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ROTA DE OURO E PRATA
Navios: o Vestris

1912-1928

Em duas ocasiões precedentes, tivemos a oportunidade de tratar as origens da Lamport & Holt (L&H), grande armadora do Reino Unido, presente na Rota de Ouro e Prata (Brasil e Argentina) desde o longínquo ano de 1863.

Nas narrativas dos navios Tycho Brahe e Nasmyth, vimos aspectos relacionados com a história da armadora na segunda metade do século XIX, era de maior expansão da empresa.

Além da tradicional ligação marítima entre portos ingleses e portos sul-americanos da costa Leste, a L&H passou, a partir de 1869, a utilizar seus vapores na linha entre Nova Iorque, Trinidad, Rio de Janeiro, Santos, Montevidéu e Buenos Aires.

Coube ao Halley inaugurar, naquele ano, o novo serviço, transportando na ocasião um carregamento de café do Rio de Janeiro até a metrópole norte-americana.

A partir de então, a L&H utilizou, na sua melhor discrição, seus vapores numa espécie de serviço triangular, do qual uma ponta eram os Estados Unidos da América, através de seus portos da costa Leste; a outra ponta era constituída pelos portos do Brasil e da Bacia do Prata e a terceira, unindo as duas primeiras, levava a portos situados na Grã-Bretanha.

Por volta de 1900, a L&H já havia mandado construir e utilizado cerca de 80 navios diferentes, a maioria dos quais havia servido essas três pontas do tráfego mercante da armadora.

Em 1902, entraram em serviço os quatro vapores intermediários da classe T (Thespis, Terence, Titian e Tintoretto), todos com tonelagem inferior a 4.500 toneladas de arqueação bruta (tab).

Quatro anos mais tarde, o volume de tráfego era tão intenso que a L&H se viu obrigada a ordenar mais quatro transatlânticos mistos (de passageiros e de cargas), desta vez, porém, de bem maiores dimensões que os da classe T.

Apareceram, desta forma, o Veronese e o Velasquez, ambos realizando suas viagens inaugurais entre Liverpool (Inglaterra) e Buenos Aires, com escalas intermediárias, em finais de 1906, e o Voltaire e o Verdi, completados no ano seguinte.

O Velasquez teve vida bem curta, já que, em 16 de outubro de 1908, foi encalhar entre a Ponta da Sela e Mexilhões (extremidade Sul do Canal de São Sebastião), sendo considerado como perda total pelos seguradores do Lloyd's, de Londres, Inglaterra.

Para substituí-lo, a L&H foi obrigada a encomendar um quarto navio da série V, o Vasari, construído em 1909.

Visto a demanda no tráfego de emigração entre a Europa e o Brasil, tráfego que não cessava de aumentar desde o início do século XX, a L&H decidiu, em meados de 1910, ordenar a construção de mais três grandes vapores, que deveriam ser utilizados na rota entre Liverpool-Buenos Aires, com escalas no Rio de Janeiro e em Santos.

Foi o estaleiro irlandês Workman, Clark & Co., de Belfast, a receber a encomenda desses três navios de desenho similar e praticamente gêmeos.

O primeiro a ser entregue recebeu o nome de Vandyck; no ano seguinte, foram lançados e aprestados (concluídos) o Vauban e o Vestris, estes últimos ligeiramente maiores que o primeiro citado.

Eram navios de ótimo desenho, funcionais, robustos e velozes ao mesmo tempo. Possuíam dois hélices e acomodações espaçosas, para um total de cerca de 600 passageiros, distribuídos em três classes e espalhados em cinco decks (conveses ou andares), dos quais três eram de superestrutura.


O Vestris tinha 151 metros de comprimento e capacidade para 610 passageiros em três classes
Foto: reprodução, publicada com a matéria

Na época de seu aparecimento, este trio e navios representava o que de melhor havia sido apresentado até então pelas armadoras que serviam a Rota de Ouro e Prata, esta distinção só sendo superada um ano mais tarde, com a introdução, pela Royal Mail, do par Andes e Alcantara, respectivamente em setembro de 1913 e junho de 1914.

Mas o que nos interessa agora particularmente é a carreira do Vestris. Lançado ao mar em maio de 1912, foi aprestado e entregue à armadora quatro meses depois, realizando sua viagem inaugural entre Liverpool e Buenos Aires no decorrer de setembro, escalando no Brasil só no porto do Rio de Janeiro.

Ao tocar seu destino, isto é, o porto da capital argentina, embarcou passageiros com destino a Nova Iorque, pois havia sido destinado, junto a seus dois irmãos gêmeos, para servir a linha Nova Iorque-Buenos Aires.

É necessário ressaltar que, no decorrer de 1911, a Lamport & Holt teve seu capital majoritário adquirido pelo Grupo Royal Mail, que, nessa época, sob a condução de Owen Phillips, encontrava-se em plena expansão financeira e operacional. Todavia, à L&H foi mantida a independência operacional e as cores de seus navios.

Visto que a própria Royal Mail já havia encomendado três grandes transatlânticos de passageiros em 1912 (além dos mencionados Andes e Alcantara, o Almanzora), os três últimos da série V da L&H, ou seja, o Vandyck, o Vauban e o Vestris, foram deslocados no início de 1913 para a linha de Nova Iorque a Buenos Aires.

Ao se iniciarem as hostilidades da Primeira Guerra Mundial, em agosto de 1914, a L&H possuía 36 vapores em sua frota, representando cerca de 200 mil toneladas e, destes, sete eram da classe V, todos eles utilizados no serviço entre as costas Leste da América do Norte e América do Sul.

Durante o conflito, desapareceram por causas bélicas o Vandyck (interceptado e afundado, em outubro de 1914, pelo Karlruhe, cruzador ligeiro alemão e corsário no Atlântico Sul), o Verdi (torpedeado e afundado em agosto de 1917), o Voltaire (capturado e afundado pelo cruzador auxiliar armado Mowe, em dezembro de 1916) e mais outros sete navios da armadora.

O Vestris sobreviveu ao período do conflito e, em outubro de 1919, afretado pela Cunard Lines, da Grã-Bretanha, realizou uma viagem extraordinária entre Liverpool-Nova Iorque-Liverpool.

Foi colocado em seguida na linha triangular Reino Unido-Brasil-Argentina-Estados Unidos, realizando, nessa ordem e nessa rota, meia dúzia de viagens, entre fins de 1919 e meados de 1921.

A L&H decidiu então recolocá-lo na ligação que lhe fora sempre a sua tradicional, Nova Iorque-Buenos Aires-Nova Iorque, rota na qual permaneceu fielmente até os trágicos acontecimentos que marcaram seu fim.

O Vestris saiu de Nova Iorque para o Brasil e o Prata em 10 de novembro de 1928, tendo a bordo 129 passageiros e 197 tripulantes. Seu destino seria, porém, outro: o fundo do oceano.

No dia seguinte, um domingo, o Vestris havia encontrado mais agitado e inesperadamente sofreu um adernamento (inclinação) a boreste (lado direito) de poucos graus, mas continuou navegando.

Por volta das 19h30, quando a maioria dos passageiros encontrava-se recolhida às suas cabines e que no salão do restaurante só três mesas estavam ocupadas, sentiu-se a bordo um baque surdo, com o vapor imediatamente após se inclinando ainda mais para o mesmo lado de boreste.

Para os passageiros e tripulantes, havia se tornado praticamente impossível ficar em pé; nas cabines e nos salões públicos, a confusão era total: tudo o que não estava preso aos pisos dos decks havia deslizado para o lado inclinado.

O comandante do navio, capitão W.J. Carey, ordenou então que as máquinas parassem, para que se pudesse analisar a situação. Esta revelou-se ser de extrema gravidade, pois no Vestris entraram continuadamente a água do mar. As tentativas de bombear para fora a água não davam resultados e o navio muito lentamente continuou a inclinar-se durante toda a noite.

Às 9h56 da manhã de segunda-feira, finalmente e tardiamente, o comandante ordenou o envio de sinais de SOS, pois estava claro que o navio não poderia ser salvo.


Bote salva-vidas escapa do Vestris pouco antes de ele ser engolido pelo mar, em 12/11/1928
Foto: História Ilustrada do Século XX, Publifolha, 1996, S.Paulo/SP, p.160 - L'Ilustration/Sygma, Paris

Foram também arriados os botes salva-vidas, mas devido à forte inclinação, de 32 graus, nem todos puderam alcançar a água corretamente. Os do lado de boreste foram para o mar sem dificuldades, enquanto os de bombordo (lado direito) sofreram uma série de problemas durante o arreamento, causando a perda de dezenas de vidas.

O Vestris foi para o fundo do oceano ao largo do Cabo Virginia, às 14 horas, levando consigo o infeliz capitão, que se recusou à tentativa de ser salvo. Suas últimas palavras foram eloquentes: "Meu Deus, meu Deus, não sou culpado disto!"

O inquérito oficial das autoridades britânicas revelou que o Vestris havia zarpado de Nova Iorque com baixa marca de carregamento (load line) e com alguns porões não totalmente esvaziados da água usada como lastro. Além desses dois fatores, confirmou-se que algumas escotilhas dos decks inferiores não estavam bem fechadas.

Além do mais, o Tribunal Marítimo condenou o atraso no lançamento do pedido de socorro, já que mais de 14 horas haviam se passado, entre o momento da parada do navio e o lançamento do SOS.

Quando o primeiro navio que acorreu em ajuda atingiu a posição do Vestris, já eram 18 horas e noite escura. Por esta razão, os botes salva-vidas com os náufragos só foram encontrados e recolhidos no meio da madrugada e no entretempo alguns deles pereceram de hipotermia.

Os sobreviventes foram salvos pelos vapores American Shipper, Miriam, Berlim e pelo encouraçado americano Wyoming. Quando a contagem final foi realizada, faltavam ao todo 112 pessoas, 44 da tripulação e 68 passageiros.

Vestris:

Outros nomes: nenhum
Bandeira: britânica
Armador: Lamport & Holt Line
País construtor: Grã-Bretanha
Estaleiro construtor: Workman, Clark & Co.
Porto de construção: Belfast
Ano da viagem inaugural: 1912
Tonelagem de arqueação (t.a.b.): 10.494 t
Comprimento: 151 m
Boca (largura): 18 m
Velocidade média: 15 nós (28 km/h)
Passageiros: 610
Classes: 1ª - 280
                2ª - 130
                3ª - 200

Artigo publicado no jornal A Tribuna de Santos em 13/4/1995