O VERDE OCULTO NA CIDADE - Produção de bananas, frutas, hortaliças, tudo isso existe bem no
meio de Santos. Uma cena inesperada a poucos quilômetros do centro da cidade, lugar onde ainda não é necessário ter cercas
Foto: Alex Almeida, publicada com a matéria
CENA SANTISTA
Vizinhos ocultos
Mírian Ribeiro
OLHA A BANANA BRANCA, A BANANA OURO, a nanica e o nanicão! Tem
também jaca, cajamanga, graviola, cacau, flamboyan, mamão, abacate, limão-rosa, fruta-do-conde, acerola, pitomba, palmito jussara, inhame,
mandioca, jenipapo, abóbora...
Para quem só conhece o asfalto e o concreto da cidade, fica difícil acreditar que tanta
variedade de frutas e legumes é cultivada em plena área urbana, muito próximo ao ruído ensurdecedor de carros, ônibus e caminhões que movimentam dia
e noite a Avenida Martins Fontes, porta de entrada e saída de Santos.
A entrada do sítio Porta do Sol está a poucas centenas de metros da avenida, no caminho que
corta o Morro do Saboó e que, no passado, os moradores usavam para chegar a São Vicente. O
acesso é pela Rua Maria Mercedes Féa (atrás do Cemitério da Filosofia). Uma pequena árvore limita o início da
propriedade de João Inocêncio Correia de Freitas, 59 anos, português da Ilha da Madeira, que chegou a Santos com apenas
cinco anos de idade. "É um tamanqueiro, que plantei há uns 30 anos. Não precisa cerca, todo mundo respeita. Ninguém invade o sítio do outro", diz.
Ainda hoje há outros sítios, como o de João Inocêncio, espalhados pelos morros da cidade,
quase todos de portugueses - a maioria imigrantes ilhéus, que já viviam em região montanhosa - ou seus descendentes. A cultura predominante é a da
banana, mas nem sempre foi assim. Francisco de Lima, 62 anos, filho de ilhéus, nascido e criado no Morro Santa Maria, conta
que no início as famílias mantinham canaviais e alambiques para a produção de aguardente. "Eu mesmo descia para vender nas ruas do Centro. Com o
tempo foram substituindo pela banana, que praticamente se cria sozinha". Dos 10 alambiques que existiam no Santa Maria, apenas um continua em
atividade.
Foto: Alex Almeida, publicada com a matéria
Um pé na terra, outro na cidade
João Inocêncio é também presidente da Sociedade de Melhoramentos Pró-Bairro do Saboó e,
nesta função, participa de reuniões em órgãos municipais e resolve diversos problemas do bairro. Ele foi um dos que lutaram para que a encosta do
morro, onde tem permissão para trabalhar, seja considerada área de proteção ambiental, preservando-a de loteamentos e invasões.
"Tenho que distinguir, na cidade sou quase outro. Quando estou no sítio esqueço que tem uma
cidade em volta". E não é para menos. Apesar da aproximação física, o barulho da cidade vai se distanciando à medida que se adentra no mato. Pelo
caminho, é possível encontrar resquícios de antigos alambiques e o barracão, onde João Inocêncio guarda os cachos de banana até amadurecerem.
Para quem se espantou com a variedade de frutas cultivadas dentro da cidade, imagine se
deparar com cobra coral, jararaca, lagarto ou um sarué (tipo de raposa), preás, tico-ticos, pintassilgos, maritacas, sabiás? São aves e animais que
aparecem pelo sítio, alguns em busca de comida, como uma família de sagüis, que, segundo o sitiante, no verão costuma surgir no barracão atrás de
bananas.
Isso sem falar na farmácia natural. Tem carobinha, carqueja, chapéu de couro e outras ervas
medicinais. Fazer um corte no coração do cacho da banana ainda no pé e usar o leite que escorre é um ótimo cicatrizante, ensina Francisco. O coração
serve também como xarope para bronquite.
Plantar banana é tranqüilo - dizem, basta roçar o mato ao redor, mas é preciso roçar no
tempo certo, não deixar enraizar. Um pé dá em média um cacho por ano (com cerca de 12 pencas) e quatro a cinco mudas ao redor. Se não for colhida, a
banana vai engordando cada vez mais, o que, ao contrário do que parece, não é vantajoso para o sitiante: pesa mais para carregar morro abaixo.
Os sitiantes dos morros não usam agrotóxicos nos bananais. "A banana que vendem na feira e
em supermercado é climatizada, amadurece na estufa, em um dia. Ao natural, leva até três semanas, mas dá para perceber a diferença no sabor, é muito
mais doce", explica Francisco. As cascas jogadas na terra servem como adubo.
As áreas dos morros em Santos são propícias à atividade agrícola por estarem acima do nível
do mar. No passado, a cidade possuiu muito mais bananais, mas o crescimento das atividades portuárias e a profissionalização da pesca levaram os
trabalhadores a migrarem para essas áreas, que remuneravam melhor.
Foto: Alex Almeida, publicada com a matéria
Porto, Cosipa ou plantar banana
João Inocêncio não faz idéia de quantos pés de banana tem. Eles se espalham a perder de
vista na gleba de quase 60 mil m², que sobe até o alto do morro. Durante os 12 anos que trabalhou na Cosipa,
tentou seguir o destino que parecia ser o natural na época para os filhos dos sitiantes: Porto ou parque industrial de
Cubatão. Há 26 anos dedica-se apenas ao sítio, dando continuidade ao trabalho do pai, que foi agricultor na
Ilha da Madeira. "Meu pai só trabalhou nisso, morreu com 86 anos", orgulha-se.
"Jamais gostei de tempo marcado, o meu tempo é meu", diz, ao justificar a escolha pela
terra, que não permite encostar o corpo. "No inverno é até molezinha, mas na época de calor é trabalho duro, levo um mês inteiro para roçar o mato",
conta João, que repete a tarefa duas vezes ao ano, coberto da cabeça aos pés, inclusive com máscara, para se proteger dos mosquitos e não inalar a
poeira. Ele vende sua produção no próprio bairro, a "preço de banana": 15 unidades por R$ 1,00. Se a família for grande, põe umas bananas a mais.
Já Francisco não escapou ao destino, mas nem por isso perdeu as raízes. Portuário
aposentado, mora no bairro Aparecida, mas não deixa de ir um dia sequer ao sítio que possui no alto do Morro Santa Maria,
onde planta bananeiras e algumas árvores frutíferas. O Morro Santa Maria, que teve áreas particulares invadidas nos últimos anos, foi um dos
primeiros da cidade a receber moradores. Francisco lembra dos canaviais, dos alambiques e das vacas leiteiras que pastavam soltas e tranqüilas. É do
tempo que desciam o morro com os cachos de banana nas costas ou, no máximo, em carros de boi.
A ele coube 12 mil m² da terra que o pai, que chegou a exportar bananas, dividiu entre os
quatro filhos. A irmã nunca saiu do morro. "Não venho aqui por obrigação, venho porque gosto. Aqui a gente está mais perto do céu", brinca o
aposentado, que distribui as bananas que retira entre os moradores da comunidade.
O sonho de Francisco é construir uma casa e morar no lugar, mas, como outros antigos
sitiantes, ele tem a resistência da família. As novas gerações não querem saber da lida com a terra e a tendência é a tradição vinda com os
imigrantes acabar com o tempo. "Precisa ter raiz no morro para gostar", entende. Para ele, se houver dedicação, plantar banana compensa para o
sustento, mas não para ganhar dinheiro, "não dá para competir com grandes atacadistas".
Foto: Alex Almeida, publicada com a matéria
Altamente nutritiva e preferência mundial
Originária da Ásia, a banana é uma unanimidade mundial. O Brasil é um dos maiores produtores
e um dos maiores consumidores da fruta. Aqui, a cultura da banana ocupa uma área superior a 500 mil hectares e o consumo anual estimado é de 24
quilos per capita. Em São Paulo, o cultivo está concentrado no Vale do Ribeira e Litoral Sul, onde a banana responde por boa parte da
produção agrícola regional.
A banana é altamente nutritiva, muito rica em carboidratos e potássio, cálcio, fósforo,
ferro e vitaminas A, B1, B2 e C. Pode ser ingerida ao natural ou como ingrediente em doces e outros pratos. No Brasil, os tipos mais cultivados são
a nanica, branca, prata, da terra (ideal para cozinhar, assar ou fritar), maçã, São Tomé e banana-ouro.
É uma fruta perfeita em vários sentidos. Desenvolve-se o ano inteiro, amadurece aos poucos,
facilitando a colheita, o armazenamento e o transporte. Fácil de comer, não dá trabalho para descascar, possui textura macia, não tem sementes ou
fiapos duros. Pela grande oferta, tem custo baixo, o que facilita seu consumo pelas populações mais carentes. Na Europa, a fruta é bastante
valorizada e vendida por unidade.
Foto: Alex Almeida, publicada com a matéria
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