VII
Entre um e outro fato sem importância,
parecia que a vida santense respirava desafogada de tantas peripécias tristes. Mas, fatalidade!
Um telegrama anuncia, com a maior sem-cerimônia invadindo as redações e apregoando à Igreja, o
terrível sinistro marítimo do vapor Sirio, no qual, entre as muitas vítimas, sucumbiu também d. José de Camargo
Barros, bispo de S. Paulo.
Seguiram-se a esse telegrama as lamentações de todos os católicos, as preces à alma do infeliz
bispo, as exéquias. Aumentava mais a dor que compungia os corações dos filhos da Santa Madre Igreja o não aparecimento do cadáver do inditoso bispo.
O luto predominava. Teciam-se telegramas perguntando sobre o aparecimento do corpo e a resposta
lacônica, em 4 palavras - "Ainda não foi encontrado" - martirizava horrivelmente a amigos, parentes, fiéis do extinto e muito principalmente à
sociedade paulistana.
Decorrido algum tempo, chegou em Santos o corpo de d. Camargo, num ataúde hermeticamente fechado,
sendo recebido pela alta camada social de Santos, clero, a banda de música do Corpo de Bombeiros e massa popular.
Acompanhava o corpo do bispo, a bordo, o marquês de Cavalcanti, envergando o seu uniforme nobre.
Era a primeira vez que eu via um descendente da nobreza dos tempos coloniais.
O corpo, depois de breve estação na igreja do Convento do Carmo, foi em
funeral, numa carreta do Corpo de Bombeiros, para a gare da
Estrada de Ferro S. Paulo Railway, onde um carro mortuário esperava-o para ser conduzido a S. Paulo.
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8 horas da manhã, mais ou menos. Estava terminado o trabalho de composição nas oficinas da A
Tribuna. As páginas iam entrar para o prelo quando um rumor de notícia importante fazia-se na rua, entre grupos habitués das madrugadas.
Esse rumor chegou até os ouvidos da redação e, quando se esclareceu, era nada mais, nada menos, do que a infausta notícia do brusco assassinato de
d. Carlos e um seu filho, em Portugal, no Terreiro do Paço
(N.E.: em Lisboa).
Imediatamente foram à residência do dr. Urbano Neves, então redator da A Tribuna, levar-lhe
um telegrama que afirmava o boato da tragédia do Terreiro do Paço. O dr. Urbano compareceu logo à redação e traçou uma ligeira notícia sobre o
ocorrido. A Tribuna deu duas edições durante uma semana. Pela manhã, os consulados hasteavam as bandeiras a meia haste. Estava a colônia
portuguesa de luto e Portugal sob a mais profunda mágoa apresentou condolências a d. Amelia, e trêmulo, amedrontado, que viesse outro golpe fatal
sobre a sua velha nobreza, colocou no trono o príncipe d. Manoel.
Infelizmente, ou felizmente (abstenho este trabalho de opiniões políticas: como um ligeiro
histórico que é, mantê-lo-ei, até o fim, com a maior imparcialidade) para Portugal, o trono, pouco depois do assassinato de d. Carlos e seu filho,
baqueou, sendo portanto a tragédia do Terreiro do Paço a aurora do dia 8 de outubro de 1909, dia da proclamação da República Portuguesa.
Outros telegramas. Regozijos e pragas, rancores e aplausos recebiam a nova do advento da República
na pátria de Camões.
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Em fase política não me recordo de outra tão agitada como foi a eleição para presidente da
República e que eram candidatos Ruy Barbosa e Hermes da Fonseca. Foi uma luta titânica
entre os civilistas e hermistas.
Dias antes da eleição, as propagandas e as cabalas de ambos os partidos davam já o aspecto de
diversão pública. O Largo do Rosário era o ponto da pescaria de eleitores em cujos anzóis feitos com
verbosidade fluente e melíflua os pescadores punham iscas de diversos modos: de dinheiro, de ternos de roupa, de sapatos novos, de
chapéu, de empregos garantidos, de promoções e de tudo quanto o grande estoque do armazém das lábias possuía a granel.
Apareceram nessa lufa-lufa os retratos em esmalte dos dois candidatos ao poder. A mocidade e mesmo
a velhice, partidárias de um e outro candidato, manifestavam a sua opinião, a sua simpatia, exibindo nas lapelas os retratos de Ruy e Hermes. As
moças também entraram na luta e a maior parte era civilista.
Para que não faltasse uma nota cômica na séria agitação de se eleger o presidente da nossa
República, o Ricócó, o tipo mais popular daquela época, tomava parte nas reuniões, trajando à pastorinha, tocando
numa flauta de cana do reino, fazendo discursos, dando vivas a Ruy - se os civilistas punham-lhe nas mãos uma moeda; e vivas ao Hermes - se os
hermistas faziam a mesma coisa. Era tão incolor nessa questão eleitoral o nosso pobre Ricócó que usava na fita do chapéu os pequenos retratos
dos dois candidatos em disputa.
Dias depois feria-se o pleito, saindo vencedor o marechal Hermes da Fonseca.
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Passada a tempestade política, tivemos a colocação da estátua de Xavier da
Silveira, no largo do Rosário, comparecendo ao ato o mundo oficial santense, música, povo etc. O busto de Xavier da Silveira é em bronze e a
coluna que o suporta é de mármore, tendo em suas quatro faces as respectivas inscrições:
Orador, poeta, jornalista
e advogado
Amou devotamente a terra de seu berço
que serviu e honrou
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7-10-1840 - 30-VII-1874
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Voou pelas alturas do Infinito onde
passa ridente o raio da luz
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À memória do filho amado, Santos
mandou erguer este monumento
Ricócó e sua inseparável flauta ornada com fitas e flores
Foto e legenda publicadas com o texto
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