurado a 8 de junho de 1545, quando o insigne Braz Cubas pregava ao povo o Foral da Vila, ficando assim assinalado o ato
com o padrão da Justiça. Local: onde está hoje a Casa do Trem.
Construção de quartéis - Atrás da antiga matriz, local deserto, sem moradores,
aí foram construídos os primeiros quartéis. Frei Gaspar, nas Memórias para a História da Capitania de São Vicente, refere o seguinte: "No
tempo da deserção, caiu o pelourinho antigo que Braz Cubas havia mandado levantar entre a praia e o solo onde hoje existe a Casa do Trem.
Erigindo-se depois outro mais moderno, junto à Cadeia e Convento do Carmo, em 1697, nele, com
pouca advertência, gravaram a inscrição: 'D. Pedro 1697', sem explicar que a conta denota a época da segunda ereção; e por isso cuidaram
alguns que a Vila foi criada no tempo do sr. Rei D. Pedro, e o seu pelourinho levantado a primeira vez no ano de 1697; no que certamente se
enganaram, assim como também se enganaram os historiadores, em atribuírem a Martim Afonso de Souza a fundação da Vila
do Porto de Santos; este é o nome próprio e verdadeiro com que ela foi criada".
Correndo paralelamente ao pelourinho, uma cadeia do século XVII teria surgido no
Bairro dos Valongueiros (Valongo), onde está hoje instalada a Estação da
Santos-Jundiaí, caracterizada no pátio ao lado esquerdo do edifício da atual estação, sendo uma casa de barro comum, com portas de madeira e
pequena grade ao invés de janela, onde ficava circunscrita a prisão, servindo apenas para guardar por curto espaço de tempo o prisioneiro, que
estaria assim aguardando processo para receber sentença e concomitantemente o castigo. Essa cadeia, que podemos considerar a primeira construída em
Santos, não oferecendo nenhuma segurança para guarda de detentos, foi abandonada. Benedito Calixto, um dos maiores
pintores do século no País, pintou-a num belo quadro. Essa tela está num dos gabinetes da Prefeitura Municipal.
Pelos idos de 1725 foi construída a Casa da Câmara e Cadeia, uma imaterial e outra
material, correndo ambas numa simbiose, como se dependesse uma da outra, situada na Praça da República, onde começa a Rua Visconde do Rio Branco.
Era prédio tosco, com dois lances de escadaria sem arrimo ou corrimão, funcionando nos altos a Edilidade, e na parte baixa, como se fora um porão,
servia de cadeia. Demolido esse monstrengo, nasceu aí edifício onde funcionou o Centro Católico de Santos.
Consta também de planta antiga de 1765 a existência de um
presídio pequeno ligado com a Câmara na confluência dos Quatro Cantos, hoje Rua 15 de Novembro,
esquina da Frei Gaspar. Câmara e Cadeia, cujos fundos alcançavam a Rua da Praia com a hoje Conde D'Eu. Tinha aspecto de
calabouço, chegando até nossos dias, quando em reforma recente acabaram com o estilo. As seteiras, em forma de xadrez, introduziam a claridade única
aos detentos. Lamentavelmente, obras de raríssimo esplendor histórico são demolidas, sem a aquiescência da Comissão da História da Prefeitura
Municipal, se é que existe esse organismo.
Planejado novo presídio para Santos, sempre com o título de "Câmara
e Cadeia", foi em 1836, quando o juiz de Direito da Comarca de Santos, dr. Pimenta Bueno, solicitou ao governo estadual a construção de uma
cadeia que pudesse servir ao já elevado número de detentos que eram processados pela Justiça.
Resolvendo o governo do Estado atender à solicitação, foi sancionada a lei que tomou o
número 183, autorizando a construção do edifício que viria a servir por mais de um século à Justiça Santista, conhecido como o "Prédio velho da
Cadeia"; segundo a história, constitui o 1º edifício público construído no Brasil. É uma obra de categoria de estilo colonial, que está sendo
restaurada para servir de Museu dos Andradas.
Não tem este prédio em sua estrutura tijolo de espécie alguma: foi totalmente
construído de pedras trabalhadas com a largura de 1 metro, comprimento de 1 metro e meio e 80 centímetros de altura. Aparelhadas uma em cima da
outra com argila em toda a parte de baixo. Ao alto, as paredes foram feitas de pau-a-pique com grossa armação de madeira especial, resistindo ao
tempo e ao tráfego pesadíssimo a seu redor. Continua tudo perfeito, sem trincas ou rachaduras, que o impedissem de funcionar com a segurança exigida
para os fins a que se restaura agora.
A alavanca do Progresso vem transformando impiedosamente nossa querida cidade, esta
terra andradina que tanto sublimou a Pátria com os mais agigantados homens de inteligência, homens sábios como o Patriarca da Independência e seus
ilustres irmãos Andradas, Bartolomeu de Gusmão e Alexandre de Gusmão.
A picareta, sem respeito ao sentido patriótico, fez a Cidade crescer desordenadamente,
com uma excessiva população carcerária. Por isso, as autoridades tiveram de planejar a construção de presídio para a
segregação do infrator da Lei.
Construído esse presídio na Av. de São Francisco, apesar de não muitos anos passados,
já se demonstra velho e deficiente. E construíram um conjunto de pocilgas, à guisa de xadrez, onde num espaço de 12 metros
quadrados, com 4 camas-beliches, ficam acumulados de 16 a 20 detentos na maior imundície e promiscuidade berrantes de que se tem memória. Daqui,
deste presídio, já partiu uma nova concepção sem os arcabouços dessa espécie de se fazer cumprir pena a um ser humano, tanto como nós mesmos, nas
mais horrendas celas de pedras frias, que minam a saúde dos infelizes condenados. São reeducandos que merecem condições mais que humanas, especiais,
porque ali quem os jogou foi a própria Sociedade em que vivemos, pois relegamos a planos inferiores a educação de que essa gente precisa.
Encontra-se atualmente no Conselho Penitenciário do Estado um esboço já planificado de
estabelecimento desse gênero para ser construído em Santos, servindo para atender às zonas litorâneas e toda a Baixada. Na outra edição, daremos
trabalho de nossa autoria para mostrar concepção moderna de obra de alcance social com o título de Instituto de Reeducação Penal, como deve ser na
concepção filosófica dos grandes criminologistas do mundo.
A construção de uma Penitenciária Regional, baseada em sistema moderno de reeducação
de detentos com a instalação de escola artesanal dentro do referido presídio, com celas individuais, biblioteca, oficinas próprias de trabalho e
aprendizado vocacional, tendo sido aceito o plano que já foi transformado em processo administrativo desde o ano de 1958, em que se procura área
necessária à construção da Penitenciária.
O amontoado de detentos no atual presídio, em número elevado a mais do dobro permitido
nos xadrezes, tem sido verdadeiro atentado ao ser humano, muito embora saibamos que a Sociedade em que vivemos tem o direito de vindita; entretanto,
ela também é responsável pela delinqüência e outros fatores de orem moral que torna o cidadão um pária, um assassino ou mesmo um ladrão.
As condições atuais de vida são das mais tristes que se conheceram nesta terra, onde o
homem de 35 anos de idade não consegue trabalho nas grandes empresas, com a exigência de exame de saúde que toca às raias do absurdo: condições
físicas do trabalhador dependem de acurado exame médico que vai do pé chato ao encéfalo.
Devemos admitir que o rigor se aplicasse somente às doenças infecto-contagiosas, e não
aos casos de visão parcial, pernas tortas, insuficiência coronária, que somente o Instituto de Previdência Social responde quando o contribuinte
necessita de tratamento. Entretanto, o empregador tem seu quadro médico que anula o trabalhador com o rigor dos exames. Como complementação,
admite-se o candidato que sabe ler e escrever e em caso contrário obrigá-lo a matricular-se num curso de alfabetização de adultos, sob pena de
dispensa sem remuneração. Este seria realmente um castigo certo de combate ao analfabetismo, que ainda é uma triste chaga no Brasil.
Não serve o homem nessa idade para ser soldado da
Força Policial, não serve para a Guarda Civil, não serve para funções públicas comuns e, não sendo ainda adaptável ao amanho da terra, somente lhe
resta o caminho que não tem limite de idade: Roubar. (N.E.: o editor respeita a opinião do autor, mas não compartilha
dela).
[*]
Pelourinho - "Coluna de pedra ou de madeira, em praça ou sítio público, junto da qual se expunham e castigavam os
criminosos" (Dicionário Escolar da Língua Portuguesa)
Interior de uma das celas da Cadeia Velha, na Praça dos Andradas
Foto: Carlos Pimentel Mendes, em 17 de maio de 2007
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