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HISTÓRIAS E LENDAS DE S. VICENTE
Primeiros produtores de vinho e cachaça (5)

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Quando Martim Afonso chegou ao Brasil, trouxe da Ilha da Madeira as videiras que foram plantadas no Litoral Paulista, e também os primeiros engenhos para a produção de açúcar. Talvez a reunião desses dois conhecimentos - da produção do vinho e do açúcar - tenha propiciado as condições para outro pioneirismo: o da produção de cachaça.

Em São Vicente, a vila pioneira, surgiu a primeira vinícola brasileira. Essa história começou a ser recuperada na época dos festejos pelo quinto centenário do Descobrimento do Brasil, quando chegou a ser cogitada a recriação do tipo de vinho então produzido. O projeto parou por dificuldades econômicas para sua concretização, mas o local da vinícola foi restaurado e aberto a visitas monitoradas.

São Vicente, que também se destaca na história brasileira e mundial da cachaça, é onde foi produzido este livrete da chamada literatura de cordel (tipo de publicação rústica, com dimensões aproximadas da palma de uma mão, que é geralmente produzida semi-artesanalmente e vendida em feiras populares principalmente nos estados do Nordeste Brasileiro, onde é pendurada em cordéis para o comprador escolher, enquanto o autor declama os versos, atraindo o público - sendo essa, em muitas vilas interioranas, a única forma de contato das pessoas com algo escrito de cunho literário-jornalístico).

O livrete foi composto e impresso nas oficinas da editora Danúbio Ltda., em São Vicente, e não tem data, supondo-se ser do final da década de 1960. Nesta reprodução, foi mantida a redação original:


O Valor da Aguardente

Autor: Antonio José Santana
Santos/SP

1

Vou escrever este livro
Para todos ficarem contentes
Ensinando a quem não sabe
O valor da aguardente.
Explico com vaidade,
Vejam se não é verdade,
Neste ponto sou descente.

2

O valor da aguardente
No momento não tem igual
Serve para todas as doenças
Isto é muito natural,
Pois tem muita substância
Se não me sai da lembrança
O fósforo é o principal.

3

A aguardente fez lembrar
E, também faz esquecer,
Dá coragem para brigar
Faz também caimbra correr,
Aguardente no juizo
Pode lhe dar prejuizo,
Lucro também pode ter.

4

O consumidor nunca tem,
Uma palavra segura
Se ele bebe não vive,
Sua vida pouco dura
Se ele ficar viciado,
Se vive desabrigado,
Se for preto fica fula.

5

O branco fica amarelo,
Se for gordo fica magro
Se conversou hoje limpo,
Amanhã ele conversa gago
Coitado do Beberrão
Pois não é acreditado.

6

A aguardente enriquece
Faz também multiplicar
Os magros também engordam
Você pode acreditar
Depende do consumidor
Não importa ser doutor
A sorte é Deus quem dá.

7

O consumidor tem muitas espécies
De amigos separados
Tem o parceiro de copo
Que no botéco é arranjado,
Tem também o contra pinga
Porque não bebe ele xinga
Aquele é desgraçado.

8

Os amigos contra pinga
Eles não tem muito valor
Pois são os metidos a ricos
Tem espírito de Doutor.
Porque fala e vai andando.
Por geito se desculpando
Vou com pressa meu senhor.

9

É por meio da bebida
Que se adquire amizade
É também por meio dela
Que vem a felicidade
Aí está a confusão
Onde está a razão
E onde está a verdade.

10

O homem ébrio nas ruas
Está sujeito a morrer,
Por atropelo de automóvel
Ao ponto dêle não ver
Porque está embriagado,
E o homem neste estado,
Morre antes sem querer.

11

Eu mesmo já tenho visto
Muita gente se acabar,
No estado de embriaguês
E o carro atropelar,
Se o pobre do motorista
Não fizer logo a pista,
Está sujeito a se enrascar.

12

Se a gente bebe muito
Somos criticados
Se a gente não bebe,
Também fica desprezado
Para nós não ficarmos sozinhos
Vamos beber um pouquinho,
Para sermos abraçados.

13

A bixinha tem um ímã
Isto eu sei que existe
Porque quando eu estou alegre
Bebo até ficar triste,
Se estou com frio vou esquentar
Se estou quente vou esfriar,
Aí a vontade existe.

14

Tem gente que aproveita
A embriaguês para dizer,
Aquilo que o peito sente,
Com a força do mal querer
Coisa que êle não faz
Com a cabeça cheia de gás
Procura se satisfazer.

15

Então são estes problemas
que a cachaça nos deixa
Por isto é condenada
E do povo se queixa
Fora disto bebida é boa.
Nem todos estão a tôa
Nem todos a porta feixa.

16

A aguardente vem do álcóol
O álcóol vem da cana
Tem um valor incomparável
A ninguém ela engana
Tem cálcio, ferro e vitamina
Para cumprir sua sina
É forte igual a banana.

17

O álcool limpa o sangue
Mata moléstia do sangue ruim
Combate qualquer moléstia
Pode crer que é assim,
Comigo já se passou
O álcool já me curou
Deixe logo vá por mim.

18

Com álcool faz xalatão
Faz também brucharia
Domina os espíritos
Para mais tarde ser seu guia.
Mata senhor de qualquer um
Dizendo ser de Ogum
Tira a vida em um dia.

19

Do álcool tira a genebra
O vinagre e o Cinzano
O Martine e o Vinho
Eu é que não me engano
Para vocês verem como é
A aguardente Jacar;
Estraga qualquer fulano.

20

Quem teme a cachaça já sabe
Que a vida não é segura
Homem, mulher e menino
Estão cavando a sepultura
O álcool é uma serraria
Que trabalha noite e dia
Sendo assim a coisa é dura.

21

O álcool é uma saúva
Que domina o mundo inteiro
Microbisa o universo
Queima baixa e oiteiros
Faz o povo se arrazar
O álcool só faz matar
Nós vamos e fica o dinheiro.

22

Por isto eu fiz uma jura
Não tocarei mais no copo
Viro a garrafa na bôca
Que nem nos dentes eu toco,
A guela faz gute, gute,
Sinto um gosto, de quitute,
Tantos venha que eu topo.

23

Eu bebo qualquer cachaça
Chica Boa e Jacaré
Super Quentão e Paturi,
Camalião e São Tomé
E das bebidas misturadas
Que bem pouco me agrada
É a que leva o guiné.

24

A minha esposa me diz
Toma cuidado Gordinho
Não te dar lucro,
Quer beber beba sozinho
Quem bebe pinga demais
Não pode viver em paz
Quer beber beba sozinho.

25

Mas eu estou acostumado
De sempre tomar uma pinga
Sabendo que chegando em casa
A senhora me chinga
Mas ela não tem geito a dar
Acaba em se conformar
E para de bater a língua.

26

Porém não sou viciado
Eu só bebo quando quero
Quando está fazendo frio
E se tou ficando amarelo
No verão com o calor
Para eu sentir o sabor
Uma pinga eu venero.

27

Quando o homem é viciado
É muito fácil de conhecer
Anda com o rosto queimado
Pra todo mundo ver
E pode se preparar
Se ele resolver parar
Só para para morrer.

28

O sino sei que não bebe
Porque está emborcado
Mas o resto eu não garanto
Para não aumentar o pecado
Quem não bebe já bebeu
Não vá fazer como eu
Que confesso meu passado.

29

Agora eu já deixei
A metade da bebida
Só bebo uma vez ou outra
Lá numa noite perdida
Em festa ou casamento,
Nesta noite eu aumento
Fazendo dela querida.

30

Porém no outro dia
Eu amanheço machucado
Com uma falta de coragem
E muito mal acostumado.
As vezes até arrependido,
Com o corpo todo doído,
Como quem fui rebentado.

31

Eu conheço um colega
Que morreu no armazém
Completamente embriagado
Conversando com alguém,
Com o coração atacado,
No mesmo instante foi embarcado
Seguindo para o além.

32

Vendo eu este exemplo
Foi que deixei de beber,
Só uma vez por semana,
Para não me esquecer
Pois se eu perder o costume
Eu mesmo sinto ciúme
Da mudança de viver.

33

No verso atrás eu disse
Mas isto foi brincadeira
Que beba e vá por mim,
Me desculpe esta besteira
Eu sou um Poeta de praça
Só bebo uma cachaça
A título de saideira.

34

Eu sei de uma história
De um Testemunha de Jeová
Que na hora do almoço
Dizia meu filho venha cá
Vá ali comprar um vinho
Se o caixeiro estiver sozinho
Manda êle misturar.

35

Então não é ignorado
Um homem como eu beber
Se Protestante bebe vinho
O que é que eu vou beber
O geito é tomar a pinga
Sabendo que a mulher me chinga
Mas não posso me esquecer.

36

Todo mundo usa pinga
Ninguém vai dizer que não
A humanidade está perdida
O álcool fez invasão
Até os remédios contém álcool
Sendo o povo mais fraco
Estamos na perdição.

37

O álcool domina o mundo
Desde o tempo de Farizeu
  odo mundo gosta dele
Todo mundo gosta dele
E até Jesus usou
Aos apóstolos ensinou
Por ordem do Nosso Deus.

38

Portanto, leitores amigos
Aqui está minha confissão
Falando a pura verdade
Do valor do garrafão
Que conduz a tal cachaça
que serve como desgraça
E também de oblação.

39

Aqui termino o romance
De outro bem diferente
Trata-se de uma explicação
Aos homens conscientes
Logo que está explicado
Eu vou dar por terminando
O valor da aguardente.

FIM

"A CANÇÃO DA CACHAÇA"

As quatro horas já não posso mais beber
Chega a morte parece que vou morrer
Nas três fazendas eu sou rei, sou coroado
No butiquim sou um freguês considerado.

Ninguém inguinore eu andar cambaleando
Até logo meus senhores eu vou chegando
Eu sou um cara que não perco minha linha
trago no bolso a minha linda garrafinha.

Quando eu morrer eu quero a minha sepultura
Em uma das pipas de aguardente sem mistura
A encanação que me vá até a boca
Com poucos dias deixarei a pipa ôca.

"OS MANDAMENTOS DA PINGA"

Os mandamentos da pinga são dez:
1.º Beber
   2.º Cuspir
      3.º Pagar
         4.º Sair
            5.º Voltar
               6.º Repetir
                  7.º Tombar
                     8.º Cair
                        9.º Vomitar
                           10.º Dormir.

Esses dez mandamentos encerram-se em dois: Cassetete na cabeça e cadeia depois.

"ORAÇÃO DA CACHAÇA"

Nossa cana que está lá no rossado,
Bem preparado seja o vosso santo caldo
Venha a nós cinco litros por dia para nós beber
Em casa e em qualquer lugar que nós encontrar
Perdoai-nos o dia em que bebemos menos
Não nos deixe cair atordoados
Livrai-nos da Rádio Patrulha, assim seja.