Leonor de Lencastre
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O nome da fundadora das Misericórdias
"Leonor... Lianor... Eleonora... Lianora... Alienora...
Eulianor... Lenore... - Misericordiosa... Compassiva... " El-Nor ou !Allah nuur, ou "noor" (em árabe): DEUS É A LUZ.
(Dr. Francisco J. Velozo)
LEONOR DE LENCASTRE
"Durante oito séculos sentaram-se no trono de Portugal apenas cinco rainhas nascidas
em terras lusitanas: Dona Leonor Teles, a "Flor de Altura", mulher Del Rei Dom Fernando; Dona Izabel, casada com Afonso V; Dona Leonor, esposa de
Dom João II; e as duas infantes reinantes, Dona Maria I, que sucedeu a seu pai, el-rei Dom José e Dona Maria II, filha do Imperador do Brasil, Dom
Pedro I.
Dentre elas, destaca-se, pela formosura, inteligência e, sobretudo, pelo muito que
sofreu e pelo bem que espalhou, Dona Leonor, a fundadora das Casas de Misericórdias, filha do Duque de Viseu, Dom Fernando, Grão Mestre de Aviz, e
Grão Mestre de Santiago; neta Del Rei, Dom Duarte e duas vezes bisneta de Dom João I, Dona Leonor, a "Rainha dos sofredores", era de temperamento
muito diverso do seu real consorte. Ela, linda e faceira, era impressionantemente bondosa. Tinha a fisionomia suavíssima, marcada pelos olhos azuis
e cabelos louros, herdados de sua bisavó, Dona Filipa de Lencastre.
Ele, sangue e alma dos Príncipes da Casa de Aviz. Bravo até a mais audaz intrepidez.
Vontade de ferro. Coração de pedra. Só tinha uma preocupação: o engrandecimento da Pátria pelo fortalecimento do poder real. O destino colocou desde
cedo em suas nobres mãos, ora a espada, ora o punhal, com que deveria vencer os africanos, ou apunhalar fidalgos inimigos.
Ela, Rainha exemplar. Ele, um dos maiores, talvez o maior Rei de Portugal.
A vida da Rainha desdobra-se em três fases bem distintas: a primeira, até a morte do
filho, período não muito longo, mas em que Dona Leonor foi uma eleita da Felicidade.
("... Pela tarde de 12 de julho de 1491, tarde de calor sufocante, o Rei resolveu
banhar-se no rio e convidou o jovem, que se recusou. Quando o pai partiu, reconsiderou, perguntando-se se não ofendera o progenitor com a recusa.
Desceu e mandou aparelhar uma mula mas, porque esta demorara, vendo D. Afonso chegar o estribeiro-mor com um cavalo ajaezado a seda negra, mandou
apear o homem e montou o veloz cavalo na certeza de que alcançaria o Rei antes de este chegar ao rio. Sem que se saiba porque, andou a passear ao
longo da margem, sendo aconselhado por D. João de Menezes, a quem encontrara, para mudar de montada que aquele cavalo era perigoso. O Príncipe
continuou a correr até que o cavalo se assustou ou tropeçou e caiu, acabando por espezinhar o Príncipe que, derrubado, jazia no chão inconsciente.
Foi transportado para uma humilde cabana de pescadores; chamados os físicos que nada puderam fazer, ante o desespero do pai, da mãe e da jovem
mulher que abraçavam o príncipe em agonia.
Afastada a última esperança, D. João II beijou até quase gastar as mãos frias do
filho, olhando o rosto amado, não se perdoando por ter convidado o filho a acompanhá-lo.
No dia seguinte, 13 de Julho, o Príncipe morreu...")
A segunda, até 1496, quando lhe morreu o esposo, fase em que ela curtiu as mais cruéis
aflições; por fim, durante 30 anos ainda, até deixar este mundo, em 1525, quando tão bem mereceu o benemérito epíteto: "Flor da Caridade".
Casada aos 12 anos de idade com o primo, jovem de 15, Dona Leonor só teve vasa, no
linguajar de Damião de Góis, dois anos depois. Realizara a princesinha o mais lindo sonho de uma infanta de Portugal: casava com o herdeiro do
trono, e um dos mais belos rapazes de seu tempo. Aos dezessete anos nasceu-lhe o filho, que recebeu o nome do avô paterno. Nessa época, acesas
andavam as lutas entre as casas reinantes de Castela e Portugal, a propósito da sucessão de Henrique IV. A infanta, dona Izabel, fez-se aclamar
Rainha, em Segóvia, em prejuízo da sobrinha, a Beltrajana, cujos direitos ao trono eram amparados por Dom Afonso V, de Portugal. Nessa altura, o
príncipe dom João conheceu a formosa dona Ana de Mendonça, que tantas lágrimas fez Dona Leonora derramar...
A guerra da sucessão na Espanha terminou pelo Tratado de Alcaçovas, pelo qual o filho
único de Dona Leonor, com menos de cinco anos de idade, lhe foi tirado para ser entregue em "terçaria" à Infanta D. Beatriz, só lhe sendo restituído
quatro anos depois. Parecia terminado, com a volta do filho, o pesar da Rainha, mas na verdade, começa pouco depois o seu calvário. Por morte de
Afonso V, em agosto de 1481, sentara-se novamente Dom João II no trono de Portugal, pois por ele já havia passado cerca de um ano, quando seu pai
abdicou e tornou a assumir o régio governo. Balanceando o poderio e a riqueza dos nobres com o pouco que cabia ao erário real, concluiu Dom João II:
"Meu pai deixou-me apenas as estradas do reino em senhorio".
As prerrogativas e apanágios dos fidalgos sofreram violento golpe. O Rei saiu vencedor
em tão feroz luta. E a Rainha, sem forças para defender os que lhe eram caros, aproximou-se quanto pôe de Deus, a fim de alcançar perdão pelo sangue
derramado para consolidação do poder real.
Depois de viúva, dona Leonor consagra-se inteiramente a obras de benemerência.
Dedicou-se às artes, às letras e aos sofredores. Cuidou das capelas Imperfeitas (cujo nome deveria ser Capelas Inacabadas), do famoso Mosteiro da
Batalha, de Santa Maria da Vitória, onde deveriam repousar eternamente seu avô, Dom Duarte; o tio e sogro Dom Afonso V; o marido D. João II e o
pranteado filho, o Infante D. Afonso. Protegeu decisivamente a Gil Vicente, o fundador do teatro português. Na infância ainda da arte de Guttemberg,
Dona Leonor fez imprimir à sua custa a famosa "Vita Chrissti", d. Cartusiano, traduzida por Valentim Fernandez. Custeou a publicação de
muitos outros livros, entre os quais as Viagens de Marco Pólo, os Atos dos Apóstolos e o Espelho de Cristina.
Dona Leonor já havia fundado, em vida do marido, o Hospital das Caldas, nome mudado em
sua honra para Caldas da Rainha. Sustentou-o com suas rendas e, quando essas se esgotaram, vendeu suas jóias pessoais para pagar as dívidas do
Hospital. Fundou vários conventos, entre eles o da Madre de Deus, em Lisboa, onde Dona Leonor repousa em campa rasa, ao lado de sua irmã, a duquesa
de Bragança, depois de ter feito, no dizer de Carolina Michaelis de Vasconcelos, "a favor da civilização e da humanidade, mais que qualquer outra
rainha portuguesa".
O maior ato de benemerência de Dona Leonor foi, sem dúvida, a fundação da Santa Casa
da Misericórdia de Lisboa. Iniciativa exclusivamente sua, lembrança do frade Contreiras, idéia transplantada de Florença, ou imitação da China, a
verdade é que a instituição benemérita medrou admiravelmente, e multiplicou-se em Portugal e Colônias, conservando sempre o espírito magnânimo que
lhe imprimiu a rainha.
As obras de misericórdia da Santa Casa, prescritas pelo seu compromisso original, eram
sete espirituais e outras tantas temporais.
As espirituais obrigavam os irmãos: 1) a rezar pelos vivos e pelos mortos; 2) a dar
bom conselho a quem o pede; 3) a castigar com caridade os que erram; 4) a consolar os aflitos; 5) a sofrer com paciência as injúrias; 6) a anular as
desavenças; 7) a amparar os expostos e ensinar os simples.
As obras de misericórdia corporais, segundo o ideal de Dona Leonor, são: 1) remir
cativos; 2) visitar os presos, confortando-os; 3) cobrir os nus; 4) dar de comer aos famintos; 5) curar os enfermos; 6) dar pousada aos peregrinos
pobres; 7) dar assistência aos condenados e enterrar os mortos.
O hospital termal das Caldas - o primeiro em todo o mundo
"Como quer que uma obra tão grandiosa como a fundação deste majestoso Hospital das
Caldas não podia ter princípio senão de algum motivo grande, e este não consta das crônicas do Reino, nem nas memórias, que todas desta matéria
conhecerão com perfeição a virtude do silêncio, valer-me-ei assim das inferências e conjecturas como de algumas tradições, que nas coisas antigas
têm grande força de verdade, mormente quando na fundação de uma obra tão superior havia de proceder algum motivo Santo, e de grande piedade. Este
Santo motivo declarou a mesma Rainha nas súplicas que fazia aos Sumos Pontífices dizendo que, movida de piedade com os pobres de Cristo, edificara
com grandes despesas de sua fazenda no lugar das Caldas, um magnífico hospital por louvor de D. e da Virgem Maria e por usar de Caridade para com os
próximos, e por ser bem de muitos pobres.
E em outra súplica diz: que desejando trocar os bens da Terra pelos do céu, e os
transitórios pelos eternos, movida de piedade para com os pobres de Cristo, fundara um suntuoso hospital. De modo que este foi o motivo santo e
principal deste grandioso edifício, e talvez a moveria o exemplo do Santo Rei Luiz IX da França, como se refere na sua vida que depois da morte de
sua mãe a Rainha D. Branqua se entregou todos às obras de piedade: "Totus se dedit pietatis officiis: e assim, com muita razão, podemos dizer
que esta nossa Rainha D. Leonor, depois que perdeu a companhia de seu filho o Príncipe D. Afonso e o amparo de seu marido El Rei D. João II, tratou
de exercitar todas as obras de piedade, das esmolas, casar órfãs, amparar viúvas, resgatar cativos, instituir Irmandades, edificar Conventos e a
mais superior de todas elas, continuar com fervoroso zelo com toda a perfeição a fundação deste hospital, que em vida do Rei seu marido, lhe tinha
dado princípio, porém, entendo que houve alguma intercadência na continuação da obra por falta de sua pessoal assistência, por ser ela necessária no
governo de sua casa real em vida do marido Rei que diligências alheias pouco valem se faltam as próprias".
(Frade Jorge de São Paulo em A Rainha D. Leonor e as Misericórdias Portuguesas) |