ROTA DE OURO E PRATA
Navios: o Velasquez
1906-1908
O transatlântico da L&H começou a navegar no ano de 1906
A história do Velasquez não é bem a seqüência cronológica da vida de um navio, mas sim a de um desastre marítimo, um relato de naufrágio.
A Lamport & Holt (L&H), empresa de navegação da Grã-Bretanha, ordenara, no início de 1905, a construção de quatro transatlânticos de dimensões médias a três
estaleiros britânicos diferentes.
O Estaleiro Sir Raylton Dixon & Co., de Middlesborough, foi encarregado de construir um vapor, que receberia o nome de Velasquez (homenagem ao artista-pintor espanhol); o Estaleiro Workman, Clark and Co. Ltd., de
Belfast, recebeu ordens para mais dois, que seriam denominados Veronese (artista-pintor renascentista italiano) e Verdi (músico-compositor italiano); por último, o Estaleiro D. & W. Henderson Co., de Glasgow, encarregou-se de construir o
Voltaire (escritor-filósofo francês).
Estes quatro vapores, dos quais os três primeiros eram praticamente navios gêmeos, ficaram conhecidos nos meios de navegação mercante como o quarteto da série V.
A embarcação da Lamport & Holt teve apenas 30 meses de vida útil.
Ela naufragou nas proximidades da entrada Sul do Canal de São Sebastião
Foto: reprodução, publicada com a matéria
O primeiro a ser entregue, em janeiro de 1906, foi o Veronese, seguido, em março do mesmo ano, pelo Velasquez, enquanto o Verdi e o Voltaire ficaram aprestados (prontos)
respectivamente em fevereiro e março de 1907.
O quarteto estava destinado a servir na linha da L&H que ligava as costas Leste da América do Norte e do Sul, entre Nova Iorque (Estados Unidos) e Buenos Aires (Argentina), via escalas intermediárias em Barbados
(Bahamas), Bahia, Rio de Janeiro, Santos e Montevidéu (Uruguai).
O Veronese, Velasquez e Verdi eram de mesmo desenho de prancha, convencionais em suas linhas, mas de construção robusta e sem luxo. Com bordo elevado, castelo de superestrutura central com
dois decks (conveses), dois altos mastros e única chaminé, ofereciam capacidade de transporte misto, para passageiros e carga, esta última sobretudo em espaços refrigerados para o transporte de frutas e carnes.
O Voltaire era de dimensões maiores - 8.400 toneladas de arqueação bruta (tab) - do que os três precedentes (que tinham cerca de 7 mil tab), possuindo um deck a mais e instalações para passageiros
mais confortáveis e luxuosas.
Nenhum desses quatro navios, porém, chegaria a completar dez anos de serviço, todos sendo perdidos, dois por causas de navegação e dois por causas bélicas. As razões dessas perdas serão narradas em ordem
cronológica inversa, isto é, partindo da última perda no tempo para a primeira.
Última perda do quarteto e também a derradeira da L&H no conflito de 1914-1918, o Verdi, durante toda sua vida útil, havia sido utilizado alternativamente nas rotas entre Nova Iorque-Buenos Aires e Nova
Iorque-Liverpool (Inglaterra).
Foi justamente por ocasião de uma sua viagem na última rota mencionada que o Verdi veio a ser torpedeado e afundado em 22 de agosto de 1917, nas coordenadas 55º17' Norte de latitude e 12º58' Oeste de
longitude, por um submarino alemão não identificado, com a perda de seis homens da tripulação.
O Voltaire havia realizado sua viagem inaugural entre Liverpool e Buenos Aires em março de 1907, via portos portugueses e brasileiros. Após mais uma segunda viagem redonda nessa ligação, foi transferido
para a linha Nova Iorque-Buenos Aires-Nova Iorque, onde realizou a primeira viagem em outubro do mesmo ano.
O início da Primeira Guerra Mundial modificou seu emprego por parte da L&H e foi assim que o Voltaire encontrou seu destino final em 2 de dezembro de 1916, quando, em pleno centro do Oceano Atlântico
setentrional, viajando lastreado na rota ortodrômica (que corre em linha reta) entre o Canal da Mancha e o Farol de Nantucket (Estados Unidos), foi interceptado, capturado e afundado pelo cruzador auxiliar armado alemão Mowe e seu famoso
comandante Zu-Dohna, de cujas aventuras já mencionamos no passado alguns episódios, como os apresamentos dos vapores da Royal Mail, Brecknockshire e Radnorshire.
O Veronese teve um fim similar ao do Velasquez, tendo sido perdido por causas de navegação. Havia zarpado de Liverpool em 12 de janeiro de 1913, com destino a Buenos Aires, via escalas intermediárias, com
20 passageiros, 97 tripulantes e 5.300 toneladas de carga geral, sob o comando do capitão Charles Turner.
Após escala em Vigo (Espanha), onde embarcou uma centena de emigrantes destinados a Santos, saiu no dia 15 em direção a Leixões, Portugal, onde nunca aportaria. Nas primeiras horas da manhã do dia 16, com tempo
encoberto, neblina e mar grosso, o Veronese foi encalhar nos recifes de Boa Nova, ao largo do Porto de Leixões, partindo-se ao meio, porém sem separação das partes.
Foram necessários quase dois dias antes que todos a bordo pudessem ser transferidos do navio para outras embarcações de socorro, mas nas diversas operações de salvamento, realizadas em condições difíceis, visto o
estado do mar, 30 pessoas perderam suas vidas. Alguns dias mais tarde, o Veronese foi considerado perda total pelos seguradores e abandonado em perdimento.
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Nenhum dos navios completaria dez anos de serviço
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Foi o Velasquez o primeiro do quarteto a desaparecer, com apenas 30 meses de vida útil. Havia realizado sua viagem inaugural entre Liverpool e Buenos Aires em março de 1906 e após duas viagens redondas (de
ida e volta) na mesma rota foi transferido para o serviço Nova Iorque-Buenos Aires a partir de janeiro de 1907.
Escalava regularmente em Santos, seja proveniente do Norte ou do Sul e, numa quinta-feira, 15 de outubro de 1908, procedente de Buenos Aires, atracara em Santos para embarcar alguns passageiros e uma partida de
café composta de 2.133 sacas, despachadas para Nova Iorque pela firma exportadora Hard Rand.
Às 10 horas da manhã do dia seguinte, o Velasquez saiu do porto santista para o Rio de Janeiro e, após algumas horas de navegação, foi envolvido por um vasto banco de cerração. O mar estava agitado e
chovia intermitentemente quando, terminado o jantar e com a maioria dos passageiros conversando nos salões, ouviu-se um forte estrondo, seguido de uma série interminável de ruídos estridentes de aço e de coisas se quebrando.
Eram quase 10 horas da noite e, por causas indeterminadas, mas provavelmente por erro de navegação, o Velasquez fora se chocar com as rochas da localidade de Bustamante, entre a Ponta da Sela e a Ponta dos
Mexilhões, nas proximidades da entrada Sul do Canal de São Sebastião.
Na ocasião do sinistro, estavam no passadiço de comando o próprio comandante e o terceiro oficial de guarda. Ao avistarem, através da cerração, a costa em plena rota de colisão, foi dada ordem de guinada para
bombordo (lado esquerdo) e reversão das máquinas, numa desesperada tentativa de evitar o choque.
Foi desse modo que, realizando manobra de urgência, o Velasquez acabou chocando-se a boreste (lado direito) e na popa (ré) nas pedras, abrindo-se então quatro enormes rombos, por onde a água não tardou a
penetrar no casco, encalhando e adernando (inclinando) o vapor.
Passageiros e alguns tripulantes foram evacuados de bordo através dos dois botes de bombordo e alarme dado, por telégrafo, às autoridades de São Sebastião.
Na manhã seguinte, sábado, o delegado local da Liga Marítima Brasileira em São Sebastião, João Fernandes, após conversar com alguns dos tripulantes que haviam alcançado terra firme durante a noite, enviou
telegrama aos agentes da L&H no Rio de janeiro e às autoridades, solicitando providências e recursos de socorro.
Assim alertados, os agentes a L&H (F.S. Hampshire) ordenaram que o vapor Milton, da mesma armadora, aparelhasse de Santos, onde havia entrado na véspera, para o local do sinistro, a fim de prestar auxílio.
O Milton zarpou na tarde do dia 1, levando a bordo dois médicos e quatro membros da Guardamoria santista, alcançando o local no início da noite e fundeando a 100 metros do Velasquez.
A partir da manhã de domingo, iniciou-se o trabalho de transbordar tudo o que pudesse ser salvo do vapor sinistrado para o Milton, neste se embarcando também todos os passageiros e membros da tripulação
(uma centena, no total), com exceção do primeiro e terceiro oficiais do Velasquez e os homens da Guardamoria. Afortunadamente, não houve vítimas a lamentar.
Terminada a tarefa de transbordo, o Milton regressou na noite seguinte para Santos, onde atracou no cais do Armazém 8.
Nos dias subseqüentes, a L&H contratou o serviço de dois rebocadores, na vã tentativa de safar o Velasquez que, a esta altura, estava praticamente deitado sobre seu flanco direito e firmemente preso às
rochas.
Finalmente foram despachados para São Sebastião dois inspetores do Lloyd's baseados no Rio de Janeiro, que, após detalhada verificação das condições do vapor, decidiram declará-lo perda total e o relito foi
abandonado, assim como a carga de café.
O Velasquez, ou o que dele sobrou, foi então lentamente sendo quebrado pelas ondas, com seus últimos restos sendo pilhados pelos habitantes locais antes de ser definitivamente tragado pelo mar.
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Velasquez:
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Outros nomes: nenhum
Bandeira: britânica
Armador: Lamport & Holt Line
País construtor: Grã-Bretanha
Estaleiro construtor: Sir Raylton Dixon & Co.
Porto de construção: Middlesborough
Ano da viagem inaugural: 196
Tonelagem de arqueação (t.a.b.): 7.542 t
Comprimento: 141 m
Boca (largura): 18 m
Velocidade média: 12 nós (22,2 km/h)
Passageiros: 50
Classes: 1ª - 50 |
Artigo publicado no jornal A Tribuna de Santos em 18/5/1995 |
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