Inauguração da primeira estrada de ferro por dom Pedro II, 1854
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Estradas de ferro
ão
é preciso encarecer a importância do problema ferroviário num país como o Brasil, cujos maiores males econômicos resultam da desproporção entre a
imensidade da sua área e a escassez da população, quando se sabe que a densidade menor desta população se verifica naqueles estados - Amazonas, Mato
Grosso, Goiás, interior do Pará - cuja comunicação com a costa é mais difícil.
Com uma enorme extensão de terras entre o litoral e o Oeste desabitado, o Brasil só deixará de ser
uma unidade geográfica, para ser uma unidade econômica, no dia em que, à sua extensa costa, esteja ligado, por via fluvial navegável ou por via
férrea, todo o imenso latifúndio do Centro e Oeste do país.
Só então o Brasil, povoado, penetrado em toda a sua extensão por uma
abundante colonização que aproveite convenientemente a riqueza e fertilidade do solo; dispondo de meios de transporte para essa farta produção
agrícola, que não exige senão um esforço pequeno do homem, e para os produtos de indústrias compensadoras, que não tardarão em acompanhar a
colonização e instalar-se junto das formidáveis cataratas dos rios – só então o Brasil deixará de ser o que tão bem resumiu o sr. Gabriel Hanotaux
no prefácio do livro do sr. Barão D'Anthouard: "Uma
prodigiosa riqueza, recuando diante do homem que se quer apoderar dela".
E nesse dia – em que o Oeste e o Centro, ligados ao litoral, tiverem
franco acesso para a colonização e franco escoamento para sua produção – o Brasil não terá somente posto em valor as riquezas latentes do seu solo,
alcançando portanto todo o bem-estar econômico que lhe está indubitavelmente reservado, mas terá ainda realizado o grande objetivo nacional de uma
incontestada supremacia econômica no continente sul-americano.
Porque, então, o Brasil não somente aproveitará todo o seu território, mas
ainda diversas repúblicas suas vizinhas – isto é, a Bolívia, parte do Peru e do Paraguai – terão de servir-se da rede ferroviária do Brasil, por ser
ela a que lhes dá mais rápido acesso para o Atlântico, e portanto para a Europa.
Mas, deixando mesmo de lado essa consideração internacional, para só
encarar o problema nacional das estradas de ferro no Brasil, é preciso ver nelas o mais importante veículo, não já de passageiros e mercadorias, mas
de braços e capitais- as duas matérias-primas de que mais carece presentemente o Brasil, para a grande obra do seu progresso.
A superioridade econômica de que gozam presentemente na América, em
relação ao Brasil, os Estados Unidos, e, mais perto dele, a República Argentina, deve ser atribuída principalmente à superioridade das suas redes
ferroviárias. Os Estados Unidos, que em 1860 possuíam apenas 56.000 quilômetros de linhas férreas em exploração, possuem hoje quase 400.000; e a
República Argentina, que em 1860 não tinha uma só estrada de ferro, possui hoje uma rede com cerca de 30.000 quilômetros de extensão.
Em conseqüência disso, os Estados Unidos, que não tinham, a esse tempo,
mais de 32 milhões de habitantes, têm hoje mais de 90 milhões; e a República Argentina, que ocupava no continente uma situação evidentemente muito
inferior à do Brasil, adquiriu o maior desenvolvimento econômico da América do Sul.
Os últimos governos do Brasil têm compreendido claramente a situação e têm
procurado, nos últimos dez anos de República, recuperar o atraso em que, a este respeito, a monarquia deixou ficar o país. Do esforço empregado
neste sentido dão eloqüente testemunho as seguintes cifras: a rede ferroviária do Brasil, que era em 1888 (no ano anterior ao da proclamação da
República) de 9.884 quilômetros, em exploração e em construção, era de 22.067 km em tráfego no fim de 1911.
Estas cifras tornam-se mais significativas, quando se têm em vista duas
considerações importantes: uma é que a construção de estradas de ferro é um problema muito mais difícil de resolver no Brasil do que,por exemplo, na
República Argentina, país plano e muito menos extenso (quase a terça parte); e também do que nos Estados Unidos, onde a configuração das montanhas e
a bacia do Mississipi quase não põem obstáculos ao assentamento dos trilhos, ao passo que, no Brasil, a Serra do Mar (como dissemos no capítulo
relativo à Geografia Física) constitui uma espécie de muralha entre o interior e o litoral, a que só dá acesso por algumas gargantas; por outro
lado, o interior, além de muito acidentado, é cheio de florestas cujo desbravamento, para levantamento de mapas ainda não existentes, constitui só
por si uma árdua e dispendiosa tarefa preliminar às construções.
A outra consideração a ter em vista é que os três primeiros governos da
República, até o do dr. Prudente de Moraes, inclusive, tiveram de ocupar-se com a manutenção de ordem pública,
sem nada poderem fazer de administração, e que o governo do dr. Campos Salles, 1898-1902, precisou tratar de
organizar as finanças do país, desmanteladas com as situações anteriores, para permitir então, aos seus sucessores, uma eficazmente administrativa;
de sorte que a construção de novas estradas de ferro, só com o governo do dr. Rodrigues Alves, 1902-06, e os
que lhe têm sucedido, teve o andamento a que deve seu progresso atual.
O relativo desenvolvimento das estradas de ferro no Brasil é, pois, obra
sobretudo de dez anos, sendo que, de 1903 a 1911, se construíram em média mais de 500 km por ano; só em 1908 foram construídos 1.019 km, e em 1910
foram construídos 1.871, o que constitui um recorde. Mas não precipitemos a nossa exposição.
Engenheiros e empreiteiros ferroviários: 1) Dr. João Julio de Proença (E.F. S.Luiz-Caxias); 2) Dr.
Arthur Moraes Jambeiro Costa (presidente da E.F. Perús-Pirapora); 3) Dr. Paulo de Frontin (diretor da Central); 4) Dr. Francisco Mourão (E.F. Oeste
de Minas); 5) Charles C. Tomkins (São Paulo Railway); 6) Antonio Fidelis (São Paulo Railway)
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Histórico da viação férrea – O primeiro projeto (não realizado) de
estrada de ferro no Brasil data de 31 de outubro de 1835; e primeira concessão foi dada em 1839, sendo, porém, sua realização adiada até 1852,
época em que o Estado foi autorizado a dar seu apoio financeiro às empresas desse gênero.
Só em abril de 1854 é que foi, todavia, inaugurado, graças à iniciativa do
inolvidável visconde de Mauá, e sem nenhuma garantia do governo, o tráfego da primeira estrada de ferro no Brasil, a qual foi também a primeira da
América do Sul: um trecho de 17 quilômetros, de interesse meramente local, pois se destinava apenas a ligar a baía do Rio de Janeiro (em Mauá) a
Petrópolis, residência estival do imperador d. Pedro II.
Mas, já desse tempo (1852), o governo do Brasil, embora sem um plano geral de
construções, começou a ter em vista as condições mais apropriadas aos interesses gerais do país, e não aos simples interesses locais. Datam de então
os projetos ou início de construção de algumas das mais importantes vias férreas atuais do Brasil: a D. Pedro II, que é atualmente a Central do
Brasil (26 de julho de 1852), resgatada amigavelmente pelo governo em 1865; a Recife-S. Francisco (7 de agosto de 1852), e a Bahia-S. Francisco (19
de dezembro de 1853); a Santos-Jundiaí, ou S. Paulo Railway (26 de abril de 1856) e outras.
De 1852 a 1888, penúltimo ano da monarquia, o regime legal das estradas de ferro
no Brasil passou por diversas modificações, cujas principais etapas são marcadas pelos decretos de 20 de junho de 1852, de 10 de agosto de 1878 e de
29 de dezembro de 1880.
Os elementos a ter em conta no regime legal das estradas de ferro são: (a) a
concessão; (b) a garantia; (c) o privilégio de zona; (d) os direitos de resgate e fiscalização.
A concessão, base de todas as construções, emana sempre do governo: governo do
Império ou da União, para as linhas consideradas de interesse geral; governo das províncias ou dos estados, para as de interesse local. A princípio,
as concessões eram dadas com cláusula de perpetuidade para o concessionário; mais tarde, elas foram sendo, ora temporárias, ora perpétuas; e
finalmente, só se fazem concessões temporárias.
A garantia, que só pode ser concedida pelo Poder Legislativo, era aplicada, a
princípio, em relação ao capital a ser empregado, sendo, porém, este sistema abandonado pelo da garantia quilométrica, variável conforme as
condições técnicas da linha a construir. Quanto à duração, a garantia de juros, que chegava a 90 anos, não excede afinal de 30.
Além das garantias de juros, as companhias obtêm diversas franquias
alfandegárias, bem como direito ao uso de madeiras dos terrenos marginais, e outras vantagens.
O privilégio de zona é reduzido sucessivamente de 66 a 60, 40, 30 e mesmo 20 km.
O direito de resgate é sempre estipulado; assim como a administração se reserva naturalmente todos os direitos necessários de fiscalização sobre a
construção e exploração das estradas.
Embora - como dissemos acima – não houvesse ainda um prévio plano geral de
viação férrea do Brasil, as construções obedeciam já a umas tantas condições mais ou menos conforme com a disposição geográfica do país. As linhas
eram construídas, naturalmente, em convergência para certos portos, escoadouro da produção das zonas vizinhas. Destarte, constituiu-se ao longo do
litoral uma série de pequenos núcleos que, a permanecerem isolados, pouco serviriam ao desenvolvimento coletivo do país.
Mas, já nos últimos tempos do Império, se cogitava seriamente em constituir com
esses núcleos um plano geral de viação, como se pode depreender das excelentes informações contidas na monografia do sr. E. Levasseur, aparecida em
1889 na Grande Encyclopédie. A partir da foz do Amazonas, havia já linhas férreas mais ou menos consideráveis ou em início nas províncias do
Pará, do Ceará, do Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa
Catarina, Rio Grande do Sul.
Os do Rio de Janeiro, Minas e São Paulo, que apresentavam maior
desenvolvimento,haviam já ligado as suas bitolas numa rede única. Desses pontos de convergência da costa, visava-se atingir, para o Norte, os
afluentes meridionais do Amazonas, e para o Sul os afluentes setentrionais do Paraguai, para ligar uns e outros à capital do Império. Projetava-se,
desde esse tempo, a construção – só agora dificilmente levada a cabo – da linha Madeira-Mamoré, destinada a por em comunicação o vale do Amazonas
com o Peru e a Bolívia e completar de certa forma a via circular Amazonas-Paraguai.
Se, atualmente, com uma população mais densa, com um conhecimento maior das
regiões a penetrar, e sobretudo com uma entrada maior de capitais, a realização desses projetos se vai fazendo com grandes dificuldades, não é para
estranhar que, ao tempo do Império, tudo fosse mais difícil ainda. De sorte que, apesar de muitos projetos e bons desejos de dotar o país com uma
boa rede ferroviária, o governo imperial não tinha em exploração, até 31 de dezembro de 1887, mais de 8.486 km de linhas férreas construídas e 1.398
em construção.
Se a estas cifras se quiser juntar 3.597 km, de estudos aprovados, teremos, ao
entrar do ano de 1888,um total de 13.481 km. Segundo informações estatísticas correspondentes ao mesmo ano de 1887, foram transportados pelas
estradas de ferro do Brasil, durante esse ano, 7.315.486 passageiros e 1.826.106 toneladas de mercadorias.
Além de pouco desenvolvida a rede ferroviária, o regime legal das estradas de
ferro, com os encargos assumidos pelo Estado, era muito criticado já nos últimos anos do Império. A necessidade de reformar os contratos e o regime
de viação começou a ser sentida desde os primeiros anos da República, que julgou duplamente útil encampar as estradas de ferro particulares, não só
para libertar-se dos pesados encargos assumidos com as diferentes companhias, como para unificar algumas linhas que, isoladas como estavam,não
podiam oferecer a mesma utilidade geral.
Em 9 de dezembro de 1896 foi promulgada a lei autorizando o resgate das estradas
de ferro com garantias de juros e seu arrendamento. As vantagens econômicas dessa operação, para cuja realização devia ser lançado um empréstimo de
4%, amortizável num prazo máximo de sessenta anos, consistiam na diferença entre as garantias antigamente pagas e os juros do novo empréstimo, bem
como nas contribuições dos arrendamentos anuais.
As garantias pagas a esse tempo eram de cerca de 10.000 contos de réis ouro
(1.240.000 libras esterlinas), e de 4.031 contos de réis papel: em capital, eram mais ou menos 137.000 contos de réis ouro, ou 15.400.000 libras
esterlinas. A primeira chamada de propostas foi feita em 8 de janeiro de 1897; mas só no governo do dr. Campos Salles (1898-1902), a quem o Brasil
deve a mais sábia das suas administrações financeiras, o plano de encampamento das estradas de ferro pela União começou a ter ativa execução.
Entre 1901 e 1902 foram resgatadas as seguintes linhas: Recife-S. Francisco,
Bahia-S. Francisco, Bahia-S.Francisco-Timbó, Natal-Nova Cruz, Conde d'Eu, Minas e Rio, Sudoeste, Central da Bahia, D. Thereza Christina, Paraná e
Alagoas. Nesses resgates, empregou o governo federal £14.605.680; e segundo um quadro publicado pelo Jornal do Commercio, cujo diretor foi um
dos mais eficazes colaboradores dessa operação, a economia que ela representa era avaliada em £247.535. Ao tempo, porém,de ser publicado esse
quadro, a operação não estava ainda terminada, calculando-se em cerca de £500.000 a economia realizada com a operação total de resgates.
Fato é que a amortização do empréstimo lançado para essa operação, o railway
guarantees rescission 4%, se fez rapidamente: pois, de 1903 a 1907, em menos de 4 anos, já haviam sido reembolsadas £1.787.780, ou seja 10,75%.
Preocupado – como dissemos acima – com refazer a desmantelada situação
financeira do país, o governo do dr. Campos Salles não pôde ocupar-se do problema ferroviário senão desse ponto de vista, aliviando
consideravelmente, por meio dos resgates e arrendamentos efetuados, os encargos do Tesouro Nacional nessa parte da administração. O dr. Rodrigues
Alves, que lhe sucedeu (1902-06), tendo encontrado uma base financeira relativamente sólida, e tendo sabido cercar-se de homens notavelmente ativos
e empreendedores, a que ele deu eficaz apoio, não somente operou o milagre da remodelação do Rio de Janeiro e seu saneamento, como pôde ainda
entregar-se à solução do problema vital da viação brasileira.
Foi seu ministro nessa pasta o dr. Lauro Müller (atual ministro do Exterior),
que continuou a realizar o encampamento das estradas de ferro, ao mesmo tempo que iniciou a construção de outras novas. A sua atenção, porém, no
problema da viação nacional, voltou-se mais para os portos do que para as estradas de ferro, de sorte que ao seu sucessor, dr. Miguel Calmon,
ministro da Viação no governo do dr. Affonso Penna (1906-09), é que se deve o maior impulso na construção de
estradas de ferro do Brasil.
Morto em 14 de junho de 1909 o presidente Affonso Penna, assumiu o governo, para
completar o quadriênio presidencial de 1906 a 1910, o dr. Nilo Peçanha, que convidou para a pasta da Viação o
dr. Francisco Sá; e em 1910 o atual presidente da República, marechal Hermes da Fonseca, confiou a pasta da
Viação ao dr. J. J. Seabra, substituído em 1912 pelo dr. Gonçalves Barbosa. Aos drs. Francisco Sá e J. J. Seabra não se pode acusar de haverem
entorpecido o movimento iniciado pelos srs. Müller e Calmon, e se algumas acusações lhes têm sido feitas a este propósito, são justamente de haverem
acelerado exageradamente a marcha das construções.
Todo este período que vem de 1902 para cá pode ser estudado em conjunto, em
vista da unidade de planos e continuidade de ação que a ele presidem. Sem que seus antecessores houvessem podido empreender novas construções, os
governos desse período encontraram o Brasil dotado mais ou menos com a rede ferroviária dos últimos anos do Império, cujo regime legal fora todavia
consideravelmente melhorado pelo governo Campos Salles.
Era preciso, pois, terminar a reforma do regime legal e, ao mesmo tempo, iniciar
o desenvolvimento das linhas: e essa tem sido a dupla tarefa a que se têm entregado os últimos governos do Brasil, em relação ao seu problema
ferroviário. Os resgates foram sendo feitos conforme o permitiam e aconselhavam as condições financeiras e as necessidades de unificação das linhas.
As novas construções foram já obedecendo a um plano assentado: primeiro, ligar
completamente todos os núcleos ferroviários da costa, de modo a formar com eles uma cintura una, pondo em comunicação com o Rio de Janeiro todos os
estados do litoral; depois, prolongar essas linhas próximas da costa (inclusive as de Minas Gerais) para o interior (linhas de penetração), tendo em
vista, talvez, uma futura ligação entre as bacias do Amazonas, ao Norte, e do Paraná e Paraguai, ao Sul; finalmente, levar essas linhas centrais até
o extremo Oeste, de forma a atrair para o Brasil o tráfego dos países circunvizinhos – Peru, Bolívia, Paraguai – que precise de saída para o
Atlântico.
Mapa das estradas de ferro brasileiras em 1913
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A rede atual – Para a execução da primeira parte desse programa foram
realizados dois trabalhos principais: o prolongamento da Estrada de Ferro Central do Brasil até Pirapora, na margem do Rio São Francisco; e a
construção da São Paulo-Rio Grande.
Levada até Pirapora, Norte de Minas Gerais, a rede da Central, que já punha em
comunicação o Rio de Janeiro com todo o Norte de São Paulo e o Sul de Minas, não somente se estendeu pelo Centro de Minas, mas sobretudo - e era o
fim visado – se pôs em comunicação, pelo Rio São Francisco, em toda essa extensão navegável, com os estados da Bahia e Pernambuco, onde correm as
linhas da Bahia e de Pernambuco em comunicação com o rio, e por sua vez ligadas à rede da Great Western.
Em 7 de setembro de 1911, data da Independência Nacional, foi aprovado um
projeto de prolongamento da Central, de Pirapora até Belém do Pará. Em nota oficial publicada no dia seguinte, a construção dessa linha era
justificada por motivos de ordem administrativa, econômica e estratégica, formando um elo entre vários estados e servindo como linha de penetração,
cujos diversos ramais poderão levar a civilização a imensas zonas. A viagem de Belém ao Rio de janeiro, que é atualmente de 12 a 15 dias, ficará
reduzida a 3½, conservando assim, dentro do próprio país, muitos interesses que atualmente se dirigem para a Europa, especialmente para Portugal,
que dista de Belém pouco mais de 7½ dias de viagem.
A estrada deverá correr de Pirapora, em linha reta para Oeste, até Formosa, no
planalto central de Goiás, destinado à futura capital da República; de Formosa, para o Norte, sempre por Goiás, tocando em Palma, Porto Nacional,
Carolina e Porto Franco, estas duas na fronteira com o Maranhão, até Belém, afinal. Os estudos compreendem cerca de 3.650 quilômetros, que serão
divididos em três seções: de Pirapora a Palma, de Palma a Carolina, de Carolina até Belém.
Deixando, porém, de lado este projeto, vemos que a ligação para o Norte se fez
pela junção do S. Francisco; a ligação para o Sul fez-se pela S. Paulo-Rio Grande, estando já o Rio de Janeiro ligado a S. Paulo pela Central. Entre
a rede paulista e a do Rio Grande do Sul, ambas já consideráveis, abria-se, porém, a larga lacuna dos estados de Paraná e Santa Catarina, os quais,
apesar de sua excelente posição geográfica, e de suas terras ricas de pinheirais e erva-mate, além de propícias à criação do gado, não tinham outra
comunicação com seus vizinhos do Norte e do Sul senão pela via marítima.
Preencher esta lacuna, dando aos dois estados uma comunicação interior e, ao
mesmo tempo, pondo em comunicação férrea todo o Sul do Brasil, desde Minas para baixo, tal foi o primeiro fim visado pela construção da S. Paulo-Rio
Grande. Inaugurada em 1910, essa linha parte de Itararé, ponto terminal da Sorocabana Railway, na fronteira meridional de S. Paulo, e atravessa pelo
centro, de Norte a Sul, os estados de Paraná e Santa Catarina, até alcançar o Rio Uruguai, na fronteira deste último estado com o do Rio Grande do
Sul.
Aí, a S. Paulo-Rio Grande se liga com o sistema ferroviário do Rio Grande do
Sul, expressamente completado com os trabalhos da Compagnie Auxiliaire des Chemins de Fer du Brésil, cujas linhas cortam o estado de Norte para Sul,
até Sant'Anna do Livramento, na fronteira uruguaia, e para Sudoeste, até Uruguaiana, na fronteira argentina (bem como para Leste e Sudeste, até
Porto Alegre e Rio Grande).
Por aqueles dois pontos - Sant'Anna e Uruguaiana - o sistema ferroviário do
Brasil entra, pois, em ligação com os da República Argentina e Uruguai, pondo em comunicação direta o Rio de Janeiro com Buenos Aires e Montevidéu.
Por outro lado, a São Paulo-Rio Grande já deu início à construção, adiantada em
ambos os seus extremos, da Estrada de Ferro Brasil-Paraguai, que se cruzará com ela e porá o Rio de Janeiro em comunicação ferroviária com Assuncion,
também. A Brasil-Paraguai constará de três seções: do porto de S. Francisco, em Santa Catarina, até União da Vitória, no Rio Iguaçu (cerca de 340
km), onde se fará seu cruzamento com a S. Paulo-Rio Grande; de União, margeando o rio, até ao Salto de Iguaçu (cerca de 600 km), costeando o
território argentino de Misiones na sua última parte (está projetado também um ramal ligando o Salto de Iguaçu ao de Guaíra, um pouco ao Norte); e a
seção propriamente paraguaia, que vai do Salto de Iguaçu a Asuncion (cerca de 340 km).
Por intermédio dessa linha, o sistema ferroviário brasileiro pretende desviar,
para si, uma boa parte do comércio paraguaio, que atualmente é todo feito pelos rios Paraná e Paraguai ou através das estradas de ferro argentinas.
Voltando, porém, à S. Paulo-Rio Grande, convém assinalar que, graças a ela, se
pode hoje viajar seguidamente em estradas de ferro brasileiras desde Pirapora, quase ao Norte de Minas, até o Uruguai e à Argentina, numa distância
de mais de 3.600 km, assim divididos: de Pirapora ao Rio (Central do Brasil), 1.009; do Rio a S. Paulo (Central do Brasil), 496; de S. Paulo a
Itararé (Sorocabana Railway), 436; de Itararé a Ponta Grossa (S. Paulo-Rio Grande), 252; de Ponta Grossa, no Paraná, ao Rio Uruguai (S. Paulo-Rio
Grande), 642; do Alto Uruguai a Santa Maria (Compagnie Auuxiliaire des Chemins de Fer du Brésil), 538; de Santa Maria a Livramento, 277; ou de Santa
Maria a Uruguaiana, 374.
A Estrada de Ferro S. Paulo-Rio Grande, construída embora com simples
preocupação de interesse econômico, pode, eventualmente, vir a ter um interesse estratégico para o Brasil, permitindo-lhe – o que não sucedeu, por
exemplo, durante a guerra do Paraguai – mobilizar rapidamente tropas do Rio de Janeiro para as fronteiras do Sul. Há mesmo quem veja nesse valor
estratégico a maior utilidade da S. Paulo-Rio Grande, alegando que a viagem por mar, entre o Rio de Janeiro e o extremo Sul, oferece maior
comodidade, embora mais longa, do que pela via férrea.
É preciso atender, porém, a que a S. Paulo-Rio Grande não serve somente para
ligar diretamente a capital da República aos países vizinhos, mas também para ligar entre si estados que viviam isolados; que, a exemplo do que se
passou no Canadá e nos Estados Unidos, ela chamará à vida e à produção agrícola zonas, aliás favorecidas pelo clima e pelo solo, que não aguardam
senão o braço do colono e o meio de transporte para os seus produtos; e que finalmente, ela não faz concorrência ao transporte marítimo, mas
procurará colaborar com ele, indo levar ao Atlântico, por meio de várias linhas transversais, no Paraná e Santa Catarina, aqueles produtos que
prefiram ou precisem atingir mais prontamente a via marítima.
Além desses dois trabalhos importantes, o programa de unificação das linhas que
servem os estados do litoral teve outros de menor relevância, mas que merecem ser assinalados. Antes de estudarmos as três mais importantes linhas
de penetração (Noroeste do Brasil, Goyaz Railway e Madeira-Mamoré), vamos pois fazer uma rápida resenha desses trabalhos, de Sul para o Norte,
deixando naturalmente de mencionar, por falta de maior espaço, grande número de linhas e ramais que, prestando embora grandes serviços locais –
como, por exemplo, a Estrada de Ferro Teresópolis, no Rio de Janeiro,ou a de Bragança, no Pará; a de Araraquara e a Southern São Paulo, em São Paulo
etc. – não estão em ligação com o sistema geral de viação férrea da República.
No Rio Grande do Sul, os trabalhos ferroviários de maior importância são
justamente os já mencionados, da Compagnie Auxiliaire des Chemins de Fer du Brésil, cujo centro é a cidade de Santa Maria, de onde as linhas se
ramificam, para oNorte, até encontrar-se com a São Paulo-Rio Grande; para o Sul até encontrar as linhas uruguaias em Sant'Anna do Livramento; para o
Oeste, até as linhas argentinas em Uruguaiana; para Leste até Porto Alegre, capital do estado; e para Sudeste até Rio Grande, seu principal porto.
Fora do sistema da Cie. Auxiliaire, merece referência a Brazil Great Southern,
que corre entre Itaquie Quarahim, a pequena distância da fronteira uruguaia e em ligação com as linhas do Uruguai. Em Santa Catarina, as duas únicas
linhas de importância geral são a São Paulo-Rio Grande e a parte, em construção, da Brazil-Paraguay, que vai do porto de S. Francisco a União da
Vitória.
Fora delas, existe a D. Thereza Christina, da cidadezinha de Minas ao porto de
Imbituba, com um ramal para Laguna, perfazendo tudo menos de 120 quilômetros, de interesse local. No Paraná, além da São Paulo-Rio Grande, corre a
importante Estrada de Ferro do Paraná – incorporada, como a D. Thereza Christina, à Brazil Railway Company – a qual liga o porto de Paranaguá à
capital do estado, Curitiba, e à estação de Ponta Grossa, da São Paulo-Rio Grande. A sua extensão total é de 416 quilômetros, servindo grandemente
ao comércio de mate e de madeiras do Estado, e vencendo dificuldades de construção, na escalada da Serra do Mar, por meio de obras de arte, cuja
importância e audácia são legítimas glórias da engenharia brasileira.
Em São Paulo correm as importantes linhas da Sorocabana, ao Sul, da Paulista ao
Centro, da Mogiana ao Norte, todas em comunicação umas com as outras e por sua vez postas em comunicação com o porto de Santos pela pequena mas
importantíssima São Paulo Railway, que corre entre Santos e Jundiaí.
Além dessas, com seus muitos ramais e prolongamentos, e além de outras de
ligação com Minas e Goiás (estradas de ferro de São Paulo a minas e São Paulo a Goiás), correm ainda por São Paulo as linhas da Noroeste do Brasil,
de Bauru (terminus da Sorocabana) até Itapura, na fronteira de Mato Grosso, e as da Central do Brasil, que partem da cidade de São Paulo,
onde se encontram com as da Sorocabana e as da São Paulo Railway, para o Norte, entrando em Minas e Rio de Janeiro.
Servido por tantas e tão importantes linhas, o estado de São Paulo, embora menos
densamente cortado por estradas de ferro que o do Rio de Janeiro, tem na sua área quase cinco mil quilômetros de linhas, ou seja mais da quinta
parte de todo o sistema ferroviário do Brasil.
Além da sua extensão, as linhas paulistas oferecem ao estado a grande vantagem
de pô-lo em comunicação com todos os seus estados vizinhos, fazendo dele um importante estado de trânsito e dando ao porto de Santos ainda maiores
perspectivas de prosperidade.
Assim é que a Sorocabana, além de servir uma zona rica, embora ainda pouco
povoada (o Sudoeste paulista), é o elo para a São Paulo-Rio Grande, em Itararé, ao Sul, assim como para a Noroeste, em Bauru, a Oeste; a Paulista
divide com a Mogiana a zona cafeeira; e a Mogiana, não somente se liga com a rede sul-mineira, mas ainda atravessa o rico Triângulo Mineiro e entra
por Goiás a dentro, até Catalão, onde se liga com a Goyaz Railway.
A São Paulo Railway, que não tem mais de 139 km de linhas, tem a grande
importância econômica de condensar no seu tráfego quase todo o comércio do estado, sem falar que sua construção, escalando a Serra do Mar,
representa, como a estrada de ferro do Paraná, outro triunfo notável da Engenharia no Brasil, embora tal construção fosse levada a efeito pela
companhia inglesa que a explora.
Brazil Railway Company - derrubada para a construção
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Deixando as estradas de ferro paulistas, entramos na zona da Central, a mais
importante via férrea do país. Na sua total extensão de quase dois mil quilômetros, ouriçados de dificuldades técnicas vencidas na construção
através da Serra do Mar, a Central serve grandes interesses locais nos estados de Minas, Rio de Janeiro e São Paulo.
Sua mais importante função econômica, porém, é a de estabelecer a comunicação
geral de todo o sistema ferroviário do país, como já assinalamos, a propósito da São Paulo-Rio Grande para o Sul, do prolongamento até Pirapora para
todo o Nordeste, e o prolongamento de Pirapora até Belém para o Centro e o Norte; para o Oeste, ela se liga com a Oeste de Minas e prolonga, através
desta, as suas comunicações com o estado de Goiás.
A rede da Central se liga ainda com a da Leopoldina Railway, cerca de 2.400
quilômetros de linhas, ramificadas pelos estados do Rio de Janeiro, de Minas e do Espírito Santo, tendo a companhia levado suas linhas, em junho de
1910, até em frente ao porto de Vitória, capital deste último estado.
Por outro lado, a Leopoldina foi autorizada a chegar com seus
trilhos até o porto do Rio de Janeiro, em vez de ficar do outro lado da baía, perfazendo esse trajeto (Rio de Janeiro-Vitória) uma distância de
quase 600 quilômetros. A Leopoldina entrou ainda em acordo com a Central para ligação de várias linhas das duas companhias no estado do Rio e no Sul
de Minas, assim como o governo tomou a si diversas companhias menores que funcionavam dentro das zonas da Leopoldina e da Central, de modo a tornar
a unificação que constitui a rede fluminense a mais completa do país.
Esta rede, por sua vez, está intimamente ligada com a do Sul
de Minas, constituída pela incorporação (dezembro de 1909) da Minas e Rio e da Muzambinho à Sapucahy Railway, tendo-se organizado, para explorá-la,
a Cia. de Estradas de Ferro Federais Brasileiras.
Antes de deixarmos o Espírito Santo, convém assinalar a E. F.
Vitória-Diamantina, antiga Vitória a Minas, cujo novo traçado não somente servirá às zonas mais ricas dos estados de Espírito Santo e Minas, mas
ainda se ligará, no interior de Minas, às redes da Central e da Leopoldina.
Entrando agora na Bahia, convém assinalar, primeiro,que,
apesar de sua grande importância econômica na União, esse estado era um dos mais mal servidos por viação férrea, fazendo-se quase toda a sua
comunicação com os vizinhos por via marítima ou pelo S. Francisco, que o atravessa pelo Centro de Sul para Norte.
As suas linhas, curtas e dispersas, apenas serviam para pôr em
comunicação alguns pontos do estado com seus dois embarcadouros naturais (o S. Francisco e o litoral), sem formarem, porém, uma rede una e, por
outro lado, aproximarem a Bahia dos seus vizinhos por via férrea.
O que constitui propriamente a atual rede baiana é a
unificação das linhas da Bahia-S. Francisco (S. Salvador a Alagoinhas), da S. Francisco (Alagoinhas, perto do litoral, a Juazeiro, no S. Francisco),
a Central da Bahia (de S. Felix, perto do litoral, a Machado Portella e a Bandeira de Mello,no Centro), e a Timbó a Propriá que parte de Timbó,
ligada a Alagoinhas por um ramal, e corre a pequena distância da costa setentrional da Bahia e da de Alagoas, até o S. Francisco, perto da sua foz
entre Alagoas e Sergipe.
Além deste sistema, destinado a servir o interior do estado e
pô-lo em comunicação com os vizinhos do Norte, a Bahia é servida ao Sul pela E.F. de Bahia a Minas, a qual, partindo de Caravelas, no litoral, vai a
Teófilo Otoni, Nordeste de Minas, passando por Aymorés, na fronteira.
Por contrato celebrado em 1911, o governo federal arrendou a
um grupo de capitalistas franceses, com várias concessões, toda a rede das estradas de ferro federais da Bahia, obrigando-se os concessionários a
construir diversos prolongamentos, que elevarão a cerca de 3.000 quilômetros as linhas do estado, até então de cerca da metade.
Entre as novas construções, figuram ligações da costa com as
grandes cachoeiras do Rio Jequitinhonha, perto da fronteira com Minas, atravessando uma zona muito rica e até aqui inexplorada. Na notícia da
Compagnie des Chemins de Fer Fédéraux de l'Est Brésilien – em seguida a esta introdução – se encontrarão informações mais precisas sobre o conjunto
da rede baiana e cada uma das diversas linhas que a formam.
Deixando a rede baiana, chegamos à da Great Western of Brazil,
cujas linhas servem os estados de Alagoas, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte. Por contratos de outubro de 1909 e novembro de 1910, a Great
Western foi autorizada a construir vários ramais e a fazer diversas ligações, tendentes não só a por as localidades do interior em comunicação com o
litoral, como a ligar sua rede com a da Bahia.
Esta ligação está sendo feita pelo prolongamento da Timbó a
Propriá, desde a margem do S. Francisco até Lourenço de Albuquerque, na linha de Maceió. A rede da Great Western, que compreende cerca de 1.200 km
em tráfego, serve à zona açucareira e algodoeira por excelência, põe em comunicação as capitais dos quatro estados a que serve e essas capitais com
as regiões agrícolas do interior.
A base do sistema é, naturalmente, a cidade de Recife, de onde
as linhas partem para o Noroeste (Recife-Limoeiro),para o Oeste (Central de Pernambuco) e para o Sudoeste (Recife-São Francisco), ramificando-se por
toda a zona em estradas menores, entre as quais merece especial menção a Paulo Affonso Railway,116 quilômetros de linha destinados a pôr em
comunicação a parte navegável do São Francisco em sua foz, com o curso geral navegável, interrompido pela famosa cachoeira que deu nome à estrada.
Deixando finalmente o Rio Grande do Norte e a rede da Great
Western, chegamos à rede cearense, com suas ramificações para Piauí e Maranhão – últimos estados do litoral que necessitam de comunicações
ferroviárias, visto que a rede fluvial do Amazonas, completada pelas linhas férreas de ligação, autorizadas pelo decreto de 5 de janeiro de 1912,
para defesa da borracha, serve mais ou menos suficientemente ao Pará, bem como ao Amazonas.
A rede cearense é constituída pela fusão das estradas de ferro
de Sobral e de Baturité – aquela, entre o porto de Camocim e Ipu, passando por Sobral; esta, entre o porto da Fortaleza e Senador Pompeu, passando
por Baturité – as quais foram arrendadas à South American Railway Construction Company, comprometendo-se esta a construir ramais e prolongamentos,
cujos traçados têm sido por vezes discutidos e alterados, mas que visam três fins: pelo Oeste, chegar a Terezinha, capital do Piauí, e Caxias, no
Maranhão já ligada a São Luiz, capital do estado, por uma linha, cuja execução teve início em 1908, bem como ligar as duas (Sobral e Baturité) a
Fortaleza, capital do Ceará, por um ramal; pelo lado de Leste, encontrar as três principais linhas de penetração da Great Western; e pelo Sul
atingir a rede baiana que vai a Juazeiro, chegando portanto ao S. Francisco, via fluvial de ligação com todo o Sul da República.
Convém ainda assinalar que no projeto de prolongamento da
Central, de Pirapora até Belém do Pará, figura um entroncamento com a estrada de S. Luiz a Caxias, prolongada esta até Carolina ou a Porto Franco da
Boa Vista, fronteira de Maranhão com Goiás.
Dia de chuva no Rio Tibagy, atravessado pelas linhas da Brazil Railway Company
Imagem publicada com o texto, página 206.
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Linhas de penetração e internacionais – Das grandes linhas de penetração, a primeira, a partir do Sul, e também a mais importante, é a Noroeste do Brasil, que parte de Bauru (São
Paulo), termo da Sorocabana, e se encaminha para Mato Grosso a dentro, até a fronteira boliviana em Corumbá. Como linha de penetração, ela prolonga
a desenvolvida rede paulista até as ricas regiões ocidentais do estado de São Paulo, bem como até Mato Grosso, abrindo assim o tráfego a imensas
regiões atualmente inacessíveis.
Do ponto de vista econômico, ela tem por fim encaminhar para os portos brasileiros de Santos e Rio de Janeiro um comércio já considerável e que
tende naturalmente a desenvolver-se muito, o qual é feito, atualmente, via Paraguai, Buenos Aires e Montevidéu, com grande prejuízo de tempo e
pagamento de direitos que não revertem para o Brasil.
Atualmente, a produção de Mato Grosso só tem saída fácil para
o Atlântico pelo Rio Paraguai, com escala em Buenos Aires, seu porto de baldeação. Nessa viagem, que não raro leva mais de um mês, a tonelada de
mercadoria paga em média – até ali – 250$ de transporte, que vão para as alfândegas argentinas. Pela Noroeste, a mesma tonelada será transportada em
três dias, de Corumbá a Santos, e não pagará mais de 140$ às alfândegas brasileiras, ganhando ainda o comerciante o tempo e o transporte de Buenos
Aires a Santos, economias ambas muito consideráveis.
Mas, nem só a Mato Grosso ela oferecerá tão grandes vantagens.
A Noroeste prestará serviços idênticos à Bolívia, desviando assim de Buenos Aires para os portos brasileiros aquela parte de seu comércio atualmente
feita pelo Rio Paraguai.
É certo que a República Argentina disputa ao Brasil essa parte
do comércio boliviano, por meio de suas linhas férreas, que vão até o Sul da Bolívia. Uma vez construída, porém, as Noroeste, as vantagens de tempo,
distância e dinheiro, oferecidas pela linha brasileira, serão tão maiores, que a competição argentina já não será possível.
De Santa Cruz de La Sierra, mais ou menos no centro da
Bolívia, a Buenos Aires, a distância é de 1.684 milhas, ao passo que, a Santos, a mesma distância será de 1.40 milhas. A grande vantagem,
porém, está em que, como caminho para a Europa, a Noroeste do Brasil poupará à mercadoria boliviana nada menos de mil milhas, mais ou menos, isto é,
1.600 ou 1.700 quilômetros de viagem, com as respectivas vantagens de tempo e de economia no transporte. Com a Madeira-Mamoré ao Norte e com a
Noroeste ao Sul, o Brasil, pois, receberá, pelos portos de Santos e Manaus, todo o comércio boliviano que se destine à Europa.
Mas a Noroeste do Brasil deve funcionar, ainda, de futuro,
como via transcontinental, indo ter à rede boliviana para lá do rio Paraguai e, por meio desta, às redes do Chile e do Peru, isto é, estabelecendo
comunicação entre o litoral do Atlântico e o do Pacífico. Ela poderá também, como a São Paulo-Rio Grande, servir de estrada de ferro estratégica,
permitindo ao Brasil alcançar rapidamente, e com segurança, o alto Paraguai e a fronteira ocidental, sem ser obrigado, como hoje, a passar pela
República Argentina.
A linha compreende dois trechos: um, que vai de Bauru, a 442
km da cidade de São Paulo, até alcançar o Rio Paraná, que ela atravessa em Itapura; o outro, que vai de Itapura até alcançar o Rio Paraguai, em
Corumbá (Mato Grosso). O primeiro trecho, de 440 km, começou a ser construído em julho de 1905 e ficou terminado em 1909; ele deve fazer, de futuro,
Itapura – que fica no centro da grande rede fluvial constituída pelo Paraná superior e seus afluentes – um importante centro comercial e talvez
estratégico. Terminado o segundo trecho (967 km), Corumbá – porto brasileiro à margem do Paraguai, a que atualmente só se chega após muitos dias, às
vezes mais de um mês, de incerta viagem fluvial – ficará a 2.345 quilômetros, ou cerca de 78 horas de viagem, do Rio de Janeiro, e a 1.828 km, ou 60
horas de viagem, de Santos.
É escusado dizer que a construção da Noroeste, através tão
grande e desconhecida zona, tem sido feita com grandes dificuldades. Sem falar que a região é insalubre, inutilizando pela maleita muitos dos
trabalhadores nela empregados, a zona está ainda infestada pelos índios Coroados, cuja presença não é só uma ameaça contínua para as turmas de
trabalhadores, que vivem armados como no Far West norte-americano, mas um estorvo freqüente ao avanço nos trabalhos de construção. O
custo total da linha, incluindo o material rodante, está avaliado em cerca de 75.000 contos.
Linha de penetração é ainda a Estada de Ferro de Goiás, cujos
trabalhos, iniciados em 1907, vão adiantados, a qual visa por em comunicação com as últimas ramificações da Oeste de Minas – por sua vez ligada à
rede Sul-Mineira e à da Mogiana, que serve o Norte de S. Paulo – o Sul do Estado de Goiás e o curso navegável do Araguaia e Tocantins.
Partindo de Formiga (1.840 metros de altitude), onde termina a
Oeste de Minas, a Estrada de Ferro de Goiás deverá alcançar a capital do Estado, Goiás, seguindo depois até Leopoldina, à margem direita do
Araguaia. Em virtude de um contrato revisto em outubro de 1909, a linha deve ser construída via Catalão, que é a mais importante cidade do Estado,
depois da capital, e compreenderá dois ramais: um para Uberaba, o principal centro comercial e industrial da zona conhecida por "Triângulo Mineiro",
passando por Araxá, importante distrito diamantífero; outro, ligando catalão a Araguari, ponto terminal da Mogiana.
Com esta linha, o estado de Goiás – que é o mais central e,
por isso, talvez, o mais isolado dos estados brasileiros – ficará assim com sua parte meridional ligada às redes da Central (pela Oeste de Minas) e
das estradas de ferro paulistas (pela Mogiana) e pela São Paulo a Goiás, aberta em 1909, que lhe abrem acesso para os portos do Rio de Janeiro e de
Santos.
Por outro lado, o Centro e o Norte do Estado terão acesso para
o porto de Belém por um sistema combinado de navegação a vapor e estradas de ferro de ligação, ambas a cargo da North of Brazil Railway Co. Este
sistema compreende: um serviço de vapores pelo Araguaia (o qual corre pela fronteira ocidental do Estado) entre Leopoldina e Praia da Rinha, perto
da confluência com o Tocantins, onde a navegação é interrompida por cachoeiras; outro serviço de vapores pelo Tocantins (o qual corre pelo Centro e
pela fronteira Nordeste do Estado), entre Palma e Marabá; e finalmente uma estrada de ferro ligando o extremo navegável dos dois rios até Cametá, no
Pará, não muito longe do delta do Amazonas.
Em 3 de março de 1912, foi inaugurada a linha de Cametá a
Alcobaça, também à margem do Tocantins, um pouco ao Sul; e prossegue ativamente a construção do trecho de Alcobaça à Praia da Rainha que dará acesso
para o Atlântico ao Centro e Norte de Goiás, á parte de Mato Grosso servida pela margem esquerda d Araguaia, e finalmente à parte oriental do Pará
atravessada pelo Tocantins.
Uma importante linha de caráter internacional, mas visando um
fim todo especial, é a Madeira-Mamoré,destinada a ligar Porto Velho, perto do ponto em que o rio Madeira deixa de ser navegável para os vapores em
razão das cachoeiras que o interrompem, com Guajará Mirim, no seu afluente Mamoré, passando por Villa Bella, na fronteira boliviana.
Para bem compreender-se a importância econômica e as
dificuldades dessa empresa, verdadeiramente colossal, são precisos alguns esclarecimentos geográficos, que passamos a dar, resumidamente. Em 1867, o
rio Amazonas e seus principais afluentes foram abertos à navegação internacional e, embora as nações não se aproveitassem logo desta franquia, de
1900 para cá o rio-mar tem sido percorrido mesmo por diversos navios de guerra norte-americanos, ingleses, alemães e outros, que atravessam toda a
região brasileira da Amazônia e chegam até Iquitos, no Peru, a mais de 4.000 km de Belém do Pará.
Dos afluentes do Amazonas, o maior e mais majestoso é o
Madeira, navegado por navios de mais de 6.000 toneladas até Santo Antonio (cerca de 1.150 km da embocadura do Madeira com o Amazonas), sendo que, a
Porto Velho, um pouco mais para o Norte, já têm encostado navios de 6.600 toneladas, procedentes da Europa.
Além dessa comunicação, Porto Velho está ligado a Manaus por
telegrafia sem fio, o que tudo facilita grandemente o comércio de toda a região do Madeira até aí. A partir,porém, desse ponto, a navegação a vapor
é interrompida por 26 cachoeiras nua extensão de 365 km, até Villa Bella, situada na fronteira boliviana, no ponto onde confluem o Beni e o Mamoré,
afluentes do Madeira.
Essas cachoeiras, algumas das quais são tão perigosas que os
próprios índios não se aventura a navegá-las em suas pequenas embarcações rudimentares,, constituem um sério obstáculo ao desenvolvimento do
comércio em toda essa região, ao mesmo tempo que interrompem as comunicações da bacia do Amazonas – escoadouro para o Atlântico – com a Bolívia e
Mato Grosso.
Ora, todo o comércio do Oeste boliviano, já considerável mas
sobretudo suscetível de grande desenvolvimento, é escoado pelo Amazonas, transitando pelos afluentes do Madeira. Mas, para chegar até ele –
especialmente através do Beni, do Mamoré e do Guaporé – servem-se os bolivianos de pequenas embarcações rudimentares, as únicas capazes de fazer a
navegação aí, mas cujas condições de transporte não favorecem o comércio existente e menos ainda iniciam o desenvolvimento deste.
Foi um oficial da Marinha norte-americana, o tenente Gardner
Gibbon, quem primeiro assinalou, em 1852, a importância do traçado de uma linha férrea contornando a série das cachoeiras e ligando o Mamoré ao
curso navegável do Madeira. Em 1882, o governo imperial se decidiu à obra; mas foram tais as dificuldades financeiras e técnicas encontradas, que o
projeto foi abandonado.
Pelo tratado de Petrópolis, de 17 de novembro de 1903, o
Brasil adquiriu, por dois milhões esterlinos, a posse do território litigioso do Acre, disputado pela Bolívia, assumindo também o compromisso de
levar a efeito a construção da estrada de ferro Madeira-Mamoré, de que a Bolívia pretende justamente tirar grandes vantagens para o seu comércio,
desenvolvendo a sua fértil zona ocidental, rica de borracha, entre outros produtos, mas que até aqui tem lutado com a dificuldade de transporte.
A construção dessa estrada de ferro, tentada desde 1872,
constitui um episódio notável na história das construções ferroviárias, tamanhas têm sido as dificuldades opostas pela constituição do terreno e
insalubridade da zona. Morreram aí algumas centenas de trabalhadores estrangeiros, o que muito contribuiu para a má fama de insalubridade do Brasil.
Para levar a cabo o seu contrato, a companhia norte-americana
finalmente encarregada da construção resolveu, depois de fazer várias expedições mal sucedidas, proceder como no Panamá, saneando primeiro a região,
que era assolada pelas febres palustres.
Depois de estudada a situação por uma comissão de médicos e
engenheiros, a companhia resolveu introduzir melhoramentos materiais em Santo Antonio do Madeira, construindo esgotos, canalizando a água,
instalando eletricidade e abatendo as florestas vizinhas, e em Porto Velho instalou seus escritórios, oficinas e depósitos diversos, bem como seis
hospitais e farmácias, dando à pequena cidade um grande impulso.
Graças a essas precauções, que representam mais uma importante
vitória sanitária dos norte-americanos – os saneadores de Cuba e do Panamá – os casos de febre infecciosa foram rareando e os trabalhos, efetuados
por milhares de trabalhadores, principalmente italianos e espanhóis, foram em pouco tempo levados a feliz termo: no fim de 1910, havia 175 km de
linhas completamente acabados; em março de 1912, havia a construção chegado ao quilômetro 341; e em julho seguinte, a empreitada foi dada por finda,
ficando concluídos os 364 quilômetros da linha entre Porto velho e Guajará-Mirim.
Em começo de 1912 foi apresentado ao Congresso Nacional um
projeto autorizando a construção de uma estrada de ferro ligando o porto de Canavieiras, no Sul da Bahia, à cidade de La Paz, capital da Bolívia,
que fica mais ou menos no mesmo grau de longitude, e está ligada, por estrada de ferro, ao porto chileno de Arica. Segundo o projeto em vista, a
linha partirá de Canavieiras, em direção mais ou menos reta, correndo para Oeste, através dos estados de Minas Gerais, pelo Norte, Goiás e Mato
Grosso, pelo Sul, atravessando a Bolívia pelo centro. A linha, a ser construída, correrá 2.170 quilômetros em território brasileiro, assim
divididos: 250 km na Bahia, 670 em Minas, 500 em Goiás e 750 em Mato Grosso. Um outro projeto de linha internacional é a que pretende ligar o Rio de
Janeiro ao porto chileno de Valparaíso.
Convém ainda assinalar – embora não se trate do sistema
ferroviário brasileiro – que em março de 1912 o Senado peruano aprovou as últimas modificações ao projeto de construção duma linha férrea empreitada
por um sindicato norte-americano, à cuja frente está o Banco Mac Kuhn, de Nova York, a qual porá o porto peruano de Callao em comunicação com a
parte navegável do Amazonas, dando assim escoadouro ao comércio peruano, para o Atlântico, pelos portos brasileiros de Manaus e Belém.
Realizados todos esses projetos, o Brasil, que já se acha em
comunicação ferroviária com o Uruguai e a República Argentina, ficará também em estreita comunicação comercial, por via férrea e fluvial, com o
Chile, Paraguai, Bolívia e Peru, sendo que para as três últimas repúblicas ele será o escoadouro natural para o Atlântico.
E.F. Mogiana: oficina de consertos
Foto publicada com o texto, página 207.
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Os capitais empregados
– Não é possível assinalar com algarismos precisos cada uma das partes com que os capitais – nacionais e estrangeiros – têm contribuído para dar ao
Brasil a rede ferroviária, já hoje considerável, a que o país deve provavelmente o mais do seu progresso econômico.
A dificuldade é tanto maior, no momento presente, quanto os
contratos de concessões e arrendamentos são muitas vezes objeto de negociações, em virtude das quais a companhia construtora é uma e os capitais são
fornecidos por outra. Além da confusão que trazem tais negociações, é preciso notar – como o observa o sr. Lionel Wiener, no seu documentado
trabalho sobre As Estradas de Ferro do Brazil, publicado numa série de quinze artigos do Cassier's Magazine, de Londres – que muitas
vezes o capital é subscrito por um país e as encomendas de material e fornecimentos são feitas noutro. Dadas, porém, essas restrições, vamos
procurar mostrar a origem e proporção geral dos capitais empregados, deixando para os artigos especiais, que se seguem a esta introdução, a parte
financeira de cada companhia.
O sr. Lionel Wiener assim resume a distribuição dos capitais:
"Geograficamente considerados, toda a parte meridional é franco-belga; o centro, compreendendo os estados de Minas e São Paulo, é brasileiro; e a
maior parte da costa oriental é inglesa".
A maior parte das novas construções ferroviárias do Brasil
estão sendo sustentadas pela Brazil-Railway Company, incorporada segundo as leis do estado do Maine (Estados Unidos), com um capital autorizado de
cinqüenta milhões de dólares. Apesar de sua origem canadense-americana, esta companhia é hoje franco-americana, pois – como explicava o sr. J.
Slechta, vice –cônsul dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, num de seus relatórios – ela é sustentada principalmente por capitalistas franceses e
dirigida por operadores norte-americanos.
Tendo obtido as concessões para a S. Paulo-Rio Grande (capital
220 milhões de francos), com os diversos ramais posteriormente autorizados, e tendo obtido o arrendamento da Sorocabana Railway (capital
£4.055.555), que lhe serve de ligação para o Norte, a Brazil Railway não só adquiriu parte preponderante na Paulista e na Mogiana, de S. Paulo, como
tomou a si a direção das estradas do Rio Grane do Sul, capitalizadas pela Compagnie Auxiliaire (franco-belga). Além destas linhas, que formam quase
todo o sistema ferroviário do Brasil nos seus quatro estados do Sul, a Brazil Railway tem cerca de metade do capital da Madeira-Mamoré, custeada
pelo Governo Federal.
No seu referido relatório, publicado pelo Daily Consular
and Trade Reports, de Washington, em 3 de janeiro de 1911, o sr. Slechta assim informava seu governo sobre a extensão das operações da Brazil
Railway: "As redes franco-americanas atingem assim 5.000 milhas
(mais de 8.000 quilômetros), das quais mais de 4.000 já se acham em tráfego. Linhas em projeto, e que provavelmente estarão em tráfego dentro de um
ano, estenderão a quilometragem total sob fiscalização direta ou indireta dos operadores americanos e acionistas franceses, a um total igual à
metade de toda a rede atual do Brasil".
São ainda capitais franco-belgas as duas importantes linhas de
penetração Noroeste do Brasil (capital 28.532:500$) e Goyaz Railway (capital 18.825:000$), bem como a rede federal da Bahia. Em São Paulo, a
Paulista (capital 100.115:555$), e a Mogiana (capital 71.627:497$), são ainda capital brasileiro, na sua maioria, apesar dos projetos da Brazil
Railway, de unificar sob sua direção todo o sistema ferroviário do Sul do Brasil até as zonas da Central, que é a principal via férrea do país,
explorada pelo próprio Governo Federal.
Nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro começam a aparecer
os capitais ingleses, que até pouco tempo dominavam quase exclusivamente as operações ferroviárias no Brasil, mas que atualmente têm um campo de
operações relativamente reduzido: a S. Paulo Railway, de Santos a Jundiaí (capital £6.738.803); a Leopoldina, no Rio de Janeiro, Minas e Espírito
Santo (capital £11.295.947); a Great Western (capital £2.249.950), e a North Eastern, cujas redes servem aos estados do litoral do Sergipe até o
Maranhão.
Juntando-se, a estas, outras linhas menores, como a S. Paulo e
Minas e a Brazil Great Southern, vê-se que a esfera do capital inglês é relativamente pequena, embora com a S. Paulo Railway ele domine todo o
transporte do café brasileiro, isto é, o maior comércio do país, e com a Great Western o comércio de açúcar e algodão.
Os alemães, apesar de sua grande influência na colonização do
Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, têm apenas a pequena Santa Catharina Railway. Eles dedicam maior atenção ao fornecimento de material,
mas ainda nesse
ponto sua parte é menor do que a dos norte-americanos, ingleses, franceses e belgas.
A este respeito, cabe aqui transcrever as informações do sr.
Lionel Wiener: "Os trabalhos de construção são realizados em
larga escala por companhias francesas, enquanto o material rodante de toda espécie é comprado em grande parte nos Estados unidos. Assim, no sistema
da união que, em janeiro de 1908, consistia em 7.795 milhas, de um total de 11.646 milhas (18.740 quilômetros, mais ou menos), havia 1.074
locomotivas, 1.324 carros de passageiros, 14.221 vagões em uso. Das locomotivas, 704 são dos Estados Unidos, 318 são inglesas, 23 francesas,
30 belgas ou alemãs. Dos carros, há 483 dos Estados Unidos (dos quais 208 na Central do Brasil), 348 brasileiros, 395 ingleses, 71 belgas e 27
franceses. Dos vagões, 7.073 são ingleses (2.093 só na S. Paulo Railway), 2.995 brasileiros (2.201 na Central), 2.397 dos Estados Unidos, 1.254
belgas e 451 franceses".
As estatísticas de despesa e receita das diversas companhias
não são recentes. No último Retrospecto Commercial do Jornal do Commercio, publicado em março de 1912, encontram-se os dados relativos
a 1909, de que passamos a utilizar-nos, retificando um pequeno engano de soma:
Receitas totais |
|
Estradas da União |
Concedidas pela União |
Passageiros |
16.369:413$850 |
6.532:569$944 |
Bagagens e encomendas |
3.464:484$378 |
1.409:004$094 |
Animais |
2.468:970$980 |
513:586$890 |
Carros |
43:608$530 |
7:798$735 |
Mercadorias |
37.620:189$862 |
43.965:772$657 |
Telégrafo ou telefone |
245:214$429 |
333:914$809 |
Armazenagem |
107:086$556 |
152:055$130 |
Diversas e eventuais |
2.210:244$470 |
1.005:458$913 |
Receita total do tráfego |
62.520:213$055 |
54.920:161$172 |
Receita total assessória |
386:864$016 |
142:682$780 |
Total de Receita |
62.916:077$071 |
55.062:843$952 |
Receita total |
117.978:921$023 |
Despesas totais |
|
Estradas da União |
Concedidas pela União |
Administração e direção geral |
4.039:697$393 |
1.935:334$433 |
Telégrafo ou telefone |
2.123:600$838 |
671:869$225 |
Tráfego |
11.923:887$969 |
7.293:907$737 |
Locomoção |
18.691:622$459 |
13.979:263$311 |
Via permanente |
12.956:112$622 |
10.588:714$506 |
Despesa de custeio |
49.734:921$281 |
34.469:089$212 |
Despesa assessória |
2.836:082$064 |
899:504$255 |
Total |
52.571:003$345 |
35.368:593$467 |
Despesa total |
87.939:596$812 |
Receita total |
117.978:921$023 |
Saldo a favor |
30.039:324$211 |
Balanço final
– Muito mais se poderia dizer sobre o atual sistema ferroviário do Brasil. Mas o que ficou dito é já uma indicação tanto quanto possível completa,
em síntese, do que se tem feito e do que se pretende fazer.
O seguinte quadro mostra o desenvolvimento progressivo das
estradas de ferro no Brasil desde o seu início até o começo de 1912:
Anos |
Extensão km |
1855 |
14.500 |
1860 |
222.696 |
1865 |
498.393 |
1870 |
744.922 |
1875 |
1.800.895 |
1880 |
3.397.872 |
1885 |
6.930.285 |
1890 |
9.973.087 |
1895 |
12.967.098 |
1900 |
15.316.400 |
1905 |
16.780.842 |
1906 |
17.242.457 |
1907 |
17.605.217 |
1908 |
18.632.655 |
1909 |
19.536.908 |
1910 |
21.370.199 |
1911 |
22.065.629 |
No começo de 1912, era o seguinte o estado da viação férrea da
República:
Linhas |
Em
tráfego |
Construção |
Estudos aprovados |
Total |
|
|
km |
km |
km |
km |
I |
De propriedade da União e sob sua
administração |
3.335.734 |
454.731 |
435.296 |
4.226.761 |
II |
De propriedade da União e arrendadas |
7.390.113 |
2.177.900 |
2.254.127 |
11.822.140 |
III |
Concedidas pela União, com garantias de
juros |
3.147.044 |
255.576 |
837.614 |
4.240.234 |
IV |
Concedidas pela União, sem garantias de
juros |
1.792.847 |
198.799 |
1.259.662 |
3.251.308 |
V |
Estaduais |
6.399.891 |
864.790 |
259.206 |
7.523.887 |
|
Total |
22.065.629 |
3.951.796 |
5.045.905 |
31.064.330 |
É tempo de fazermos uma apreciação de conjunto sobre o
programa das estradas de ferro no Brasil e a maneira como ele vem sendo executado pelos governos. Como se pode depreender do exposto, esse programa
visa dois fins: um é a concentração das forças econômicas do país, e portanto a consolidação da unidade nacional, impossível com o isolamento em que
vivem muitas regiões; outro é o estabelecimento da hegemonia ferroviária, da qual é de esperar também a hegemonia econômica, no continente
sulamericano.
O segundo só pode ser visado depois de realizado o primeiro; e
não se compreenderia mesmo que o Brasil o houvesse empreendido, se as suas projetadas estradas de ferro internacionais não visassem igualmente –
antes dessa aspiração de servir aos outros países – satisfazer a necessidade bem nacional de pôr em comunicação com as regiões mais penetradas pelo
braço de trabalho e pelo capital outras quase abandonadas no seu afastamento.
As estradas de ferro no Brasil não são construídas somente
para servirem de meios de transporte, mas também, e às vezes principalmente, para servirem como veículos de colonização. Quer dizer: elas não
correspondem sempre a uma necessidade presente, mas têm em vista por vezes preparar um futuro.
A lei federal, regulando e promovendo o povoamento do solo
brasileiro (1907), devida ao ministro Calmon, contém um capítulo inteiro que trata da colonização por meio das companhias de transporte. Nele, assim
como no decreto de 25 de janeiro de 1911, o governo federal oferece grandes vantagens, inclusive subvenção às companhias ou capitalistas que se
proponham a instalar "núcleos coloniais" à margem das linhas férreas.
Da eficácia deste projeto dá testemunho, entre outros casos
menores, o da Brazil Railway, senhora de quase toda a viação férrea do Sul, a qual se propõe colonizar e explorar seis milhões de acres de terra, na
zona servida pela São Paulo-Rio Grande.
No começo deste capítulo, assinalamos já a importância do
problema ferroviário no Brasil e a indiscutível necessidade de se construírem estradas de ferro. Nesse trabalho de construções, porém, que no Brasil
oferece particulares dificuldades e é particularmente dispendioso, é preciso grande método e prudência, tendo em vista, ao mesmo tempo, as
necessidades do país e suas condições financeiras. Terão os governos brasileiros atendido sempre a essas considerações?
A opinião mais ponderada do país já começa a inquietar-se com
o afã de dotar o Brasil de estradas a torto e a direito, necessárias ou não, construídas com vantagens ou com excessivos ônus para o Tesouro
Nacional. Em 1911, o Jornal do Commercio abriu uma vibrante campanha contra os termos de muitos contratos para as atuais estradas de ferro, o
que obrigou o ministro Francisco Sá, depois eleito senador pelo Ceará, a fazer no Senado uma defesa de sua gerência da pasta da Viação no governo do
dr. Nilo Peçanha.
O sr. barão d'Anthouard – que, às estradas de ferro, dedicou
um dos mais substanciosos e ponderados capítulos do seu livro Le Progrès Brésilien - mostra-se duvidoso de que a execução do atual programa
ferroviário do Brasil contribua para o enriquecimento do país. "Onde
se encontrarão os meios – pergunta –
de se remunerar esse capital colossal (o capital empregado nas construções), quando a produção
é reprimida pelo peso dos encargos que a sufocam, impostos, transporte, carestia da vida, falta de capitais e de mão-de-obra? Como aliviar os
impostos, se o país se endivida cada vez mais? Como diminuir as despesas de transporte, se os trilhos se estendem indefinidamente por desertos onde,
tão cedo, não existirá um só elemento de tráfego? Como baixar o preço da vida, se o país continua a endividar-se? Como atrair capitais para a
Agricultura, se ela não é mais produtiva? O Brasil sofre da sua grandeza, que dispersa as suas forças e portanto as enfraquece; ele deve pois, antes
de tudo, concentrá-las e precaver-se contra a embriaguez do espaço. A necessidade e proporcionar seus esforços a seus meios, de seriá-los, é
inelutável. Querer criar dum só jato o aparelho econômico seria agir como um homem que, possuindo uma vasta propriedade, a desbravasse toda inteira
e enterrasse o seu capital nesses trabalhos preparatórios, vendo-se obrigado, depois, a pedir emprestado para cultivar e a consagrar, durante longos
anos, o fruto do seu trabalho ao pagamento dessas dívidas. Que ele evite os exageros e, antes de pensar em colonizar as imensidades do seu
hinterland, explore as regiões menos afastadas, já atravessadas pelas vias férreas. Depois de terminadas as vias atualmente em construção, que
correspondem a urgentes necessidades econômicas e políticas, seria preferível marcar um tempo de pausa na extensão e aplicar-se a uma melhor
utilização das zonas atualmente servidas, e ao mesmo tempo ao melhoramento das condições gerais do tráfego. Antes de começar uma nova etapa, mais
valeria consolidar os resultados adquiridos. Seria prudente, porque a cada dai basta a sua tarefa".
As sábias palavras do sr. barão d'Anthouard não devem ser
consideradas como uma reprovação do que se tem feito, mas como uma prudente admoestação para o que se pretenda fazer. A verdade é que o Brasil não
está em condições de aventurar fortunas em problemáticos interesses futuros, com sacrifício de reais interesses presentes.
E.F. Mogiana: carpintaria
Foto publicada com o texto, página 208.
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Notas suplementares
– Após a data de terminação do artigo supra, têm ocorrido, no mundo ferroviário do Brasil, diversos desenvolvimentos e operações que convém fiquem
assinalados, embora em poucas linhas.
O mais importante de tais acontecimentos foi, sem dúvida, o
plano – aliás previsto nas Bolsas mundiais pela compra de ações das companhias em questão – para a unificação da Brazil Railway Co. com a Entre Rios
(Argentina) Railway Co., a Argentine North East e a Paraguay Central. Tanto nessas linhas como em outras da Bolívia e do Uruguai, foram adquiridos
interesses de interferência pela Brazil Railway ou por um sindicato financeiro que opera em íntima ligação pessoal com ela, resultando daí que o
novo sistema porá em comunicação Assunção, capital do Paraguai, com Buenos Aires, as duas capitais em comunicação ferroviária com as principais
estradas brasileiras e, de futuro, ligará o Atlântico ao Pacífico.
Diz-se que o objetivo da Brazil Railway Co. é o
estabelecimento duma "Canadian Pacific of the South". Uma simples vista sobre o mapa mostrará que, embora o paralelo não seja propriamente exato, a
situação das estradas de ferro em questão é tal que, com proveito, tanto para os acionistas, como para os países afetados, elas poderiam ser
operadas como um único sistema, desde que sejam construídas certas ligações necessárias.
Outro projeto que se atribui à Brazil Railway Co., de menor
grandeza, mas ainda assim de considerável importância, é a construção duma nova linha no estado de S. Paulo, indo de Mayrink a Santos, fazendo assim
concorrência à companhia inglesa da São Paulo Railway que, presentemente, tem o monopólio do tráfego para o porto de Santos. Esse plano, a se
realizar, será custeado pela Sorocabana Railway, na qual – como já se disse – a Brazil Railway tem decisivos interesses.
Se todos esses projetos forem realizados, como só há razões
para esperá-lo, e uma vez construída a Brazil-Paraguay, de Assunção a São Francisco (Santa Catarina), o grupo financeiro da Brazil Railway Co. terá
em suas mãos o futuro desenvolvimento de todo o Brasil meridional, a partir do paralelo 24º de latitude; portanto, a porção mais desejável do país,
uma vez que ela abrange toda a região temperada e sub-tropical branda.
Além disso, é certo que esse grupo será, também, um fator
dominante no progresso de imensas zonas de terras férteis e ricas no Sul da Bolívia, no Paraguai, Uruguai e Norte da Argentina. Como a companhia
possui também vastos territórios marginais das suas linhas, está no seu interesse, aparte mesmo a criação do tráfego, desenvolver os recursos
naturais do país a que serve.
E.F. Mogiana: ponte sobre o Rio Grande
Foto publicada com o texto, página 210.
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