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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - VISITANTES
Pianista Luis Moreau Gottschalk, em 1869

Nas páginas do jornal santista A Tribuna, o pesquisador, historiador e cronista Costa e Silva Sobrinho incluiu inúmeros textos, alguns dos quais foram mais tarde republicados como parte de sua obra Romagem pela Terra dos Andradas. Como este, na série Santos noutros Tempos, publicado na edição de 28 de setembro de 1952, na página 19 - segundo caderno - (ortografia atualizada nesta transcrição):


Imagem: reprodução parcial da matéria original

Oito dias na vida de Gottschalk

Costa e Silva Sobrinho

A locomotiva já deixava impetuosamente através do Valongo o risco fugidio da sua fumaça. Um apito, outro apito... - E, após alguns minutos, renteava a plataforma.

O trem vinha cheio. Dos passageiros desembarcados, um havia, porém, que estava rodeado de vários rapazes. Era Luis Moreau Gottschalk, o célebre pianista e compositor norte-americano, e um grupo alvoroçado de estudantes da Paulicéia que quiseram acompanhá-lo até Santos.

Defronte da estação tomaram dois carros de praça. Os estalos dos bolieiros retiniram, e os veículos entraram a sacolejá-los rodando para o Hotel Millon, de madame Aimée Louise Millon, então à Rua Direita, 36. Diríamos hoje à Rua 15 de Novembro, próximo do número 166.

Era a melhor hospedaria da cidade. Primava pelo asseio e dava ainda a impressão da família e do lar.

Ali entraram quando a tarde descia. Começava, alguns momentos depois, o macio silêncio do luar e dos sonhos.

No dia seguinte, sábado, 4 de setembro de 1869, visitava Gottschalk, logo cedo, o cônsul de seu país, William Turbutt Wright, à Rua da Praia, 28.

Contava ele boas amizades em Santos, onde era comissário de café e algodão e também agente de importantes sociedades comerciais estrangeiras. Seu filho William Turbutt Wright Junior, cuja esposa d. Francisca de Assis Oliveira Lisboa, filha do marechal Henrique Marques de Oliveira Lisboa, tinha por sua vez decidida influência na sociedade local.

Estenderam ambos mão valedora ao insigne patrício, apresentando-o nas salas das mais distintas famílias às pessoas entendidas na arte musical. Assim, puderam gozar do envolvente encanto do seu trato os drs. Henrique da Cunha Moreira, Luis Ernesto Xavier, Alexandre Augusto Martins Rodrigues, João Cardoso de Menezes e Sousa, Antonio Pereira dos Santos e José Antonio de Magalhães Castro Sobrinho, o comendador Antonio Ferreira da Silva Junior (depois visconde de Embaré), Roberto Maria de Azevedo Marques, Francisco de Paula Coelho (por alcunha Chico Cuiabano), João Alfaia Rodrigues Junior, e finalmente os mestres de música Luis Arlindo da Trindade, Manuel Joaquim da Silva, Amaro Pinto da Trindade e Jeremias Profeta da Trindade.

Fica marcado para o dia 6, segunda feira, o concerto de Gottschalk, no teatro do largo do jardim público, denominado Largo da Coroação, e hoje em dia Praça Mauá. O local era péssimo. Mas não havia outro naquele tempo. Oito anos depois, isto é, em 1877, ainda se lia no Diário de Santos o seguinte: "Acham-se nesta cidade as festejadas artistas - meninas Riosas, que de passagem para o Rio de Janeiro pretendem dar em nosso galinheiro do Largo da Coroação, por zombaria chamado teatro, dois variados espetáculos. O primeiro está marcado para o dia 24 do corrente".

Não obstante isso, o teatro ficou repleto. O escol da sociedade santista e diversas pessoas, inclusive senhoras, vindas de São Paulo, aplaudira, palmearam com delírio o poeta do piano, como o chamou ainda há pouco o dr. Carlos Penteado de Rezende, numa monografia que guardamos com desvelo.

A nossa sociedade de então acolheu e festejou com tamanho entusiasmo o notável pianista que lhe ofereceu até, no dia seguinte, 7 de setembro, um grande baile.

Cardoso de Menezes, em correspondência enviada para o Jornal do Comércio, no dia 8, e publicada a 13, sob o título "Gottschalk - Concerto em Santos", assim se enunciava:

"Gottschalk é o Orfeu de nossos tempos. Gênio criador, raio do pensamento divino, a humanidade levanta-se inteira para saudá-lo!

"E, com efeito, quem ouvirá a Gottschalk sem pensar que ele é um homem extraordinário, sem pensar que ele tem em si alguma coisa de divino?!...

"Quem o ouviu, no seu concerto, na noite de 6 do corrente, não o ficou admirando, respeitando e adorando como a um gênio, e como a um homem de espírito sobre-humano?

"Gottschalk foi aqui vitorioso por um público entusiasta do belo. De cada vez que o grande pianista se mostrava no proscênio, soavam de todos os lados aplausos estrepitosos.

"Uma chuva - não era chuva, era dilúvio - um dilúvio de flores caía sobre o insigne pianista e juncou o palco em que ele pisava como um rei que calcava o seu trono. Era a soberania popular que abraçava a realeza da arte. Dilúvio de harmonias, dilúvio de flores, eram um jogo de sentimentos, de entusiasmo, que elevavam o artista e o povo que o aplaudia.

"Na noite de 7 foi oferecido um esplêndido baile ao artista. Honra, pois, ao público de Santos, que sabe apreciar o artista de mérito, bem como a essa falange de entusiastas que veio de São Paulo para aplaudir o eminente pianista americano! Quem me dera sempre poder vê-lo e admirá-lo...".

O prazer daquela noite afortunada longos dias permaneceu na exaltação dos assistentes. Fora tema obrigatório em todas as rodas.

Aquele imenso artista, que acabava de deslumbrar a nossa gente com a sua incomparável virtuosidade, sentia no entanto a felicidade do seu triunfo acidulada com uma brutal agressão. Cedamos a palavra a Penteado de Rezende:

"Eis que certo dia, talvez no de sua chegada - um desalmado dirige-lhe aí uma chalaça de mau gosto a quem o nobre êmulo de Liszt respondeu com toda a sua dignidade, mas ai! antes não respondesse! A conseqüência de lhe terem chegado a mostarde ao nariz, ao nariz daquele grande homem! foi insultarem-no ainda em cima - a murro, um poderoso murro, que lhe pôs a freguesia dos queixos a pedir misericórdia! Foram-lhe às ventas!" (vide Correio Paulistano, de 20 de junho de 1875).

No dia 10 de setembro, elo mesmo vapor em que viera, regressava Gottschalk ao Rio de Janeiro. Na mesma ocasião seguiram também para a Corte, entre outros passageiros, o desembargador Bernardo Avelino Gavião Peixoto, o dr. João Cardoso de Menezes e Souza, Antonio Teixeira de Assunção Junior, Diedrich Pezoldt, vice-cônsul da Itália em Santos, e o dr. Samuel Eduardo da Costa Mesquita.

A agressão sofrida pelo admirável artista fora objeto, na Faculdade de Direito de São Paulo, de muitos comentários. Por motivo daquele fato surgira até uma desavença entre os estudantes.

Havia um deles que tivera certa convivência com o artista e a quem o caso deixara revoltado. Chamava-se Alberto da Rocha Miranda. Freqüentava especialmente as altas rodas e não dava confiança aos colegas. Era por isso antipatizado.

Conta Almeida Nogueira, nas Tradições e Reminiscências, que se repetia, com mofa, na Academia, que, mortificado por aquele desacato ao insigne compositor, Alberto Miranda exclamara em francês:

- "Gottschalk tombé! Le génie par terre! Dieu de Dieu!"

Sob as arcadas, um dos colegas levou a brincadeira ao ponto de tirar o chapéu da cabeça, jogá-lo ao chão, e, parodiando aquela exclamação, dizer, bem alto:

- "Mon chapeau par terre! Dieu de Dieu!"

E daí se originou uma briga travada e crespa, tendo havido socos e bengaladas.

Em Santos e em São Paulo as composições de Gottschalk eram ouvidas freqüentemente. Todos os musicistas se interessavam pelos concertos que ele dava no Rio e pelas suas novas músicas.

Um dia, entretanto, uma funesta notícia contristou a todos que o tinham ouvido: aos 13 de dezembro de 1869, no alto da Tijuca, onde estava em tratamento, falecia Gottschalk.

Mas de que morreu Gottschalk?

Seria em conseqüência da agressão sofrida em Santos:

O escritor português Sanches de Frias, no seu livro sobre Artur Napoleão, publicado em Lisboa em 1913, deixa a matéria bem dilucidada. Eis aqui o que ele diz:

"A chegada do grande pianista Gottschalk ao Rio de Janeiro foi um acontecimento de alta monta. O Artur, a quem ele logo se apresentou, ofereceu-lhe todo o seu préstimo, destinou-lhe uma saleta no primeiro andar da sua casa comercial, onde até independentemente pudesse exercitar-se e compor. Não lhe era dado, porém, o acompanhá-lo nos seus concertos, como executante, por motivos que ele reconheceu e aprovou."

Artur consagrava-lhe grande admiração por sua maravilhosa técnica, e avaliava-o como homem de bom coração e elevado espírito; entretanto, quer como pianista, quer como compositor, não lhe parecia predestinado para criar uma verdadeira escola, como se provou no futuro.

As suas obras, reconhecia ainda, são quase todas iluminadas pelas centelhas do gênio; acham-se no entanto abandonadas nos grandes centros pianísticos, porque lhes falta sabor clássico, a que a sua índole irrequieta se não amoldava; e porque abusam de certas passagens ornamentais e oitavadas, reveladoras de mau gosto.

Gottschalk era pois um artista para admirar e não para imitar.

Artur, apesar deste conceito, afirma que se devem salvar do esquecimento.

Os concertos do grande pianista foram concorridíssimos, como era de prever.

Em fins de 1869, organizou ele um festival à moda da Havana, apresentando em cena quinhentos músicos, no teatro Provisório, em cujo palco armou um grande estrado, onde distribuiu a sua orquestra e bandas.

Entre as várias composições, que executou, incluiu-se a Marcha Solene, na qual intercalou o Hino Nacional Brasileiro, peça já ouvida em Valparaíso com o Hino do Chile, a cuja interposição ajudou o próprio Artur.

No final dessa composição há uma Coda, em que se ouve um simulacro de batalha, sendo então as descargas de fuzilaria, entre bastidores, também por ele dirigidas.

O grande êxito do festival aconselhou a sua repetição. Gottschalk, porém, depauperado de forças e prostrado por um abscesso no estômago, teimando em assistir ao segundo espetáculo, onde entrava Furtado Coelho, estorcendo-se em dores lancinantes, foi levado em braços ao hotel, e mais tarde transferido para o arrabalde da Tijuca, onde morria a 18 de dezembro.

Foi geralmente sentida a sua morte. Artur, que encaminhou o numeroso saimento fúnebre, teve mais tarde graves desgostos com os herdeiros do falecido, em virtude da sua casa ter comprado, em hasta pública, o espólio musical, onde entravam alguns manuscritos.

Esta compra era naturalíssima, pois que as obras que Gottschalk ultimamente compusera, no último período da sua vida, foram escritas no estabelecimento de Artur, na saleta mencionada, sendo as impressas já por este publicadas e pagas, sem regateamento, ao preço exigido.

Era justo que os editores de umas fossem os editores das outras, legitimamente compradas, em hasta pública, determinada pela liquidação do espólio.

A adulteração, de que a casa de músicas fluminense foi acusada, nunca teve fundamento, nem prova.

O elevado conceito, que Gottschalk fazia de Artur, atesta-se com vários documentos, onde entra a significativa oferenda do retrato, com que ele o presenteou, pouco tempo antes de falecer, oferenda que em francês regular dizia o seguinte: "- A Artur, o sedutor de corações; a Napoleão, o conquistador do teclado; ao prezado amigo, ao companheiro leal e firme - oferece o seu dedicado L. m. Gottschalk".

Gottschalk fascinou os brasileiros. Deu no Rio cinco audições públicas. Tocou em diversos salões particulares e foi recebido por mais de uma vez pela família imperial em São Cristóvão.

Ele assinalou época nos anais artísticos do Brasil.

A Tribuna também publicou este artigo na série Santos noutros Tempos, na página 13 da edição de 21 de setembro de 1952 (ortografia atualizada nesta transcrição):


Imagem: reprodução parcial da matéria original

Um concerto de Gottschalk

Costa e Silva Sobrinho

No dia 27 de agosto de 1869, numa arrepiada manhã de vento assaz rijo, entrava a barra de Santos o vapor nacional Paulista, de 580 toneladas, tendo como comandante Joaquim da Silva Ferreira. Era um dos melhores barcos até então empregados na carreira deste porto ao do Rio de Janeiro.

Pouco depois, canal a dentro, os remoinhos do hélice marcavam-lhe na popa uma esteira alvejante, dando a impressão dum caminho de neve na planície extensa e verde. Do costado rolavam, enfim, ondas impacientes que iam embalar pequenas canoas nos amarradouros das margens.

Já no porto, lançada a prancha sobre uma comprida ponte de embarque e desembarque, começaram os passageiros a descer.

E chegava desta feita grande número deles, passante de oitenta pessoas, entre brasileiros e estrangeiros, brancos e pretos, livres e cativos, gente fina e gente de pouco mais ou menos.

Saltaram em terra, na dianteira de todos, o dr. Inácio Wallace da Gama Cochrane, sua esposa d. Maria Luísa Barbosa da Gama Cochrane, cinco filhos pequenos, três escravos e d. Maria do Carmo Sá, órfã, na florescência incomparável dos dezessete anos, tutelada do primeiro e que viria a casar no ano seguinte com Carlos Luís de Afonseca, homem polidíssimo, cujos méritos nos exigiriam aqui extensa adjetivação. Empregadas no seu serviço, trazia por sua vez d. Maria do Carmo uma escrava e uma criada.

O dr. Inácio Cochrane já havia fixado residência em Santos alguns anos antes, quando nomeado engenheiro fiscal da Companhia de Estrada de Ferro de Santos a Jundiaí, e cujo plano se achava aprovado por decreto imperial de 13 de março de 1858.

Superintendente  da aludida Companhia era João James Aubertin, residente em São Paulo, onde morara durante os primeiros tempos no Hotel de Itália. Tinha ele como seu procurador em Santos o major João Hayden, a fim de tratar da aquisição de algumas propriedades e de terrenos para o leito da estrada. O major Hayden era gente da casa Mauá & Cia., e também procurador do barão, depois visconde de Mauá, iniciador este da grande empresa ferroviária.

Engenheiro civil, tenente-coronel comandante do 3º Batalhão de Infantaria da Guarda Nacional na Província de São Paulo, oficial da Imperial Ordem da Rosa, definidor na Venerável Ordem Terceira de N. S. do Carmo, vereador municipal no quadriênio de 1865 a 1868, presidente da Câmara no quadriênio de 1869 a 1872 e no de 1873 a 1876, o dr. Inácio Cochrane prestou a Santos serviços que merecem o mais enternecido reconhecimento.

Assim, entre as diversas melhorias introduzidas por ele no decurso do ano de 1870, conflui ao nosso espírito o contrato com Domingos Moutinho para os serviços de transportes de carga e passageiros em bondes de tração animal, que cerca de dois anos depois vinham iniciar a nossa viação urbana.

Com José Antonio Vieira Barbosa, de quem era genro, constituiu a firma V. Barbosa & Cochrane, importante casa comercial, com escritório à Rua Direita, 18, prédio que colocaríamos hoje à Rua 15 de Novembro, 173, fazendo esquina com a Rua D. Pedro II e com a Praça Mauá.

Na mesma rua, nº 27, ficava a Tipografia Comercial, onde se imprimia a Revista Comercial, jornal que contava vinte anos de existência e que saía nos dias 3, 5, 8, 13, 15, 18, 20, 23, 25, 28 e 30 de cada mês. Esse periódico e a tipografia pertenciam então ao comendador Antonio Ferreira da Silva, ao dr. Inácio Wallace da Gama Cochrane e ao dr. José Antonio de Magalhães Castro Sobrinho, seu redator principal.

Grande respeito e delicadeza de relações existiam entre Vieira Barbosa, em quem alguns flocos de neve listravam os cabelos, e os seus filhos e genros. Conviviam germanados em frutuosa intimidade. Eram, por isso, influências vencedoras na praça e na política, o que lhes produzia de vez em quando alguns salpicos das lamas do mundo. Ponhamos um exemplo:

O Diário de Santos, de 12 de outubro de 1872, numa nota sob o título Coincidências, adoçando a censura com o gracejo, escrevia: "A casa de comissões que gira sob a firma V. Barbosa & Cochrane compõe-se de um comandante superior, um juiz municipal suplente, um delegado de polícia, um presidente da Câmara, um inspetor de instrução pública, um promotor público, um advogado da Câmara, um da Companhia de Melhoramentos, dois membros da comissão censitária dissolvida e paga, um inspetor de quarteirão e vários oficiais da Guarda Nacional. Falta um juiz de direito, um juiz de paz e um meirinho para organizar-se aí o fórum santista".

Essa mesma folha voltava à carga em 6 de julho de 1876, subindo de ponto a censura nestes termos: "O atual juiz municipal, dr. Inácio Wallace da Gama Cochrane, sendo embora curador geral de órfãos e promotor público o dr. Magalhães Castro, seu sócio e concunhado, funciona como juiz municipal e de órfãos com aquele parente, resultando daí termos juiz e parte, parentes e sócios entre si, um requerendo e outro despachamos. Chamamos a atenção do dr. juiz de Direito para este estado anômalo do foro de Santos".

Tais asserções, recebia-as porém a generosidade do povo com grande ceticismo. Ao dr. Inácio Cochrane, homem às direitas, não conseguiam os depreciadores obscurecer-lhe o bom conceito de que gozava na opinião popular.

Em 1885 deu-se o nome de Rua Dr. Cochrane a uma das vias públicas da cidade, consagração que, naquele tempo, sobredoirava de fato os homens limpos de mãos e zelosos defensores dos interesses do povo.

No ano seguinte, a 4 de fevereiro, faziam-lhe ainda entrega do diploma de deputado geral. E, por esse motivo, promovia o Partido Conservador uma festança rasgada com todo o barulho. Houve passeatas ao som da fanfarra de Luís Arlindo da Trindade. Iluminaram-se com arcos de gás as ruas principais do centro urbano. Foi uma das mais belas homenagens preiteadas, entre nós, a um membro do Poder Legislativo.

Em remate, era ele contra as camarilhas negreiras e pela emancipação dos escravos. Em 1888, logo após a vitória final do abolicionismo , ao diretório do Partido Conservador desta cidade enviava o dr. Cochrane, como representante do sexto distrito na Câmara dos Deputados, este significativo telegrama: "No momento em que radiante se ergueu a pátria livre, saúdo o eleitorado que me proporcionou a glória de contribuir com um voto para a realização da nobre aspiração nacional".

As cinco flores em que o seu amor até então se desabotoara, dois meninos e três meninas, chamavam-se Tomaz, de 7 anos; Robertina, de 6; Helena, de 4; Inácio, de 3; e Georgina, de ano e pouco. As duas primeiras vieram a ser d. Robertina Cochrane Simonsen, casada com Sydney Martin Simonsen, e d. Helena Cochrane Suplicy, casada com Luís Suplicy. Os contemporâneos veneram a memória de ambas pelos benefícios que souberam prodigalizar e porque foram dotadas das mais puras virtudes antigas.

Revertamo-nos aos outros passageiros que continuavam a desembarcar. Desafogados da angustura de féretro dos camarotes, folgavam com se verem livres deles.

Ouviam-se vozes ásperas e estridentes, vozes agradáveis e musicais falando diversos idiomas.

Desceram em seguida Carlos de Vasconcelos de Almeida Prado, filho do capitão Francisco de Almeida Prado, por alcunha o Chapa, outrora proprietário de importante fazenda de cultura de cana de açúcar em Itu.

O coronel Francisco Emílio da Silva Leme e sua família. Era ele escrivão de órfãos e influente chefe do partido liberal em Bragança. Fora eleito, nos últimos tempos, deputado provincial.

O dr. João Guilherme de Aguiar Whitaker, nascido em Santos em 1824, filho de Guilherme Whitaker, vice-cônsul britânico, e de sua mulher d. Angela da Costa Aguiar, formara-se em Direito na Faculdade de São Paulo em 1840.

Antonio Mariano de Azevedo Marques, empregado da Alfândega, como fiel de armazém extranumerário, mas efetivado em 1871. Nesse mesmo ano tinha ele uma loja de fazendas à Rua Direita, 72. Era solteiro, e faleceria em 1887, de uma lesão cardíaca, aos 62 anos de idade. Não devemos confundi-lo com o seu ilustre homônimo, apelidado Mestrinho, que já não existia desde quase meio século antes.

Pedro Ramos Nogueira Júnior, filho do barão de Joatinga.

João de Sousa Carvalho Júnior, Antonio Joaquim Dias, Antonio de Freitas Guimarães, José Alves Pinto, Marcos da Silva acompanhado de dezenove escravos, e muitos outros passageiros. A lista de todos eles seria longo e até cansativo reproduzi-la aqui.

Desse copioso elenco, que se encontra no Jornal do Comércio de 26 de agosto de 1869, não podemos deixar de salientar o nome de Luis Moreau Gottschalk, insigne pianista e compositor americano, que vinha dar em São Paulo alguns concertos.

Alto, magro, de cabeleira e bigodes louros, tinha ele uns olhos claros e tão contemplativos que pareciam imobilizados por algum pensamento absorvente. A lucidez da sua inteligência rivalizava com os afetos nativos do coração. Conhecia a preceito cinco idiomas. Na sua fronte nobre a bondade esplendia. Via na amizade um dos mais alevantados sentimentos humanos.

Como pianista, era um virtuose assombroso pela agilidade, justeza e delicadeza de execução. Deixara-se, infelizmente, dominar pelos prazeres. Amava imenso os decotes e os perfumes. As suas proezas galantes foram inumeráveis.

Tendo o vapor Paulista aportado em Santos no dia 27 de agosto de 1869, como já dissemos, nesse mesmo dia rumou Gottschalk para São Paulo. Ali chegando, viu-se para logo rodeado da mocidade acadêmica e de distintos cavalheiros. Fez pouco depois relações com alguns artistas da Paulicéia, como Gabriel Giraudon, Emilio do Lago e Luis Maurice. Foi ouvido em várias reuniões particulares.

O primeiro concerto, que seria no teatro São José, estava marcado para as 8 horas da noite do dia 1º de setembro, conforme o programa publicado pelo Correio Paulistano, no dia anterior. Naquela noite, entretanto, na platéia do São José não havia quase ninguém.

Gottschalk, que vinha recebendo aplausos universais das assistências mais cultas e numerosas da Europa e das Américas, ficou perplexo com a ausência dos paulistanos. Entediou-se daquele inesperado desinteresse. Mandou que se abrissem as portas do teatro, proporcionando dessarte ao povo entrada franca. A assistência, apesar de tudo, foi ainda muito diminuta.

A música de Gottschalk arrebatara os sentidos, diluíra o mais suave enlevo naqueles poucos ouvintes que o aplaudiram, batendo palmas estrondosas, sobretudo ao florear ele no piano o Hino Nacional Brasileiro.

A imprensa festejou e celebrou o laureado compositor.

Um segundo concerto, que estava anunciado para o dia 5, fora entretanto suprimido, porque Gottschalk, no dia 3, arrumava as malas, e deixava a Paulicéia com destino a Santos.