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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - ESTRADAS
História da São Paulo Railway (2)

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Em 1979, a ferrovia São Paulo Railway, estatizada como parte da Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA ou Refesa), planejava mudanças no trecho de transposição da Serra do Mar. Os estudos foram reportados em matéria do jornal santista A Tribuna, na edição de 29 de abril de 1979:
 
Na Serra do Mar os projetos de nova cremalheira

Texto de Áureo de Carvalho
Fotos de Sílvio Guimarães

Há 1 ano, mesmo contra a vontade da superintendência e dos demais funcionários, a Rede Ferroviária Federal praticamente suprimiu os trens de passageiros entre o Planalto e a Baixada, para atender quase que exclusivamente à demanda de cargas entre Paranapiacaba (Alto da Serra) e Piaçagüera (Baixada).

O fato, que se perdeu entre o noticiário da imprensa, não teve (felizmente, para a RFF) maiores repercussões, mas desgostou profundamente os passageiros habituais dos trens, acostumados, desde os tempos da SPR, a viajar pela estrada de ferro, rumo ao Planalto ou de São Paulo para Santos.

Para a ferrovia, entretanto, o atendimento à demanda de cargas (principalmente de minérios destinados à Cosipa) era uma questão tanto de honra como de sobrevivência: com a cremalheira chegando à saturação e a desativação do velho funicular, a única alternativa era a retirada pura e simples das composições de passageiros, dando lugar aos trens de carga, estes rentáveis, e aqueles deficitários mas assim mesmo mantidos, para cumprir a função social da qual são pioneiros, no Brasil e no mundo.

A supressão dos passageiros nas viagens Planalto-Baixada não resolveu o problema da RFF, porque em menos de três meses a demanda de cargas aumentou, cobrindo praticamente todos os vazios deixados pelos passageiros. Agora, como novo paliativo, a ferrovia federal já adquiriu e vai receber, até o final do ano, quatro novas locomotivas especiais para operar na cremalheira, elétricas, e duas a diesel, o que permitirá elevar a capacidade de transporte para 18 ou 19 milhões de toneladas por ano. Isso, segundo projeção da própria RFF, com base numa provável demanda de minérios para atender à expansão da Cosipa e do parque industrial da Baixada, dará para agüentar o crescimento do transporte por um ano, talvez dois.

E depois? A resposta é do engenheiro Pedro de Andrade de Carvalho, assistente da superintendência da SR-4 da RFF: "Se em 1982 não estiver pronto e em operação um novo sistema de tração para vencer os 800 metros de desnível entre o Planalto e a Baixada, haverá um colapso no transporte, com reflexos diretos na economia de São Paulo e do Brasil. Que disso ninguém tenha dúvidas. Nem tampouco que a ferrovia entrará nesse colapso, com todas as conseqüências".

Nova cremalheira

A SR-4, que substituiu a extinta Santos a Jundiaí, já definiu que deve ser construída uma nova cremalheira na Serra do Mar, e já sabe que a instalação demandará dois anos de trabalho ininterrupto.

Mas para chegar a essas conclusões definitivas, a ferrovia fez longos e acurados estudos, técnicos e de viabilidade, que começaram, praticamente, há 15 anos, quando foi projetado e delineado o sistema de cremalheira-aderência existente. Hoje, na RFF, ninguém mais esconde que a cremalheira, construída pelos soturnos e enigmáticos japoneses, deu muitas dores de cabeça à ferrovia; chegou ao descrédito popular e quase foi abominada como um mau negócio feito pelo Governo.

O descrédito, que nasceu com a curiosidade que cercou o empreendimento - até então inédito em características no mundo -, ganhou corpo (e muitos detratores) quando uma das locomotivas elétricas tombou, com três vagões, em Piaçagüera, depois de uma corrida serra abaixo, sem freios que a detivessem. A cremalheira estava em testes, na época, e apesar das vítimas que o acidente provocou, a RFF não podia oferecer de pronto maiores explicações. Não podia, por exemplo, explicar que a cremalheira colocada na Serra do Mar era inédita, pelas características, e que por isso mesmo teve que ser inteiramente idealizada e projetada a partir do zero, porque no mundo não existia uma estrada de ferro similar, vencendo 800 metros de desnível, e com rampas de 8 a 10 por cento, sem o auxílio de cabos de aço.

Hoje, meio tímida pelas circunstâncias, a ferrovia federal já pode confessar que não tinha know-how suficiente para exigir um know-how à Marubeni japonesa na construção da cremalheira. Por isso, foi entregue à própria Marubeni o projeto técnico das locomotivas elétricas que deveriam operar na Serra do Mar. O resultado foi lógico: a Marubeni, que entendia bastante de cremalheiras, desenhou uma locomotiva que outra indústria japonesa, a Hitachi, construiu de acordo com os projetos. Os freios utilizados nas primeiras locomotivas, conforme ficou provado depois do acidente de Piaçagüera, não eram os ideais e nem suficientes para suportar as condições do traçado ferroviário existente.

A definição das responsabilidades, pelas circunstâncias, acabou dividindo-se entre a Marubeni e a Hitachi, cujos técnicos passaram mais de um ano tentando aparar as arestas, acusando-se mutuamente para provar a confiabilidade do sistema de cremalheira-aderência e defender o renome mundial que ambas desfrutam. Quanto custou esse ano de ajustes à Marubeni e à Hitachi, a RFF não conhece. Mas sabe que a cremalheira é boa, oferece a segurança desejada, e por isso mesmo será duplicada.

As necessidades, o estudo e as múltiplas conclusões

No fim da década de 1940, a então SPR (São Paulo Railway) possuía na Serra do Mar, entre Paranapiacaba (Alto da Serra) e Piaçagüera (Cubatão) dois sistemas funiculares de tração, com cabos e roldanas.

Basicamente, o sistema operava assim: uma locomotiva especial (loco-breque) possuía fortes garras que se fixavam nos cabos de aço. Estes eram movidos sobre roldanas, puxados por grandes máquinas fixas dispostas ao longo de todo o traçado, nos chamados patamares. Amarrados (pelas garras) aos cabos de aço em movimento, os loco-breques se movimentavam para cima ou para baixo, enquanto outros loco-breques subiam ou desciam, também amarrados, formando um contrapeso de balança perfeito.

Esse sistema, que se deve à engenharia inglesa do século passado (N.E.: século XIX), vinha atendendo satisfatoriamente às necessidades da ferrovia, até que a demanda de transporte suplantou a oferta e a capacidade.

Isso ocorreu na década de 50, devido principalmente às importações, via Porto de Santos, dos derivados de petróleo. Foi também por isso que a própria Santos a Jundiaí (denominação dada à SPR depois da encampação pelo Governo Federal) construiu um oleoduto da Baixada ao Planalto, posteriormente transferido à Petrobrás. Crescendo a demanda de fretes e cargas, e sem condições de ampliar os dois funiculares, a ferrovia desativou um deles, considerado anti-econômico, e sobrecarregando o outro, a tal ponto de serem desprezadas as condições mínimas de segurança mantidas desde os tempos da SPR.

Paralelamente, foram iniciados estudos para a construção de um novo sistema de tração, aproveitando em parte ou no todo o traçado do funicular desativado. Os estudos iniciais foram conduzidos para o sistema de simples aderência, igual ao idealizado pela então Estrada de Ferro Sorocabana, na mesma Serra do Mar, mas foram de pronto abandonados: para vencer o desnível de 800 metros da Serra seriam necessárias rampas médias de 2 por cento, o que alongaria o percurso existente de 13 para 40 quilômetros.

A idéia seguinte, que chegou a ganhar mais corpo entre os engenheiros da atual Rede Ferroviária Federal, foi a aplicação de locomotivas possantes no trecho da Serra, porém empregando rodas pneumáticas.

Se por um lado havia um fabricante mundial que poderia fornecer as locomotivas desejadas (de 700 a 800 cavalos), pelo outro, todas as fábricas mundiais de pneus responderam com evasivas sobre a viabilidade de construção de pneumáticos dentro das especificações exigidas para o tipo de serviço a ser prestado. Somando-se a isso o tamanho incomum de cada locomotiva, que ocuparia grande espaço nos pátios existentes, veio o veto final ao projeto.

Do funicular centenário à discutida cremalheira

Há diferenças fundamentais, e principalmente de operação, entre o funicular dos planos inclinados e a cremalheira-aderência. Os únicos pontos em comum são a cota (altura) a ser vencida, que é de 800 metros, e os objetivos ou funções, que são o transporte de carga e passageiros.

No funicular, com cabos e roldanas, de patamar a patamar (cinco ao todo), cada pequeno trem (de até 128 toneladas) cobre a distância em 7,5 minutos, totalizando 40 minutos na viagem de Paranapiacaba a Piaçagüera. Na cremalheira, sem o auxílio de cabos, o trem é movimentado pela tração da locomotiva, que possui rodas dentadas. As rodas dentadas correm sobre um trilho, também dentado, entre os trilhos da bitola comum. Todo ponto de apoio da cremalheira, portanto, se fixa na roda e no trilho dentados, porém o sistema de freios das locomotivas atua duplamente, na roda dentada e na bitola comum da ferrovia.

Na cremalheira há o limite de 540 toneladas por trem ou viagem. O percurso de Piaçagüera a Paranapiacaba é coberto em 25 minutos, com duas locomotivas acopladas num só comando, que desenvolvem velocidade de 25 quilômetros por hora na subida e 22 na descida. Para operá-la, foram adquiridas oito locomotivas, uma das quais foi avariada no acidente de 1975. Das sete restantes, quatro trabalham acopladas duas a duas e as três restantes só operam eventualmente, devido aos problemas de manutenção diária. Com as quatro locomotivas em operação, a Rede Ferroviária Federal programa trens de seis em seis minutos na cremalheira, três no sentido de subida e outros tantos na descida, praticamente nas 24 horas do dia, dependendo da demanda.

As projeções - Os estudos iniciais para implantação de uma nova cremalheira na Serra do Mar, executados pela própria SR-4 da Rede Ferroviária Federal, dependem do projeto de engenharia definitivo, que será contratado com firma especializada. A execução, entretanto, vai depender da alta direção da ferrovia, do Ministério dos Transportes e do Governo Federal, devido à inexistência de recursos orçamentários para a obra. Mas já se sabe, por exemplo, que a nova cremalheira será instalada no lugar do funicular dos Planos Inclinados, ocupando o traçado existente, para reduzir os custos e não danificar a Serra do Mar.

Basicamente, toda a estrutura do funicular será utilizada pelo novo sistema, com os mesmos 13 túneis e 16 pontes ou viadutos. Os túneis, por exemplo, não vão exigir grandes obras. Pontes e viadutos, entretanto, vão precisar de grandes reformas ou até de reconstrução total, evidentemente com o emprego de concreto armado, para substituir velhas estruturas de ferro e aço, algumas com até 80 anos de uso, e por isso mesmo sofrendo há tempos da fadiga do material. A drenagem do traçado, sem necessidade de aterros e nivelamento, e a consolidação de taludes, morros e encostas, serão por outro lado totalmente aproveitadas, o que vai contribuir ainda mais na redução dos gastos.

Quando a nova cremalheira estiver pronta e em condições de operar, a projeção feita pela RFF é de fazer a circulação dos trens da forma mais lógica e racional, descendo pela nova a ser instalada, e subindo pela velha - que, afinal, não é tão velha assim. Nesse acaso, a ferrovia poderá ganhar novos limites e fronteiras, encaminhando a demanda no sentido das necessidades da época, podendo operar as duas cremalheiras, a um só tempo, ora somente subindo a serra, ora somente descendo, até a saturação, que ninguém pode prever com segurança quando ocorrerá. É que em termos de Brasil tudo é possível, até mesmo a mobilização de recursos para obras, hoje aparentemente congelados e amanhã liberados em dobro, para ganhar aceleração e recuperar o tempo perdido. Sempre foi assim, dentro inclusive da própria Rede Ferroviária Federal, e por que mudaria agora?

É inegável, por outro lado, que Santos, com seu porto, e a Baixada de modo geral, serão beneficiados com a nova cremalheira na Serra do Mar, oferecendo novas opções para o transporte de mercadorias e riquezas, pelo trem, o mesmo trem que transformou São Paulo e o Brasil.

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