JABAQUARA: NAS GRAÇAS DE SUA GENTE - O bairro começou a ser ocupado no início da década de 20,
mas entrou para a história ainda no século 19. Ali estava o maior quilombo do País, símbolo de liberdade para os escravos que fugiam da opressão.
Hoje, o Jabaquara, em Santos, abriga ruas sossegadas, limpas e arborizadas. Tipicamente residencial, é orgulho para seus moradores
Imagem: reprodução parcial da primeira página de A
Tribuna de 26/4/2010
Um lugar querido por sua gente
O bairro, que engloba também o Morro do Jabaquara, abrigou o maior quilombo do
País no século 19
César Miranda
Da Redação
Um bairro com ruas calmas, limpas e
arborizadas. Tipicamente residencial, tem como principal característica o fato de a maior parte de seus moradores residirem em imóveis próprios. É
dotado de razoável infra-estrutura e guarda um dos marcos da história do Brasil.
Assim é o Jabaquara, cuja ocupação teve início na década de 1920, mas que entrou para a história
no século 19, ao abrigar o maior quilombo do País.
Nas terras administradas por Quintino de Lacerda, um ex-escravo, os
negros que escaparam das fazendas da região e do interior do Estado encontraram ali a liberdade. O quilombo foi exaltado em versos pelos poetas
Vicente de Carvalho e Castro Alves, que chamavam o lugar de Canaã dos Cativos.
De refúgio para
escravos até hoje, o Bairro do Jabaquara, que completa 115 anos em agosto, passou por várias transformações. Atualmente, o "querido" Jabaquara,
como os moradores gostam de chamar o bairro, é um lugar tranqüilo para se viver. Fazendo divisa com a Vila Mathias,
Vila Belmiro e Marapé, estendendo-se até o Túnel Rubens Ferreira Martins, guarda muita
história e tradição.
Quem vive no Jabaquara prefere enaltecer as qualidades e esquecer os problemas, considerados
mínimos, mas que tiram o sono de alguns. Eles se orgulham de terem perto a Santa Casa, o Estádio
Ulrico Mursa, a Portuguesa Santista e o Centro de Treinamento (CT) Rei Pelé. No bairro, estão ainda o Centro de
Formação do Apostolado de Santos (Cefas) e a Paróquia Jesus Crucificado.
O bairro também conta com uma Unidade Básica de Saúde, a Creche Candinha Ribeiro de Mendonça e o
Núcleo de Atendimento Integrado (NAI).
Quinta geração - Debruçada na janela frontal do chalé que fica na Rua Teodoro Sampaio,
Zulmira Duarte de Souza, de 80 anos, é testemunha do que existiu e sumiu com o tempo.
Ela nasceu na Vila Carla, um núcleo com cerca de 30 casas, pertinho do endereço onde vive há
muitas décadas.
No bairro, moram ainda seus filhos, netos e bisneto. "Meu pai e minha mãe nasceram aqui também",
contou. Dos tempos de infância, ela lembra dos terrenos com muitas verduras e das cocheiras, onde ficavam os burros e os cavalos.
Ela diz que o cheiro era tão forte que não deixa qualquer saudade daquele tempo. No fundo, a
aposentada confessa que sempre gostou da tranqüilidade do bairro. "Ficamos na calçada até meia-noite ou uma hora que é calmo", diz a filha, Sandra
Roseli de Souza Correia, de 55 anos.
A professora Fátima de Maria Costa Chaves, de 58 anos, gosta tanto do lugar onde passou a
juventude que voltou pela terceira vez ao bairro. "Aqui morei solteira, casada e agora viúva". Ela gosta do espírito de fraternidade entre os
vizinhos. "Como é pequeno, quase todo mundo se conhece. Sempre se pode contar com a ajuda deles".
O português Antônio Celestino Marques, de 68 anos, não se arrepende de ter trocado o Marapé há
quase quatro décadas para comprar uma casa no Jabaquara, onde cultiva uva e figueiras. "Aqui não tem bagunça, é muito sossegado. Só não quero ver
prédios por estes lados para não ficarmos enlatados".
O aposentado José Cláudio de Oliveira Santos, de 65 anos, sente falta do tempo em que o bairro
tinha quatro campos de várzea e que atraíam muitas partidas aos sábados e domingos. Era um dos meus programas preferidos. Outro era ver a Briosa
no Ulrico Mursa, com Maravilha, Samarone, Papa e Clóvis, entre outros que jogaram no clube na década de 70. "É uma pena que o time não fez
boa campanha este ano e caiu de divisão", lamentou.
Jabaquara, bairro e morro
Foto: Carlos Nogueira, publicada com a
matéria
Santa Casa, o primeiro hospital da América
Latina
Motivo de orgulho da Cidade e também da população do Jabaquara, a Santa Casa de
Misericórdia de Santos, antes do lugar atual, esteve em outros endereços. O primeiro hospital da América Latina foi construído em 1543, por
determinação de Braz Cubas, fundador da Vila de Santos, no sopé do Outeiro de Santa Catarina, na área onde hoje fica a Rua Visconde do Rio Branco.
Mais tarde, em 1665, a Irmandade teve que ampliar suas instalações, transferindo o
hospital para o Campo da Misericórdia, hoje Praça Mauá. Em 1836, o hospital passou a funcionar junto ao Monte Serrat, perto do Túnel Rubens
Ferreira Martins. Porém, um deslizamento ocorrido em 1928 destruiu parcialmente o prédio.
Em 2 de julho de 1945, o conjunto atual foi inaugurado, no Bairro do Jabaquara,
pelo então presidente Getúlio Vargas.
Quadros - Com capacidade para 1.400 leitos, era um dos maiores e mais bem
equipados hospitais da época. Situado numa área de 44 mil metros quadrados, tem atualmente 724 leitos.
A estrutura conta com 777 médicos, além de 3.324 funcionárias e centenas de
voluntários. Por ano são registrados cerca de 2.400 partos, 118 mil internações e 16 mil cirurgias.
Não bastasse cuidar da saúde, o hospital tem rico acervo de pinturas em suas
dependências. São dezenas de quadros. O mais importante é o do pintor Benedito Calixto, que retrata uma mãe amamentando
várias crianças. A obra se encontra na sala de reuniões da mesa administrativa do hospital.
Zulmira e sua filha Fátima destacam a tranqüilidade do bairro
Foto: Carlos Nogueira, publicada com a
matéria
Moradores reivindicam melhorias
Nas ruas do Jabaquara, as crianças jogam futbola, vôlei e brincam de
queimada. Nos últimos anos, as brincadeiras estão sendo interrompidas por conta do excesso de caminhões. Na Rua Teodoro Sampaio, quase todos os
dias, quando anoitece, mais de 20 meninas e meninos vão se divertir nas ruas e calçadas.
Para evitar acidentes e ainda garantir um espaço à garotada, os moradores
reivindicam a criação de uma quadra poliesportiva, cercada com muro e alambrado, semelhante a outras construídas na cidade.
"Temo pela vida desses meninos. É muito caminhão circulando. E se acontecer um
acidente? O ideal seria ter uma área de lazer para crianças e também para idosos", disse o estivador Paulo Sérgio Oliveira, de 44 anos. Embora
saiba que exista um (Recanto Vereador Noé de Carvalho), junto à entrada do Túnel Rubens Ferreira Martins, ele considera que é distante para
crianças irem até lá.
Além da área de lazer, outras reivindicações da comunidade são a criação de escola
municipal que atenda alunos de Ensinos Fundamental e Médio. "Hoje, para estudar, nossos jovens precisam se deslocar para o Campo Grande, Morro São
Bento e outros lugares", revela a presidente da Sociedade de Melhoramentos do Jabaquara, Neusa Ramos.
A comunidade pede ainda melhorias nas escadarias José Fernandes Cruz e José Lessa
Luz. Outro pedido é para que a Sabesp solucione o problema de mau cheiro que exala de uma caixa de esgoto em frente à Unidade Básica de Saúde,
toda vez que chove. Embora digam que o tráfico tenha diminuído na Rua José Garcia da Silveira, os moradores pedem que a P.M. continue fazendo
rondas no local.
No segundo semestre, a Prefeitura vai fazer um trabalho de drenagem e pavimentação
no bairro. Os trabalhos podem ter início em julho. Segundo a Secretaria de Infra-estrutura e Edificações, os serviços de manutenção irão amenizar
os alagamentos nas ruas quando ocorrem fortes chuvas.
A reforma das escadarias do morro é um dos pedidos da comunidade
Foto: Carlos Nogueira, publicada com a
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Depoimentos
"Aqui não tem bagunça, é calmo. Só não quero ver prédios por estes lados" - Antonio Celestino
Marques, de 68 anos, aposentado
Foto: Carlos Nogueira, publicada com a
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"Tenho saudade dos Campos de várzea que hoje não existem mais por aqui" - José Claudio de
Oliveira Santos, de 65 anos, aposentado
Foto: Carlos Nogueira, publicada com a
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