AMIZADE E TRADIÇÃO, AS MARCAS DO MACUCO - Um pássaro deu nome ao bairro santista e hoje fica só
na lembrança de quem já reside no local há muitos anos. Mas no Macuco, os moradores mais antigos ainda cultivam a tradição e os fortes laços de
amizade. Por estar próximo ao porto, acabou atraindo um tráfego pesado, nem sempre bem-vindo
Imagem: reprodução parcial da primeira página de A
Tribuna de 1/2/2010
Tradição e amizade no Macuco
César Miranda
Da Redação
O macuco bateu asas e nunca mais voltou. O
pássaro que deu nome ao bairro santista é uma lembrança dos moradores mais antigos daquele pedaço da Cidade, onde ainda hoje se cultivam tradição
e fortes laços de amizade.
Embora não tenha sumido porque ganhou o céu, uma vez que é considerada uma ave pesada e sem
muito jeito para voar, a realidade é que o desmatamento foi a principal razão que contribuiu para nunca mais se escutar o piado dessa espécie.
Por ser costumeiramente caçada, o açougueiro Francisco Manoel Sacramento, proprietário de glebas
naquela região no século 19, acabou adotando o nome do pássaro e repassando-o para seus descendentes, segundo registro
do Dicionário de Curiosidades de Santos, de Olao Rodrigues.
Um dos
moradores mais antigos do Macuco, o italiano Antônio Miguel Michellon, 83 anos, disse que nunca o viu, mas quando era menino escutou histórias
sobre o pássaro que costumava beber água em uma pequena vala que existia perto de onde é hoje a esquina da Avenida Siqueira Campos (Canal 4) com a
Rua Capitão Alberto Mendes Júnior.
Testemunha da evolução do bairro, principalmente do pedaço da Bacia do Macuco, onde possui uma
pequena oficina de caminhões, Michellon chegou ao bairro quando o presidente do Brasil era Juscelino Kubitschek
(1956-1961), depois de ter trabalhado muitos anos como mecânico em navios.
Ele disse que o lugar era perigoso porque havia freqüentemente assaltos. "Antes do regime
militar (1964), era grande o banditismo. Estava cheio de caras que faziam a vida com arma na mão. Matavam um por hora para pegar dinheiro de quem
trabalhava embarcado".
Católico apostólico romano (como gosta de se definir), ele carrega sempre o que a sua mãe dizia:
"Machuque a ti, mas nunca machuque o próximo". Muito querido pelos vizinhos, que o admiram pela vitalidade e espírito de camaradagem, Michellon
considera que hoje o bairro é mais aprazível para morar por causa da infra-estrutura, que melhorou em relação ao passado.
Do alto de um edifício de 25 andares com 88 metros, na Rua Campos Melo, uma visão parcial do
bairro
Foto: Nirley Sena, publicada com a
matéria
Era o maior de todos - Até os anos 50, era o mais habitado de Santos, com cerca de um
terço da população santista, a maior parte formada pela classe operária que trabalhava no Porto. Atualmente, tem cerca de 21 mil pessoas, ou seja,
quase 5% do total de habitantes da Cidade.
Além de populoso, era também o maior em dimensões. Antigamente, se estendia do
Entreposto de Pesca da Ponta da Praia até o Mercado Municipal.
Hoje, está reduzido em seu tamanho devido a mudanças no Plano Diretor, ficando no perímetro que compreende as avenidas Afonso Pena, Siqueira
Campos, Rodrigues Alves e as ruas João Alfredo, Xavier Pinheiro e Campos Melo.
Apesar do avanço desordenado de pátios de contêineres e tráfego intenso de carretas, alguns
imóveis antigos resistem às mudanças das características do bairro, que é também berço de três escolas tradicionais de samba (X-9, Brasil e Padre
Paulo).
Moradores demonstram satisfação com as transformações ocorridas ao longo dos anos. A pensionista
Vera Lúcia Constantino de Aguiar, 66 anos, é do tempo em que as ruas do bairro eram quase todas de terra batida, do Carnaval de rua e das festas
juninas.
"Quando vim para cá nem havia energia elétrica na rua", diz Vera, que mora nas casas populares
construídas na década de 40. "Gosto muito daqui, criei filhos e fiz amigos. A vizinhança é muito boa, parece família". Ela mora ao lado da
Igreja São Jorge Mártir, construída nos anos 60, na Praça Rubens Ferreira Martins.
"A igreja foi um elemento aglutinador dos moradores das casas populares", diz o padre Francisco
José Greco, pároco da igreja. Embora tenha mudado o perfil da população, o bairro preserva vínculos de amizade entre os atuais moradores, que
podem ser comprovados com conversas nas calçadas ou saudações gentis quando se cruzam.
VALENTIA - "Antes do regime militar, era grande o banditismo. Estava cheio de caras que faziam a
vida com arma na mão" - Antônio Miguel Michellon, 83 anos
Foto publicada com a matéria
Caminhões, um problema crônico
Por estar situado próximo ao porto, o bairro do Macuco atraiu transportadores e pátios de
contêineres nos últimos anos, provocando um movimento intenso de carretas pelas ruas.
Essa situação tem revoltado moradores e comerciantes. "É insuportável o transtorno que causam ao
trânsito. Além disso, as carretas provocam muitos buracos nas ruas", reclamou a dona de casa Rita de Cássia Menezes da Silva, que mora na Rua 28
de Setembro.
Além de lutar pela criação de espaço de lazer e posto policial no bairro, a principal
reivindicação da Sociedade de Melhoramentos do Macuco é a revisão do Plano Diretor. A entidade acredita [que] a mudança poderia amenizar a chegada
de outras empresas ligadas às atividades portuárias.
Segundo a presidente da SM, Rosana Salzedas, o desejo da comunidade é que seja alterado
especificamente o zoneamento de um quadrilátero (ruas Santos Dumont, João Alfredo, Rodrigo Silva e Eusébio de Queiroz) para zona intermediária,
deixando assim de ser classificado como retroportuária.
"Além do problema do impacto das atividades do setor no bairro, temos sofrido muito com a
desvalorização dos imóveis", lamenta Rosana.
O assunto virá à tona esse ano novamente, como já aconteceu em 2009, em reuniões e audiências
sobre a revisão do Plano Diretor e suas leis complementares. O secretário de Planejamento, Bechara Abdalla Pestana Neves, disse que tem
conhecimento da reivindicação.
Sem fazer qualquer avaliação, ele comentou que o assunto será amplamente debatido neste primeiro
semestre. "Por enquanto, não tem nada definido para o bairro. Mas sei do pleito da Sociedade de Melhoramentos".
A presidente da SM diz que a expectativa é grande. "Vamos fazer faixas e mobilizar os moradores
para as audiências", avisa Rosana.
As placas de proibição costumam ser ignoradas pelos caminhoneiros
Foto: Irandy Ribas, publicada com a
matéria
Curiosidades
Em dezembro de 1896,
funcionários da Comissão de Saneamento exploravam com uma sonda uma área próxima ao estuário, onde ficam hoje a Rua Almirante Tamandaré e um pátio
de contêineres.
Em um instante, gases se desprenderam do solo e assustaram todos que estavam no local. O boato
de que um vulcão havia entrado em erupção no bairro correu a região e atraiu centenas de curiosos.
Segundo relatos, o fenômeno foi provocado pelo contato da sonda com o solo, que estava
represando uma grande quantidade de água e gás.
O ano da criação do
bairro é incerto, uma vez que não há arquivo confirmando a data oficial. Mas sabe-se que sua ocupação deu-se por volta de 1870.
Desde 8 de outubro de 1994, quando foi criada a Sociedade de
Melhoramentos do Macuco, o aniversário do bairro é comemorado nesta data.
Caranguejos e ostras diretamente de Cananéia
MESSIAS RIBEIRO DO NASCIMENTO - 43 ANOS - O "homem do caranguejo" é famoso na Bacia d Macuco.
Ali, todos vão à procura dele quando pretendem encomendar o crustáceo para fazer uma boa caranguejada. Messias nasceu no Macuco. Só morou em dois
endereços no bairro, com o qual tem forte ligação afetiva. Atualmente, está nas esquinas do Canal 4 com Rua Capitão Alberto Mendes Júnior. A
profissão que abraçou e ajuda a manter a família começou como brincadeira em sua vida. Quando era adolescente, junto com amigos, gostava de ir
pescar no Canal de Bertioga. Nas primeiras vezes, era apenas por lazer. Logo depois teve o estalo de vender peixes para a vizinhança. A partir
daí, a fama se fez. Hoje, duas vezes por semana, ara não perder a clientela, vai buscar ostras e caranguejos em Cananéia.
Messias diz que gosta muito do Macuco.
Como toda criança de antigamente, relembra que as brincadeiras eram nas ruas de terra. A tranqüilidade reinava em absoluto. Empinava pipa,
brincava de bola de gude e jogava bola na rua. Na hora do refresco, o endereço não tinha erro: "Era nossa piscina. Lembro de pegar barquinhos com
amigos na beira e ir até o meio da Bacia e ficar mergulhando. Aliás, foi ali que aprendi a nadar". Hoje, não é recomendável mais arriscar qualquer
mergulho. Ele faz questão de dizer que os tempos são outros, mas os bons valores não foram perdidos entre os vizinhos. "A maioria que conheço é
prestativo. Dá orgulho morar aqui".
Foto: Nirley Sena, publicada com a
matéria
Fez a fama com placas personalizadas
IONALDO RODRIGUES DOS SANTOS - 45 ANOS - Nascido em Pernambuco, ele adotou a Cidade aos 15 anos.
Desde então, sempre morou e teve comércio no Macuco. Já são 30 anos no bairro que ele considera em evolução, apesar do excesso de caminhões que
ali circulam diariamente. No bairro, ele é conhecido como Naldo por conta da sua loja de placas. Em seu escritório, um letreiro antigo de plástico
chama a atenção. Não se faz mais. Apenas aqueles botecos antigos ainda possuem pendurados nas paredes.
O pernambucano aprendeu o ofício
quando era adolescente. O sustento da família 9esposa e três filhos) vem daí: a confecção de letras em placas. Atende clientes em diversas partes
da Cidade e também em outros cantos da Baixada Santista. Já ganhou mais dinheiro na atividade profissional. Hoje, devido à concorrência e
tecnologia, a clientela diminuiu. No bairro, ele sonha ver uma área destinada às crianças. "Falta espaço apropriado para elas brincarem, que não
seja na rua, onde é muito inseguro hoje em dia".
Foto: Walter Mello, publicada com a
matéria |