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ROTA DE OURO E PRATA
Navios: o Chili

1895-1926

Entre o lançamento do Portugal, em 1887, e do Atlantique, em 1900, 11 outros navios de passageiros foram empregados na Rota de Ouro e Prata pela Messageries Maritimes (MM), sendo que o maior em tonelagem foi o Chili, construído em 1895.

No início da última década do século XIX, os resultados operacionais da MM não foram muito satisfatórios devido a uma série de fatores negativos: febre amarela e quarentena em alguns portos principais do Brasil e do Prata; crises político-financeiras nos países da América do Sul e diminuição da produção agrícola; aparecimento de uma epidemia de cólera nos países mediterrâneos da Europa; concorrência acirrada entre as principais companhias de navegação européias.

Esta situação só começa a melhorar a partir de 1893 e permite à MM construir, em rápida sucessão anual, três navios para a Rota de Ouro e Prata. Aparecem assim o Ernest Simons em 1894, o Chili em 1895 e o Cordillière em 1896. Estes últimos tinham desenho de prancha similar inspirado nas linhas do Brésil e do La Plata, ambos de 1889.

Primeiro vapor da MM a ter, na construção, somente dois mastros, duas chaminés retas, proa ligeiramente recurvada, o Chili foi concebido para poder também ser transformado rapidamente em cruzador-auxiliar-de-guerra. Seu maquinário de expansão tríplice permitia, com suas 14 caldeiras, desenvolver quase 6.000 CV, levando o navio a 18 nós de velocidade. A quantidade de carvão que o Chili levava no porão de estocagem era de 1.800 toneladas, dando-lhe uma autonomia de 30 dias a uma velocidade de 9 nós.


O Chili em 1903, pouco antes de seu acidente em Bordeaux, sob o comando do capitão Lartigne

Na Rota - O Chili realizou sua viagem inaugural saindo de Bordeaux, França, em agosto de 1895, para portos do Brasil e do Prata. Nesse ano de 1895, a MM contava com 60 navios, empregando 5.500 marinheiros, dos quais um décimo eram oficiais. Nos diversos escritórios da companhia eram empregadas outras mil pessoas e, nos diversos departamentos de manutenção técnica, outras 3 mil.

Em 1896, no Chili, embarca no porto de Bordeaux, com destino à América do Sul, o célebre pintor francês Henri Toulouse-Lautrec. A bordo, ele encontra uma bela dama até então desconhecida e, apaixonando-se por ela, decide pintar um seu retrato, que hoje é conservado no Museu de Albi (França) e que se intitula "A passageira do 54", número que representa a cabine onde se alojava tal dama. Fato estranho é que Toulouse-Lautrec decide desembarcar do Chili quando esse fez escala em Lisboa, interrompendo assim seu programa de viagem.


Em 23/4/1903, o Chili adernou contra o cais de Bordeaux
Foto: Messageries Maritimes

Na noite do dia 23 de abril de 1903, enquanto se encontrava atracado em um cais de Bordeaux, o Chili sofre uma entrada d'água que provoca um adernamento contra a parede do cais. Nessa posição incomum ele permanece durante várias semanas, até ser posto a flutuar em 6 de julho, devido aos trabalhos realizados pelo navio-oficina Herakles. Rebocado, vinte dias mais tarde o Chili entrava em doca seca para total recondicionamento.

Aproveita-se esse fato para mudar totalmente seu interior e decoração. O Chili retoma então o serviço na Rota de Ouro e Prata, onde permaneceria sem problemas até 1912, quando é então transferido para outra linha da MM, ligando Marselha aos portos do Extremo Oriente.

Com a mudança de rota, sua capacidade de acomodação de passageiros também seria modificada. Após as necessárias transformações, o Chili é capaz de transportar 109 passageiros de primeira classe, 76 de segunda, 77 de terceira e 400 em classe emigrante.


Em abril de 1903, o Chili adernou contra o cais. 
Voltou a flutuar em julho com o auxílio do barco Héraklès
Foto: Messageries Maritimes

Frota - A Messageries Maritimes possuía no início da Grande Guerra de 1914-1918 uma frota de 60 navios que totalizavam 285.000 toneladas. Cinco anos mais tarde, a frota era composta de 40 unidades (211.000 toneladas). Durante as hostilidades, a MM perderia 22 vapores, dos quais 13 eram navios de passageiros.

Em agosto de 1914, com a eclosão do primeiro conflito mundial, o Chili sai de Port Said, Egito, tendo a bordo centenas de soldados franceses, que se encontravam no Egito e que embarcavam para lutar no continente europeu. Em seguida, foi posicionado como navio-transporte-de-guerra.

Em 1916, participa, junto a outros cinco navios da MM, do transporte de 50 mil soldados da Sérvia, que desembarcariam em território grego, e, em janeiro de 1917, recolhe em mar bravo 26 homens da tripulação do cargueiro inglês Lynfield, afundado a tiros de canhão por um submarino alemão ao Sul da Ilha de Malta.

O Lynfield, de 3.023 toneladas, havia sido capturado a cerca de 32 milhas a Sudeste de Malta pelo submarino U-35. Encontrava-se na ocasião em viagem de Cardiff a Alexandria, com carga de carvão e alguns vagões ferroviários. Seu comandante havia sido feito prisioneiro pelos alemães e seus tripulantes colocados nas chalupas de salvamento, tudo isto no dia 8. Na manhã seguinte, estes homens foram salvos pelo Chili, cujo comandante receberia, mais tarde, o reconhecimento do governo inglês, que lhe ofertou um relógio de ouro.


Em início de carreira, o Chili recebe cargas e passageiros no porto francês de Boudeaux 
Foto: Messageries Maritimes

Outro acontecimento extraordinário na vida do Chili foi um incêndio eclodido a bordo, no dia 5 de fevereiro de 1920, quando se encontrava atracado no porto grego de Pireus. Um rebocador consegue puxá-lo até as águas pouco profundas da Baía de Salamina, que se encontra próxima ao porto, e ali abrem-se as válvulas que permitem a entrada d'água e assim o incêndio é debelado, com o Chili afundando em água rasa. Ele é, em seguida, posto a flutuar e, algumas semanas mais tarde, é rebocado até o porto de Marselha, onde seria reparado e posto em condições de servir novamente.

Retoma então a linha Marselha-Oriente, via Canal de Suez, e aí permanece até o ano de 1926. No ano seguinte, a MM não necessita mais dos serviços de seu antigo navio e decide vendê-lo a uma companhia de demolição pela soma de 2 milhões de francos. Chega assim o fim, no porto de La Spezia, Itália, da carreira de um dos melhores navios a percorrer a Rota de Ouro e Prata.

Chili:

Outros nomes: nenhum
Bandeira: francesa
Armador: Compagnie des Messageries Maritimes
País construtor: França
Estaleiro construtor: La Ciotat (porto: La Ciotat)
Ano da viagem inaugural: 1895
Tonelagem de arqueação (t.a.b.): 6.097 (6.489 após o ano 1903)
Comprimento: 141 m
Boca (largura): 15 m
Chaminés: 2
Mastros: 2
Velocidade média: 15 nós (máxima 17)
Máquina: 1 motor de expansão tríplice, 14 caldeiras, potência 6.000 HP
Passageiros: 970
Classes: 1ª - 130
                2ª - 150
                3ª - 690

Artigo publicado no jornal A Tribuna de Santos em 23/7/1992