TRADIÇÃO

Sossego e agito unidos

Os limites são as avenidas Afonso Pena, Almirante Cochrane, Bartolomeu de Gusmão e Siqueira Campos

Flávia Saad

Da Redação

Caminhar pelo bairro, sob o sol forte do verão santista, é como percorrer as tranqüilas ruas de uma cidade do interior. No entanto, quando as luzes se apagam, a calmaria dá lugar ao agito de bares que agradam a todos os gostos. O Embaré é assim, uma mistura eclética que atrai gente de todas as partes.

A igreja do bairro, com seu estilo gótico, é uma das favoritas das noivas santistas. Sua construção começou no final do século 19: já a estátua de Santo Antônio que fica à sua frente existe desde 1956.

As casas sobrepostas, uma das marcas registradas, agora dividem espaço com edifícios que alcançam as alturas. Há quem diga que essa nova configuração arquitetônica seja responsável pelo calor dos dias de hoje.

"Depois dos prédios, aqui ficou mais quente", diz Sandra Regina dos Santos, gentilmente oferecendo um copo de água para a equipe de reportagem. Há 10 anos, ela trabalha no escritório de seguros na Rua Ministro João Mendes. Seu pai tem o imóvel, onde já morou, há mais de 30 anos. Cansou de receber propostas para vender a casa, mas diz que não considera tal possibilidade.

O leitor Ronaldo Soriano, que enviou sua opinião por meio do site www.atribuna.com.br, acredita residir no mais democrático bairro de Santos. "É também o mais simpático. Tem de tudo e bem pertinho". Para ele, que cresceu ali, a localização estratégica é outra vantagem. "Pego o ônibus seletivo em frente à minha casa, desço ao lado do meu trabalho, no Centro, e levo 25 minutos".

A lotérica que ostenta o mesmo nome do bairro tem fama de pé quente. Na segunda-feira passada, um apostador (que provavelmente mora por lá) acertou 15 pontos na Lotofácil e faturou R$ 149 mil. O dono da casa, Erivaldo Alves dos Santos, diz que essa não foi a primeira bolada ganha no Embaré. "Distribuímos prêmios toda semana", conta.

Igreja do Embaré, cuja construção teve início no final do século 19, é uma das favoritas das noivas santistas

Foto: Fernanda Luz, publicada com a matéria

Vida noturna - Ainda que se caracterize como uma área residencial, o Embaré abriga uma pulsante vida noturna. O mais famoso dos representantes é o Bar do Toninho, com cerveja gelada, bolinho de bacalhau e atendimento amigo.

Outros bares irmãos - como o Baccará, que fia ao lado, os novatos Ponto Zero, na Rua Oswaldo Cochrane, Australiano e Cheers, no Canal 4, e o Embaré, na Rua Delfim Moreira, ajudam a dar o tom da boemia.

Luiz Campos Filho, morador há mais de 40 anos, lembra de uma figura que marcou a história. "Camilo Martins, falecido no ano passado, tinha o Chiqueirinho. Vários personagens ilustres passaram por lá".

O nome do bar, na realidade, era Santo Antônio, mas o apelido nada simpático acabou pegando. Nos anos 1980, recebia as reuniões do Clube dos Glutões, em que todo mês um dos membros se encarregava de preparar um prato exótico - tudo sem interferência de Martins ou de sua mãe, Maria. O resultado era uma orgia gastronômica, com vários freqüentadores terminando a noite de barriga cheia.

Campos Filho sente saudades daquela época e do amigo. "Ele vai ficar para sempre em nossos corações. O Embaré não é o mesmo sem ele".

Vida noturna, que tem nos bares o seu principal expoente, atrai centenas de freqüentadores

Foto: Vanessa Rodrigues, publicada com a matéria

Colisões de veículos preocupam

No dia em que esteve no bairro, a equipe de A Tribuna testemunhou um acidente (sem vítimas fatais) entre dois veículos na esquina das ruas Ministro João Mendes e Álvaro Alvim.

De fato, a insegurança dos cruzamentos, somada à imprudência dos motoristas, causa inúmeras colisões. QUem reside lá está preocupado.

Em algumas vias, como a Frei Francisco Sampaio e a Benjamin Constant, a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) instalou rotatórias para minimizar o problema. A medida parece ter surtido efeito - os moradores relatam que as abatidas diminuíram.

A violência também é queixa recorrente no Embaré. Renato de Araújo conta que já roubaram seu filho Gabriel, de 11 anos, quando ele andava na rua.

"Eles não poupam nem as crianças, nem as pessoas idosas. Jogam as senhoras na parede para levar as bolsas", relata o rapaz. Normalmente, os assaltantes estão de bicicleta e se aproveitam da pouca iluminação nas ruas menores.

Equipe de A Tribuna testemunhou um acidente na esquina das ruas Ministro João Mendes e Álvaro Alvim

Foto: Fernanda Luz, publicada com a matéria

Família Carvalho: 32 anos no bairro

Américo e Maria Eugênia Carvalho são legítimos filhos do Embaré. Há 32 anos, eles estão na casa amarela de número 48 da Rua Sampaio Moreira. Lá, dividem o espaço com a filha de criação Maria do Carmo, oito cães, 11 gatos e mais de 60 pássaros.

Maria Eugênia lembra com bom humor a história de como adquiriram o imóvel. "Morávamos na Rua Artur Bernardes e estávamos procurando uma casa. Não costumava passar por aqui. Mas era Dia da Independência e o desfile cívico fechou todas as vias alternativas. Foi assim que vi a casa e me encantei".

Construída em 1912, a residência mantém algumas das características originais, como o trabalho de concreto no teto da sala, o pé direito de 3,10 metros, o piso de madeira, as grandes portas de 2 metros de altura e a escadaria de mármore.

O jardim bem cuidado chama a atenção. Até uma goiabeira faz parte da paisagem. "Adoro mexer na terra. Faço mudas para dar para os vizinhos e para quem mais pedir".

Quando chegaram, trouxeram dois cães e um gato. O número se multiplicou porque o casal não gosta de ver animais maltratados. A maior parte dos bichos adotados por eles tem algum problema de saúde ou foi abandonada por seus donos.

O quintal é limpo duas vezes por dia. Para alimentar toda a tropa, leva-se uma manhã inteira no lar dos Carvalho. "Adoramos este lugar. Casamos na Basílica do Embaré em 1963, criamos nossos filhos aqui e queremos viver assim para sempre", confessa Maria Eugênia.

A convivência é harmônica no número 48 da Rua Sampaio Moreira

Foto: Fernanda Luz, publicada com a matéria