A Revolução Industrial do século XIX e o crescimento populacional marcaram a transição, nos estados europeus, de uma sociedade agrária para uma sociedade moderna, na qual o
princípio da oferta e da procura eram imperativos para o desenvolvimento da nova economia, baseada nos fatores de produção e consumo de massa. Uma das mudanças mais significativas na história econômica
da Humanidade foi o crescimento vertiginoso dos mercados de importação e exportação. Tal crescimento foi devido à conjugação do fator do aparecimento do navio a vapor (substituindo definitivamente a propulsão a vela) e de diversos maquinários
destinados a facilitar a vida do homem, com o fator de emigração dos povos europeus para as terras férteis e virgens das Américas, África e Ásia. Este último fator foi facilitado pela existência de um meio de transporte mais rápido, eficiente e
seguro, que era o próprio navio a vapor.
Os emigrantes europeus que se estabeleceram em várias regiões do globo, a partir da primeira parte do século XIX, podiam oferecer a essa mesma Europa os produtos de base que ela requeria em números sempre
crescentes: carne ovina e bovina, produtos alimentares de base como arroz e trigo, lã, especiarias, frutas exóticas, minerais para uso industrial, minerais e pedras preciosas.
Em contrapartida, estes emigrantes exigiam produtos sofisticados fabricados em seus países de origem ou produtos relativamente recentes, criados pela Revolução Industrial em curso (máquinas de propulsão, armas e
equipamentos).
A Grã-Bretanha - sem dúvida a nação mais rica e poderosa do século XIX, única potência marítima e terrestre digna desse nome após as derrotas de Napoleão Bonaparte em Trafalgar e Waterloo - não produzia, porém,
quantidade suficiente de alimentos para satisfazer a demanda interna. Clima pouco clemente, terras pouco férteis e população rural em diminuição, eram as causas dessa situação paradoxal.
Navios-frigoríficos - Um dos produtos mais sofisticados no consumo alimentar diário dos britânicos era a carne, bovina ou ovina. Uma vez abatido o animal, aparecia o problema da conservação da carne.
O sistema de refrigeração para a conservação da carne entrou em uso a partir do ano de 1860 na própria Inglaterra. Seu uso, porém, em navios, só se concretizou lentamente, e foi somente em 1877 que o vapor
Paraguay, pequeno cargueiro pertencente ao armador francês Ernest Julline e à sua recém-formada companhia L'Alimentation - Compagnie Maritime de Transport et Conservation de Viandes, realizou o primeiro transporte de carcaças de carne congelada
através do Atlântico, saindo de Buenos Aires com destino a Rouen (França).
A viagem pioneira do Paraguay (construído em 1864 na Inglaterra, com 1.440 toneladas) mostrou o enorme potencial que representava o transporte frigorificado de carne, entre países produtores e os países
consumidores daquele produto.
Em 1879, dois irmãos, William e Edmund Vestey, formaram em Liverpool uma sociedade para comercializar a venda de carne. Os dois jovens, no início, contentaram-se em criar um pequeno depósito frigorificado e em
distribuir, no varejo, o produto, através de uma rede de casas de venda própria.
Nova empresa - Na década seguinte, seus negócios haviam prosperado de tal maneira que em 1897 os dois irmãos estavam prontos para o passo seguinte. Naquele ano, formaram uma outra empresa, denominada Union
Cold Storage and Ice Company, sempre em Liverpool, para armazenagem e distribuição, em larga escala, de produtos de abate de bovinos.
Esta nova empresa comprava carne da Argentina através da Royal Mail Steam Packet Company, esta última agindo como importadora e ao mesmo tempo transportadora do produto, revendendo-a, em
seguida, a diversas empresas inglesas que se encarregavam da distribuição em escala de atacado e varejo.
Uma dessas empresas era a Union Cold Storage, que não controlava, portanto, o inteiro processo, desde o abate até a venda ao consumo, e que era dependente de terceiros e dos preços por estes impostos.
Percebendo esta situação problemática, os irmãos Vestey decidiram entrar nos aspectos ligados ao tráfego marítimo. Para tanto, fundaram em Buenos Aires, em 1904, uma empresa local, à qual foi dada a
responsabilidade de efetuar as compras diretamente no mercado argentino. Ao mesmo tempo, a Union Cold Storage iniciou o afretamento de navios frigorificados.
Em 1909, a companhia adquiriu seus dois primeiros navios e, em julho de 1911, para melhor controlar a operacionalidade de seus próprios navios, os irmãos Vestey criaram uma subsidiária marítima com o nome de
Blue Star Line Ltd., para a qual foram transferidos os títulos de propriedade dos três vapores da Union Cold Storage. Nascia assim uma empresa que se tornaria lendária no mundo da navegação.
O Almeda, aqui apresentado quando lançado, em sua forma original
Foto: coleção de José Carlos Rossini, publicada com a matéria
Encomendas - Antes de ordenar a construção dos cinco que compuseram a série de navios de luxo, a Blue Star Line operou - desde a sua fundação em 1911 até 1925 - vinte e sete navios, cargueiros simples ou
navios de capacidade mista (carga e passageiros), em quatro rotas principais, todas tendo como ponto de partida o transporte refrigerado de carne para o Reino Unido: rota da América do Sul - exclusivamente carga, de 1909 a 1926; rota do Extremo
Oriente (Hong Kong, Xangai-China e Tóquio-Japão) - carga e passageiros, de 1915 a 1920; rota do Pacífico Norte (Canal do Panamá, costa Oeste dos Estados Unidos e Canadá) - carga, de 1920 a 1926.
É de se notar, portanto, que para a América do Sul a Blue Star Line só havia utilizado cargueiros e que seu serviço de passageiros só se iniciaria com o lançamento do Almeda, em 1926.
Em maio de 1925, o então presidente da empresa, Sir Edmund Vestey, anunciou a construção de nove navios para a Blue Star Line a um custo total de 3 milhões e 500 mil libras esterlinas, uma quantia gigantesca para a
época. Foram assim construídos e entregues, pela ordem: cargueiros de grande tonelagem Stuartstar, Rodneystar, Africstar e Raleighstar, navios mistos de grande tonelagem Almeda, Andalucia,
Arandora, Avelona e Avila.
Linhas clássicas - O Almeda - construído pelo estaleiro Cammel Laird & Company, de Birkenhead, Inglaterra, pelo preço de 300 mil libras esterlinas - foi lançado ao mar em junho de 1926, sendo
completado em dezembro do mesmo ano. Em novembro, havia realizado com sucesso suas provas de mar no Firth of Clyde, perto do porto de Glasgow, ao fim das quais retornou a Birkenhead para os últimos preparativos.
Possuía popa do tipo cruzador, proa ligeiramente inclinada, linhas sóbrias, clássicas e retas nas suas estruturas. Estas linhas simples e bem ordenadas eram completadas por duas esplêndidas chaminés que realçavam o
aspecto geral. Destas, a de trás era uma falsa chaminé, que encobria um alçapão de passagem dando acesso à sala de máquinas do navio.
A estrutura do casco era constituída por oito conveses, três dos quais atravessavam todo o comprimento perpendicular do transatlântico, existindo dez compartimentos estanques à vertical desses conveses. A divisão
interna do casco havia permitido a construção de seus grandes porões de carga que, por sua vez, eram subdivididos em espaços refrigerados ou não.
O Almeda e seus irmãos gêmeos haviam sido construídos com a intenção de dar acomodação a 400 passageiros de primeira classe, a única prevista. Quando completados, porém, cada um dos cinco podia transportar
somente 180 passageiros. o espaço de sobra para estes privilegiados foi uma das características que marcaram o Almeda e os outros quatro.
A decoração desta primeira classe realçava a impressão de espaço, claridade e estilo. Grandes tapetes persas e móveis pesados foram esquecidos e o Almeda foi decorado com móveis clássicos nas cores pastel,
típicos do século XVIII francês, e materiais de decoração delicados. Todas as cabinas de passageiros se beneficiavam de luz e ventilação natural, pois todas eram exteriores, situadas nas duas pontes superiores do transatlântico.
Logo abaixo da ponte de comando havia um convés que era de uso exclusivo do comandante, abrangendo um espaço de quatro divisões: dormitório, sala de estar, escritório e salão social. Os outros oficiais tinham
acomodação logo abaixo deste convés, enquanto a tripulação era acomodada na popa. O pessoal de serviço nas cabinas e nos restaurantes tinha por sua vez cabinas (de seis ou oito lugares) abaixo do castelo de proa.
O Almeda zarpou de Londres, em sua viagem inaugural, no dia 16 de fevereiro de 1927, abrindo o serviço de linha de passageiros da Blue Star Line para o Brasil e o Prata, fazendo escalas em Boulogne, Madeira
e Tenerife, Rio de Janeiro, Santos, Montevidéu e Buenos Aires.
Uma estrela no nome - Passados apenas cinco meses do momento desta viagem inaugural, todos os outros quatro transatlânticos da série já haviam também entrado em serviço. Dois anos mais tarde, a direção da
empresa decidiu acrescentar o sufixo Star aos seus navios de passageiros. Tal medida foi tomada para evitar confusão - aos clientes e agentes - com os outros grandes transatlânticos da Royal Mail Line, que também levavam nomes começando com a letra
"A".
Com o início da Depressão econômica dos anos 30, a demanda do tráfego de carne e de passageiros diminuiu consideravelmente para a Blue Star Line. A este fator econômico, deve-se acrescentar um de ordem política,
que foi a resolução do governo britânico de adotar a chamada Preferência Imperial. Esta lei, passada pelo Parlamento em Londres em 1931, favorecia as importações provenientes dos outros países ou colônias da Grã-Bretanha, em detrimento daquelas de
outras nações.
Foram assim beneficiadas as colônias britânicas do Canadá, da África do Sul, do Quênia, da Índia, da Austrália e da Nova Zelândia. Destes últimos dois países passaram a ser importadas quantidades cada vez maiores
de manteiga, leite, cereais e carnes bovina e ovina.
Em consequência desta política protecionista dentro do Império Britânico, as importações provenientes da região do Prata e do Brasil diminuíram consideravelmente, e por consequência diminuiu a demanda de espaço de
carga.
Uma das primeiras companhias afetadas por essa nova realidade, a Blue Star Line reagiu, retirando imediatamente da linha de passageiros o Avelona Star. Quanto ao rebatizado
Almeda Star, este continuou o serviço de linha até 1935, quando foi recolhido ao estaleiro onde fora recolhido, para uma reforma.
O navio após a reforma, já batizado Almeda Star, com a proa alterada
Foto: coleção J.C.Rossini, publicada com a matéria
Mudanças - Após alguns meses, voltou à Rota de Ouro e Prata com características um pouco diferentes. Sua proa foi transformada no tipo Maierform, com o navio sendo ampliado em cerca de 20 metros de
comprimento. A capacidade de passageiros foi reduzida para 150 pessoas (sempre em primeira classe) e a tonelagem aumentada para 14.935 toneladas de arqueação bruta.
No mês de maio de 1937, o navio sofreu um incidente de navegação, quando, no meio de denso nevoeiro, encalhou fora do porto de Boulogne, em passagem para Londres. Foi desencalhado com a ajuda de rebocadores no dia
seguinte. No mesmo ano, teve seu mastro principal removido.
No decorrer da Segunda Guerra Mundial, a Blue Star Line perdeu 29 navios de sua frota, representando uma tonelagem de 310 mil t.a.b. Outros 13 sobreviveram ao conflito.
Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, o Almeda Star continuou a fazer a linha para a costa Leste da América do Sul, graças à sua alta velocidade, que permitia seu uso como navio escoteiro, ou seja, não
dependendo de comboio.
Bombardeio - No dia 21 de dezembro de 1940, encontrava-se ancorado em Liverpool, quando o grande porto inglês foi bombardeado por 200 aviões da Luftwaffe. Dezenove navios mercantes foram danificados pelas
explosões de bombas e incêndios que se seguiram e, dentro destes, o Almeda Star - que não sofreu, porém, danos graves.
O transatlântico da Blue Star Line não escaparia, no entanto, a um trágico destino reservado pela beligerância dos homens. Quinze dias após o ataque aéreo de Liverpool, o Almeda Star saía deste porto com
destino à América do Sul, levando a bordo 194 passageiros e 166 entre oficiais e tripulantes. Como nas precedentes viagens do período da guerra, o Almeda Star viajava solitário e sem escolta.
Após contornar a costa Norte da Irlanda, o transatlântico virou de bordo com rota Oeste, adentrando no Atlântico Norte. Em pleno mês de janeiro, inverno no Hemisfério Norte, o navio passou a enfrentar as
tempestades que se seguiam no oceano.
Além do mau tempo, era necessário estar vigilante, pois a área de mar que o transatlântico devia atravessar estava infestada de submarinos do Eixo que espreitavam suas vítimas na vastidão do mar. Entre estes
submergíveis, formando diferentes linhas de patrulha, os submarinos alemães U-105, U-94, U-96, U-93, U-106, U-101, e os italianos Malaspina, Marcello e Torelli.
Final - O U-96 seria o autor de uma façanha. Comandado pelo capitão-tenente Lehmann-Willenbrock (que realizava a sua segunda patrulha de guerra), afundaria, em menos de 24 horas, dois grandes
transatlânticos britânicos. O primeiro a ser afundado, na madrugada do dia 16, foi o Oropesa da PSNC.
Algumas horas mais tarde, na manhã do dia 17, o capitão Lehmann-Willembrock disparou, às 7h45, quatro torpedos contra o casco de um grande transatlântico. No seu alvo de mira, o Almeda Star! Destes quatro
torpedos, os primeiros três não atingiram o objetivo, mas o quarto explodiu a meia-nau. Logo depois, mais três torpedos foram disparados.
O U-96 se afastou, pois as condições meteorológicas eram péssimas, já que um verdadeiro tufão de vento varria a superfície do oceano e criava ondas de vários metros de altura. Lehmann-Willenbrock teve
certeza, naquele momento, de que o navio (que no entretempo havia mandado um sinal de SOS - e que, portanto, havia se identificado), não escaparia ao destino do fundo do mar.
Duas horas mais tarde, o Almeda Star desapareceu para sempre nos abismos do Atlântico, na posição aproximada de 58º 40' de latitude Norte e 13º 38' de longitude Oeste, levando consigo todos os seus 360
ocupantes.
As buscas por sobreviventes, efetuadas por diversos contratorpedeiros britânicos e outras embarcações mercantes, se revelariam infrutíferas, fechando-se assim, sem testemunhas, o capítulo final desse transatlântico
da Blue Star Line.
"Almeda - Este cartão-postal original da armadora britânica Blue Star Line mostra o navio Almeda em 1927, ostentando nas duas chaminés o tradicional símbolo da companhia - nas
cores vermelha e preta com uma estrela azul dentro de um círculo branco. O navio foi lançado ao mar em 1926 nos estaleiros de Cammell, Laird & Co. Ltd., de Birkenhead. Foi o primeiro de uma série de três navios iguais construídos nesse estaleiro e
iniciados pela letra A. Os outros foram o Avila e o Andalucia. Mais dois foram construídos no estaleiro John Brown, de Glasgow e chamavam-se Avelona e Arandora. O Almeda tinha 12.838 toneladas, 150 metros
de comprimento e 20,81 de largura. Na véspera do Natal de 1926 iniciou sua primeira travessia na linha entre Londres, Bolonha, Lisboa, Madeira, Tenerife, Rio de Janeiro, Santos, Montevidéu e Buenos Aires. Transportava apenas 162 passageiros de
primeira classe. Em maio de 1929 a companhia resolveu agregar o termo Star aos nomes de seus navios, para evitar a confusão com outros navios da Royal Mail Steam Packet Company que também começavam com A. A partir de 1935 os navios
foram aumentados e o Almeda Star, passou a ter 176,43 metros de comprimento e 14.935 toneladas. E continuou na mesma rota até o dia 7 de janeiro de 1941, quando, em plena Segunda Guerra Mundial, foi torpedeado e afundado pelo submarino
alemão U-96 no Atlântico Norte, matando 360 pessoas. Os outros quatro navios da classe A da companhia, em datas diferentes, tiveram o mesmo destino fatal".
Imagem: Acervo José Carlos Silvares/fotoblogue Navios do Silvares (acesso:
2/11/2006) |