Depois de ter inaugurado o serviço da linha Europa-América do Sul em 1860 com o La Guienne, a Messageries Maritimes (MM) conheceu
um período de rápido crescimento do tráfego nessa mesma linha, seja de carga ou de passageiros. Em 1856 iniciou-se a construção na Argentina da primeira ferrovia do país e outros projetos começaram a
ser implantados em matéria de transporte, projetos que iriam modificar radicalmente a estrutura econômica do país, onde já se produziam significativas quantidades de produtos essenciais, tais como a lã, o trigo e as carnes ovina e bovina.
No Brasil, o início da década de 60 do século XIX coincide com a chegada dos primeiros imigrantes em números conseqüentes (20 mil em 1859 e 30 mil três anos depois) e o aumento da produção de café, açúcar, algodão
e carne bovina.
O Chile se destacava pelas exportações de cobre e de fertilizantes naturais e as culturas das vinhas e do trigo passavam por período de rápido crescimento econômico entre 1848 e 1855. Esses quatro produtos, mais o
das peles de couro naturais, conseguiam atrair para este país o interesse de dezenas de milhares de emigrantes europeus.
Além desses fatores produtivos, o Chile tornou-se ponto de passagem e trânsito para milhares de aventureiros que, provenientes da Europa, preferiam transitar pelo Atlântico e Pacífico, via Cabo de Horn, para
alcançar as minas de ouro da Califórnia, onde a febre do metal amarelo já começara.
Estes quatro países (Argentina, Uruguai, Brasil e Chile) atraíam número sempre bem maior de povos europeus e, inevitavelmente, o tráfego marítimo entre os dois continentes só podia aumentar.
O Portugal, em um porto francês
Foto: Messageries Maritimes
Mais navios - Para fazer face a essa nova demanda, a Messageries Maritimes expande a oferta de navios na Rota de Ouro e Prata; entre 1860 e 1870 possuía seis vapores operando na linha transatlântica, outros
dois fazendo a ligação entre o Rio de Janeiro e Buenos Aires (o Saintonge e o Aunis), além do serviço terrestre entre Buenos Aires e Santiago do Chile, através da Cordilheira dos Andes, serviço esse em associação com a Compagnie
Nationale des Transports de Buenos Aires e que em três dias permitia aos interessados passar do Atlântico para as margens do Pacífico.
Na sétima década do século XIX, a Messageries Maritimes lançou mais outros sete navios para explorar a linha do Atlântico Sul, todos eles acima de 3.500 t.a.b. (o que na época representava uma grande tonelagem) e
novos, especialmente construídos para a rota.
No início da oitava década, o clima econômico na França era de recessão e, pela primeira vez, as atividades e a expansão da MM são freadas pelo desaquecimento da economia interna do país.
Não é portanto surpreendente o fato de que, depois do lançamento do vapor Congo em 1878 para a rota sul-americana, seriam necessários quase dez anos antes de se ver um novo navio da companhia nessa mesma
linha. Só em 1886 é que seriam dadas as ordens para a construção de um novo transatlântico, que ligaria Bordeaux a Buenos Aires.
O Portugal, com dois mastros, após a reforma de 1899/1900,
quando foi transferido para a linha Marselha-Alexandria
Nova fase - Lançado ao mar em setembro de 1886, o novo navio, denominado Portugal, marcava o início de uma nova fase de negócios da empresa francesa. A sua construção era, ao mesmo tempo e por si só,
um acontecimento marcante: ele era o primeiro vapor inteiramente de aço construído para a companhia e, a partir dele, todos os subseqüentes também o seriam; além disso, o Portugal representaria o primeiro navio acima de cinco mil toneladas
de arqueação a ser construído especificamente para a Rota de Ouro e Prata.
Suas características técnicas eram bem avançadas para seu tempo e seu desenho inovador o fazia pertencer à classe dos pioneiros. Possuía duas chaminés próximas entre si, três mastros na versão original, longa
extensão nas partes anterior e posterior e - uma novidade para a época - tinha sua ponte de comando ligada à superestrutura central por uma passarela.
Foi o primeiro vapor da MM a ser dotado de maquinário alternativo à expansão tríplice, com quatro caldeiras de seis bocas, cada uma produzindo 4.800 CV com 78 rotações por minuto.
Por suas dimensões e inovações técnicas, o Portugal era o navio a vapor mais avançado de seu tempo a ser empregado na Rota de Ouro e Prata.
Sala de jantar do Portugal
Foto: Messageries Maritimes
12 anos - No dia 5 de agosto de 1887, sob comando do capitão L. Grou, o Portugal sai de Bordeaux com destino aos portos brasileiros e do Rio da Prata, e nessa linha permaneceria nada menos do que 12
anos, até 1899.
Nesse período, além da rotina, os únicos acontecimentos dignos de maior comentário foram que em 14 de dezembro de 1889 colide nas proximidades de Punta Negra com o vapor brasileiro Maria Pia, que fica
seriamente danificado; de 27 de março a 15 de abril de 1896 transporta excepcionalmente 200 turistas até o porto de Pireus, Grécia, por ocasião dos Jogos Olímpicos de Atenas, e, em 13 de dezembro de 1896, colide, em denso nevoeiro, com o cargueiro
francês Les Fils Conseil, ancorado no Rio Gironde (Bordeaux) e recebe danos leves.
Em 1899, o Portugal é transferido para a linha entre Marselha e Alexandria (Egito) devido à próxima entrada do novo Atlantique na Rota de Ouro e Prata. Empregado no
Mediterrâneo, nessa rota ele permanece até o dia 5 de agosto de 1912, quando, ancorado em Marselha, é gravemente danificado por um incêndio ocorrido a bordo.
São necessários vários meses de reparação antes que o antigo transatlântico possa retornar à navegação e, quando o faz, é empenhado na linha Marselha-Odessa, no Mar Negro.
Aquarela de Sandy Hook representando o naufrágio do Portugal em 30/3/1916 em Batum
Foto: Messageries Maritimes
Novo incêndio - Nesse último porto mencionado, o Portugal sofre a ação do destino, pois novamente é incendiado, desta vez por obra de dois navios-torpedeiros da Turquia, que atacaram Odessa na noite
do dia 27 de outubro de 1914 - torpedeiros que conseguiram alvejá-lo com vários disparos de canhão e afundar também a canhoneira russa Donetz.
Após esse grave acontecimento, o governo francês decidiu colocar o Portugal à disposição do governo da Rússia, a fim de que ele seja transformado em navio-hospital a serviço no Mar Negro.
É nessa nova condição de utilização que o Portugal chega ao fim, em 30 de março de 1916, quando, ancorado ao largo do porto de Batum, é torpedeado a meia nau pelo submarino alemão U-33 (sob o comando
do capitão Gansser, que usou dois torpedos), e isto apesar de ter nos seus flancos pintada a tradicional cruz vermelha, símbolo de navio-hospital e portanto navio não-beligerante. Alguns historiadores marítimos atribuíram erroneamente a perda do
vapor ao submarino U-35.
O Portugal quebrou-se ao meio e afundou em apenas dois minutos. Inúmeras as vítimas de nacionalidde russa e 19 mortos entre o pessoal francês.
A bandeira nacional francesa arvorada no mastro de popa do navio-hospital foi recolhida por um marinheiro russo. As autoridades russas, em agradecimento, enviaram-na dentro de um cofre artístico ao governo a
França, o qual, por sua vez, entregou-a à direção geral da Messageries Maritimes.
Essa bandeira, exposta numa vitrine, ficou durante muitos anos, até recentemente, na sede de Paris da companhia. |