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ROTA DE OURO E PRATA
Navios: o Clement

1935-1939

O estaleiro Cammel Laird, um dos mais reputados em todo o mundo, teve origem no distante ano de 1828, quando dois irmãos, William e John Laird, começaram a construir pequenas embarcações na localidade de Birkenhead, no Rio Mersey, próxima a Liverpool.

A partir de 1861, a empresa passou a ser dirigida pelos três filhos de John Laird com o apto nome jurídico de Laird Brothers. Entre seus principais clientes, destacava-se o Almirantado Britânico, que ordenava a construção  de vários navios de guerra em diversas épocas. As couraças desses vasos de guerra eram fabricadas separadamente em Sheffield pela Charles Cammel & Co.

Fusão - Num processo natural de união de sinergias, em 1903 as duas empresas passaram a funcionar com o novo nome de Cammell Laird & Co. Ltd. Em 1993, as atividades do estaleiro cessaram para sempre, fechando-se assim um capítulo de 165 anos de história marítima, durante o qual foram construídos cerca de 3 mil grandes embarcações de todos os tipos, mercantes ou navais.

Mencionaremos alguns desses navios, produtos da Cammell Laird, os mais conhecidos apenas: encouraçado Oropesa, Almeda, Andalucia, Arandora, porta-aviões Ark Royal (o primeiro), cruzador de batalha Prince of Wales, Mauretania, Windsor Castle e o segundo porta-aviões Ark Royal, construído entre 1949 e 1955.

Casco nº 1.000 - Em 1935, foram completadas nesse mesmo estaleiro as construções de número 1.000 e 1.001, que receberam, respectivamente, por ocasião da cerimônia de seus lançamentos às águas do Rio Mersey, os nomes de Clement e Crispin.

Estas duas unidades, absolutamente similares em tudo, haviam sido ordenadas no ano precedente pela Booth Line, armadora de Liverpool, de cuja origem e história já tratamos em ocasiões precedentes.

A partir de 1930, tendo como pano de fundo a grave crise financeira mundial e a quebra dos preços no mercado dos fretes marítimos, a Booth, como tantas outras armadoras, desfez parte de sua frota, vendendo as unidades mais antigas, que, naturalmente, tinham maior custo de manutenção. Foram assim negociados, entre 1931 e 1933, nada menos do que oito navios, dentre os quais o Hildebrand.

Reposição - A fim de repor parcialmente estas vendas, a armadora decidiu encomendar a construção de dois vapores de carga e, desta maneira, surgiu o par Clement e Crispin, seguido, um ano mais tarde, pelo navio misto Anselm.

Clement e Crispin, navios gêmeos, possuíam tonelagem intermediária e desenho típico dos cargueiros construídos no período entre-guerras, com cinco grandes porões de carga servidos por 20 paus-de-carga, coligados a dois grandes mastros. Possuíam a mais alta classificação Lloyd's, ou seja, 100A1.

A superestrutura central era composta de dois conveses e de castelo de comando de dois andares, onde, no superior, se encontrava a passarela de navegação e, no inferior, os alojamentos dos oficiais de navegação.

O 'Clement' tinha 135 metros de comprimento e terminou seus dias em 1939, na Segunda Guerra Mundial
O Clement tinha 135 metros de comprimento e terminou seus dias em 1939,
na Segunda Guerra Mundial

Popa de cruzador - Única, alta chaminé, quatro botes salva-vidas (dois em cada bordo) e várias bocas de ventilação completavam o perfil de cada navio, cuja popa era do tipo cruzador.

Ao entrarem em serviço no decorrer de 1935, o Clement e o Crispin foram utilizados, seja na rota entre Liverpool e os portos da costa Norte do Brasil, seja na rota entre Liverpool e os portos da costa Norte do Brasil, seja na ligação entre Nova Iorque e os portos da costa Leste brasileira, escalando, sobretudo, em Salvador e Recife, e esporadicamente, no Rio de Janeiro e em Santos.

Embora possuíssem acomodações para um máximo de 12 pessoas, raramente transportavam passageiros e a rotina operacional era bem típica da dos navios cargueiros, com longas permanências nos portos de escala e travessias oceânicas onde reinavam o silêncio e a tranqüilidade.

Início da guerra - Ao se iniciarem as hostilidades, em setembro de 1939, a frota da Booth estava composta de nove unidades, cinco das quais destinadas a serem perdidas no decorrer do conflito, inclusive o par Clement e Crispin.

O Crispin havia sido requisitado pelo Almirantado em agosto de 1940, a fim de servir como navio-apoio a comboios, atravessando o Atlântico Norte. Nessa qualidade de serviço, o Crispin seria torpedeado, em fevereiro de 1941, pelo submarino alemão U-107, do comandante Hessler, afundando em seguida, com a perda de inúmeras vidas.

Vítima de corsário - Quanto ao Clement, este seria vítima de um corsário ilustre, o panzerschiffe (tipo de cruzador-encouraçado) Admiral Graf Spee e seu não menos famoso comandante, o capitão-de-mar-e-guerra Langsdorff.

A tarefa principal da arma naval da Alemanha, segundo os planos de guerra estabelecidos pelo seu chefe supremo, o almirante Raeder, seria a de disputar o controle e a supremacia britânica nos oceanos. Fora das águas restritas das costas européias, existia um vasto tráfego marítimo oceânico, beneficiando principalmente a Grã-Bretanha.

Desafiar a supremacia - A Kriegsmarine (Marinha alemã) havia sido equipada para contestar esta supremacia através da construção de três couraçados ligeiros, cuja tonelagem de deslocamento não era superior às 10 mil toneladas estipuladas no tratado de paz de Versalhes e em subseqüentes acordos navais.

Construídos nos estaleiros da Deutsche Werke, de Kiel, surgiram o Deutschland, o Admiral Scheer e o Admiral Graf Spee, respectivamente em 1931, 1933 e 1934.

Estavam armados com canhões pesados, montados em duas torretas de três canhões de 11 polegadas cada uma, possuindo ainda oito canhões de 5,6 polegadas, além de baterias antiaéreas e tubos de torpedo.

Ao Atlântico - Prevendo-se o início do conflito, dois deles foram enviados para posições de espera no Atlântico: o Deutschland, na sua parte setentrional, e o Graf Spee, na área meridional, cada um acompanhado por um navio-tanque auxiliar.

Em 21 de agosto de 1939, o Graf Spee zarpou de sua base de Wilhelmshaven, alcançando no dia 11 do mês seguinte sua área de espera, a Sudoeste das Ilhas Ascensão.

Nesta zona permaneceu até o dia 26, quando, finalmente, recebeu ordens do comando de guerra naval para iniciar operações de ataque a mercantes britânicos de acordo com a convenção das presas de guerra e evitando problemas com navios neutros.

Navegação solitária - No dia 30 de setembro, o Clement encontrava-se em navegação solitária ao largo de Pernambuco, fora das águas territoriais brasileiras, realizando viagem de Nova Iorque a Salvador, com 2 mil toneladas de combustível de aviação como carga (gasolina e querosene).

Às 11h15, o comandante do Clement, capitão F. C. P. Harris, foi avisado pela passarela dde comando que um navio de guerra aproximava-se rapidamente da proa. Harris pensou no início de que se tratava do cruzador britânico Ajax ou de um cruzador britânico e, enquanto ele observou pelos binóculos, um pequeno hidroavião sobrevoou o Clement.

Surpresa - Alguns minutos depois, o avião voltou e, para a grande surpresa de todos que se encontravam no cargueiro britânico, despejou uma bomba, que foi cair no mar próximo à proa. Visto que se tratava de inimigo, Harris ordenou o envio de mensagem rádio, avisando o que ocorria.

No entanto, tendo avistado a cruz suástica nas asas do avião, Harris mandou parar as máquinas do navio e ordenou que a tripulação fosse para os botes salva-vidas; enquanto ele destruía os papéis confidenciais de bordo, o rádio-operador freneticamente tentava receber resposta ao pedido de socorro.

Nesses momentos, a bordo do Graf Spee, seu comandante, K.S.Z. Hans Langsdorff, havia já despachado uma lancha com uma equipe de demolidores encarregados de fazer explodir o navio mercante.

Interrogatório - Hora e meia depois, a mesma lancha voltou ao couraçado alemão, trazendo o capitão Harris e o chefe de máquinas para interrogatório.

A bordo do Clement, os alemães haviam disposto várias cargas de explosivo, mas estas não detonaram ao ser aceso o estopim. Langsdorff deu então ordem para que fossem disparados dois torpedos, mas estes, por incrível que tal fato acontecesse, não atingiram o mercante imóvel na água.

Falhas seguidas - Bastante contrariado por estas falhas seguidas, Langsdorff ordenou que fossem usados os canhões de grosso calibre e assim, após o disparo de cinco salvas de 11 polegadas e de 25 de 5,9 polegadas na sua estrutura, o Clement afundou, nas coordenadas 9º 05' de latitude Sul, 34º 05' de longitude Oeste, a cerca de 70 milhas (130 quilômetros) a sudeste de Recife.

Dos quatro botes arriados pela tripulação do navio da Booth, e não recolhidos pelo Graf Spee, três conseguiram alcançar no dia seguinte a costa pernambucana, enquanto o restante foi encontrado pelo vapor brasileiro Itatinga, pertencente à Companhia Nacional de Navegação Costeira, que se encontrava em viagem de Salvador a Maceió.

Quando o Itatinga atracou no Recife, a notícia da existência de um corsário alemão operando no Atlântico Sul espalhou-se como pólvora de rastilho pelo Brasil e pelo mundo: a verdadeira guerra nos oceanos começava!

Clement:

Outros nomes: nenhum
Bandeira: britânica
Armador: Booth Steamship Co. Ltd.
País construtor: Grã-Bretanha
Estaleiro construtor: Cammel & Laird (porto: Birkenhead)
Ano da viagem inaugural: 1935
Tonelagem de arqueação (t.a.b.): 5.051
Comprimento: 135 m
Boca (largura): 18 m
Velocidade média: 14 nós

Artigo publicado no jornal A Tribuna de Santos em 9/3/1997