A empresa de navegação foi fundada em 1882 pelos descendentes de armador português que emigrou para o Brasil
Laire José Giraud (*)
Colaborador
No limiar de um novo século, é necessário pesquisar a história de nossas companhias de navegação do passado, que ao longo dos anos caem no esquecimento, com o risco de se perder a
memória do patrimônio cultural da nossa marinha mercante.
A armadora em foco, cujas informações são escassas, mas que muitos brasileiros na casa dos 40 anos de idade já ouviram falar, é a Companhia Nacional de Navegação Costeira, proprietária dos famosos Itas, os
pequenos Itatinga, Itaquatiá, Itaimbé, Itaberá, Itapuca, Itagiba, Itapuhy, Itassucé, Itajubá e Itaquara e os grandes Itaipé, Itahité e Itapagé, entre outros.
Esses navios ficaram tão conhecidos, que inspiraram a canção Peguei um Ita no Norte e vim para o Rio morar, e uma das embarcações é tema de um dos livros de Jorge Amado, Capitão-de-longo-curso.
Este artigo ficou mais enriquecido graças a Ézio Begotti, Jaime Caldas, Narciso de Andrade, Júlio R. Paes, Carlos Alberto Piffer e ao prático aposentado Gerson da Costa Fonseca, que prestaram informações de grande
valia.
O vapor Itauba, da Costeira, atracado em um trecho do cais de Santos
Foto publicada com a matéria
Primórdios - A Costeira, como era conhecida, foi fundada em 1882 pelos descendentes de um armador português, que emigraram para o Brasil. O nome inicial da empresa era Lage & Irmãos, que adquiriu quatro
pequenos vapores da companhia Meaaw & Cia.
Em 1891, o nome da Lage & Irmãos foi alterado, para Companhia de Navegação Costeira, que em 1893 encomendou 15 navios para a linha Porto Alegre-Manaus, com escala nos portos intermediários. Eram paquetes,
como conhecidos na época.
O apogeu da empresa ocorreu entre os anos 20 e 50, quando chegou a contar com uma frota de mais de 30 embarcações. A incorporação da Companhia de Navegação Costeira ao patrimônio nacional ocorreu em 1942.
A companhia de navegação dos irmãos Lage, que ficava na Ilha do Viana, em Niterói, no Estado do Rio de Janeiro, operava a frota de maneira exemplar, com horários rigidamente cumpridos, boa alimentação, ordem e
limpeza impecável a bordo.
Um detalhe curioso: até 1920, os comandantes eram britânicos e mantinham os cascos pretos e as superestruturas brancas, chaminés em preto fosco. A cruz de Malta, emblema da armadora, estava sempre bem apresentada.
Submarino nazista - Entre os numerosos episódios envolvendo a frota da Costeira, pode-se destacar o Itagiba, que foi posto a pique por um submarino nazista. O Itapema, incorporado em 1908, foi
vendido para a Marinha do Brasil em 1932 e passou a ser o navio hidrográfico José Bonifácio, que navegou até 1917.
No nosso porto, Santos, por onde todos os Itas passavam, os navios atracavam sempre entre o cais do Valongo e o do Armazém 5.
Durante a permanência na Cidade, os impecáveis oficiais dos navios frequentavam principalmente o Restaurante Marreiro, que ficava ao lado da Alfândega.
Durante o dia, era frequentado por fiscais, despachantes aduaneiros e pessoas ligadas às agências de navegação, além de práticos. A Praticagem, na época, também era vizinha desse famoso restaurante.
O Itassucé fazia companhia a unidades como Itatinga, Itaquatiá, Itaberá, Itapuca e Itapuhy
Foto publicada com a matéria
Ex-presidente Itamar Franco nasceu a bordo de um dos cargueiros
Nos Jogos Olímpicos de Los Angeles de 1934, a delegação brasileira foi levada pelo navio Itapagé. O ex-presidente Itamar Franco, eleito recentemente governador de Minas
Gerais, afirma que nasceu a bordo de um dos navios da Costeira.
Durante o incêndio do Carl Hoepeg (N. E.: nome é Carl Hoepcke) em 1956, o Itaquatiá ajudou no socorro aos tripulantes e passageiros.
Depois da Segunda Guerra Mundial, a frota da Costeira estava obsoleta. Em 1956, contavam com os seguintes navios: Itatiga, Itaquatiá, Itaimbé, Itapuca, Itaité e os cargueiros -
também conhecidos como mulas mancas, porque tinham a superestrutura na ré - Rio Juruá, Aratimbó, Araranguá e Aratanha. Já em 1959, a armadora dispunha de somente quatro Itas e dois Aras.
Cisnes Brancos - No início dos anos 60 chegaram os famosos Cisnes Brancos: Rosa da Fonseca, Anna Nery, Princesa Isabel e Princesa Leopoldina.
Em novembro de 1966, por meio de decreto federal, a frota foi incorporada pela Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro, passando a Costeira a ser a Empresa de Reparos Navais Costeira. Em
1961, houve tentativas de incorporar a Costeira ao Lloyd, mas sem sucesso.
Meu pai, o médico Laire Giraud, falecido em 1987, fez diversas viagens nos Itas entre os anos de 1935 e 1940.
A obra Navios Iluminados, do médico Ranulfo Prata, lembra também passagens de embarcações da Costeira.
Melancias no convés - Arthur Cavalotte, presidente do Grupo Deicmar, recorda que os navios da Costeira, os Itas, costumavam atracar no cais dos armazéns 3, 4 ou 5 trazendo melancias, estivadas
no convés, procedentes do Sul e destinadas a Santos, ao Rio de Janeiro e a portos do Nordeste.
Jaime Caldas conta que os tripulantes dos Itas costumavam trazer papagaios, quando vinham do Norte, para serem vendidos. Os pássaros ficavam expostos na popa, junto com os passarinhos.
O primeiro navio que Gerson da Costa Fonseca manobrou como prático foi o Itaquatiá, em 1941, no cais do Armazém 3. Os Itas pequenos tinham cerca de 60 metros de comprimento, os médios chegavam a 90
metros e os grandes em torno de 120 metros.
O Itaimbé, o Itahité e o Itapagé integravam uma série de grandes navios,
tão conhecidos que inspiravam canções
Foto publicada com a matéria
Sem frigorífico - O prático José Console, que iniciou a carreira de oficial no Lloyd Brasileiro, nunca embarcou em navios da Costeira, mas conta que muitos dos cargueiros de ambas as companhias não tinham
frigorífico.
Levavam, para consumo da tripulação e de passageiros, animais vivos, que eram abatidos durante a viagem, porque as geladeiras de bordo eram muito pequenas. A situação perdurou até o final dos anos 40. De acordo com
Console, os animais para consumo de bordo eram frangos e porcos (leitões), principalmente.
Carlos Alberto Piffer tem recordações da armadora. "Lembro-me também da minha primeira viagem, com meus pais, a São Sebastião, por volta de 1939. Partimos de Santos, no fim da tarde, a bordo do Itassucé, da
Costeira. O jantar consistia de peru assado - um luxo para a época - e a mesa, os talheres e demais objetos, eram impecáveis. A chegada em São Sebastião foi por volta de meia-noite. A viagem toda, com bom tempo, não demorava mais do que quatro
horas. O porto de São Sebastião não existia então; lembro-me de ver já alguma atividade relacionada com a sua construção, que iria demorar alguns anos para ser concluída e mais outros para entrar em funcionamento".
(*) Laire José Giraud é despachante aduaneiro e pesquisador de assuntos marítimos.
"Rosa da Fonseca - Construído em 1962 para a Cia. Nacional de Navegação Costeira, começou a operar na linha Rio-Buenos Aires (escala em Santos) em janeiro de 1963. Seu nome homenageou a
mãe do marechal Deodoro, primeiro presidente do Brasil. Com o fim da Costeira foi incorporado ao Lloyd Brasileiro em 1966, e realizou cruzeiros no Caribe. De 1967 a 1975 tornou-se
famoso na ponte marítima Santos-Rio, junto com outros três, conhecidos como Cisnes Brancos (Anna Nery, Princesa Isabel e Princesa Leopoldina). Mas a concorrência dos aviões fez o Lloyd vendê-lo para a armadora japonesa
Mitsui, que o batizou de Seven Seas. Em 1977 virou Nippon Maru e em 1991 foi vendido para uma empresa da Indonésia, como Athirah. Foi sucateado em 1998, em estaleiro da Índia".
Imagem: Acervo José Carlos Silvares/fotoblogue Navios do Silvares (acesso:
13/3/2006)
"Anna Nery - Este cartão-postal reproduz a bela pintura sobre tela executada em 1995 pelo amigo cartofilista Antonio Giacomelli. Nela, o Anna Nery navega sob a bandeira da
Companhia Nacional de Navegação Costeira, cujo símbolo está na chaminé. Ele foi construído na Iugoslávia e incorporado em 1962 pela Costeira, realizando inúmeras viagens pelos portos brasileiros e do Rio do Prata, e transferido em 1966 à frota do
Lloyd Brasileiro. Viajou também para portos da Europa, mas seu forte foi a famosa ponte marítima entre Santos e Rio, desativada em 1977 com o crescimento das empresas de aviação. Nesse período foi conhecido como um dos Cisnes Brancos do
Lloyd. Em 1978 foi vendido a uma empresa grega e passou a chamar-se Danaos. Com esse nome esteve algumas vezes no Porto de Santos. De 82 a 87 foi o Constelation; entre 1992 e 93 virou Morning Star; e de 1993 a 95 fez cruzeiros
pelas Bahamas como Regent Spirit. Em 1996 foi vendido para a Salamis Cruise Lines, de Chipre, e se tornou o Salamis Glory, nome com o qual navega até hoje, principalmente fazendo cruzeiros pelas ilhas gregas e portos do Mediterrâneo.
Em 2000 a empresa o reformou por completo, tornando luxuosas suas 222 cabinas, onde leva até 600 passageiros. Ele pode ser visto no site da Salamis".
Imagem: Acervo José Carlos Silvares/fotoblogue Navios do Silvares (acesso:
13/3/2006)
Escalas dos navios "Ita" da Costeira
Imagem: acervo de Laire Giraud,
postada na rede social Facebook em 26/2/2014
O Princesa Isabel, um dos 04 Cisnes Brancos da CNNC, posteriormente do Lloyd Brasileiro (1966). Fez viagem inaugural em julho de 1963, de Santos para Buenos Aires. Fez a ponte
marítima Rio-Santos nos anos de 1966 e 1967 e foi vendido em 1980
Foto: acervo do cartofilista Laire José Giraud,
publicada na rede social Facebook em 21/9/2014
O Princesa Leopoldina, gêmeo do Princesa Isabel, com o emblema da Companhia Nacional de Navegação Costeira (CNNC), foi construído na Espanha. Sua viagem inaugural aconteceu em
janeiro de 1963, para Buenos Aires. Fez parte da ponte marítima Rio-Santos Em 1966 fez viagem para Liverpool, na Inglaterra com 500 torcedores que foram assistir a Copa do Mundo. O navio foi vendido em 1970.
Foto: acervo do cartofilista Laire José Giraud,
publicada na rede social Facebook em 28/9/2014
No porto de Santos, em 1965, cruzeiro turístico ao Norte do Brasil a bordo do navio Rosa da Fonseca, ainda pertencente à CNNC, em promoção da Agaxtur Turismo, dirigida por Aldo Leone
Foto: acervo do cartofilista Laire José Giraud,
publicada na rede social Facebook em 7/10/2014
O navio da CNNC Itanagé, da CNNC, tinha capacidade para 275 passageiros em três classes. Fazia a linha Porto Alegre-Belém e portos intermediários. Nota-se nesta fotografia, do convés de
vante (próximo à proa), a balsa salva-vidas que equipava o navio no período bélico. Deslocava 4.100 toneladas
Foto: acervo do cartofilista Laire José Giraud,
publicada na rede social Facebook em 31/5/2014
O Itanagé (1928-1965) foi um dos seis navios encomendados para atender ao crescente tráfego marítimo na costa brasileira, de passageiros. Três foram construídos na França (Itaimbé,
Itapagé e Itahité) e três na Escócia (Itapé, Itaquicé e Itanagé), sendo empregados na rota Rio Grande do Sul/Pará e portos intermediários. Cartão-postal reproduzido do óleo sobre tela de autoria do shiplover
e artista plástico Antonio Giacomelli
Foto: acervo do cartofilista Laire José Giraud,
publicada na rede social Facebook em 31/5/2014 |