Na aurora do século XIX, o comércio marítimo no mundo era essencialmente conduzido por um grande número de armadores-negociantes que exploravam um ou mais veleiros de sua
propriedade, e dos quais geralmente eram os próprios capitães.
O Atlantique sendo aparelhado para a partida em Bordeaux
Foto: cartão postal da Messageries Maritimes
O navio a vela deixava seu porto de origem para um destino longínquo em uma viagem-tipo que podia levar meses e meses, e só retornava quando seu capitão julgava que a carga embarcada justificava o tempo e o
investimento feitos até ali. Ao voltar a seu porto de registro, a carga era desembarcada em nome do armador, que se encarregava de vendê-la ao melhor preço.
As aventuras, comercial e marítima, estavam entrelaçadas em um só destino: o navio era frágil, os ventos aleatórios; não havia horários nem linhas regulares; o armador arriscava sua fortuna, seu futuro e, em muitos
casos, sua própria vida e a da tripulação.
Esta época heróica chegou ao fim com o aparecimento e a evolução dos navios movidos a vapor. O custo da construção e a sofisticação técnica destes navios obrigaram os proprietários-armadores a congregar as
disponibilidades financeiras e reunir o capital em novas sociedades de navegação marítima.
Estas novas entidades jurídicas apareceram por volta de 1840 e levaram nomes que ficariam famosos, quase sinônimos de navegação marítima comercial: Royal Mail, Cunard, Peninsular and Oriental
(inglesas), Hamburg-Amerika (alemã), Collins (norte-americana).
O Atlantique em operação de carregamento no porto de Bordeaux
Messageries - Com o apoio do governo da França, em 6 de agosto de 1851 é fundada a Compagnie de Services Maritimes des Messageries Nationales, tendo a cidade de
Paris como sede social e o porto de Marselha como base operacional. A nova companhia era a extensão natural e lógica de um serviço postal marítimo criado em 1832 pelo governo francês e a administração dos correios franceses.
Em 1857, a Messageries Maritimes (nome pelo qual ficaria conhecida oficialmente a partir de 1871) obtém a concessão de exploração comercial do serviço de linha regular entre a França, Senegal,
Brasil e os países da Bacia do Prata, por conta do governo francês.
A companhia manda construir sete navios para a nova linha e, em maio de 1860, o La Guienne realiza a viagem inaugural entre Bordeaux (França) e Rio de Janeiro, tornando-se assim, ao mesmo tempo, o primeiro
navio da companhia a navegar na Rota de Ouro e Prata.
O Guienne, usado na linha do Atlântico Sul, em 1860
Foto: Messageries Maritimes
Entre 1860 e 1880, a Messageries Maritimes (MM) expande seus serviços nessa rota e, além dos sete vapores originais, lança mais dois novos navios na linha para a costa Leste da América do Sul.
Em 1900, 49 anos depois de sua fundação, a Messageries Maritimes já havia se tornado uma potência comercial e marítima. Sua frota se compunha de 63 navios, representando 247 mil toneladas, e transportando
anualmente 165 mil passageiros e 700 mil toneladas de carga.
A companhia possuía 212 agências e correspondentes no mundo inteiro e suas linhas atingiam o Japão, a China, a Nova Caledônia e a Austrália, passando pelo Oceano Índico e toda a América do Sul, pelo Atlântico e
África Ocidental.
O Atlantique, saindo de Bordeaux, navega no rio Gironde,
iniciando mais uma viagem para a América do Sul
28º na rota - Construído em aço, com duas chaminés, dois mastros e dois hélices, o Atlantique seria o vigésimo-oitavo navio da Messageries Maritimes a ser empregado na Rota de Ouro e Prata. Possuía
duas máquinas alternativas com tríplice expansão e vinte e quatro caldeiras produzindo 7.200 CV.
O Atlantique foi o primeiro navio da companhia a ser equipado com um telégrafo sem fio Marconi, que, na época, tinha um alcance de pouco menos de dois quilômetros. Em maio de 1900, ele zarpou de Bordeaux com
destino a Buenos Aires via Vigo, Lisboa, Bahia, Rio de Janeiro, Santos e Montevidéu, em sua viagem inaugural.
Durante nada menos do que 12 anos, o Atlantique permaneceu em fiel serviço na linha Europa-Brasil-Prata-Europa, realizando cerca de oito viagens completas por ano e sem incidentes dignos de registro, o que
testemunhou a perfeita organização do serviço de linha e das qualidades técnicas do transatlântico. Por muito tempo foi seu comandante o capitão Le Troadec.
A última viagem para a América do Sul aconteceu entre setembro e novembro de 1912 - saiu de Bordeaux em 22 de setembro de 1912 e retornou em meados de novembro, por conta da armadora francesa Sud
Atlantique, que o afretou para essa ocasião -, quando foi então transferido para a linha do Extremo Oriente, onde permaneceu em serviço até 1918, transcorrendo a guerra de 1914-1918 em atividade comercial normal, sem nunca ter transportado
tropas ou ser requisitado.
O Atlantique, em cartão postal francês, no porto de Bordeaux,
sob controle da armadora Messageries Maritimes
Torpedeado - No dia 9 de maio de 1918, encontrando-se em navegação no Mar Mediterrâneo, entre Malta e Bizerta (Tunísia), o Atlantique foi atingido na parte anterior por um torpedo disparado por um
submarino alemão. Danificado, o transatlântico conseguiu alcançar o porto de Bizerta, onde foi colocado em dique seco e reparado.
Meses mais tarde, o navio foi levado até o porto e estaleiro de La Ciotat (onde havia sido construído) e aí permaneceu até 1920, aguardando decisão sobre o seu destino. No mesmo ano, iniciaram-se os trabalhos para
sua reconstrução e reforma, completados em julho de 1921, consistindo na construção de um convés suplementar, onde foram colocados os alojamentos dos oficiais, uma nova ponte de comando e as embarcações de salvamento.
Rebatizado como Angkor, após 1921
Foto: cartão postal da Messageries Maritimes
As modificações nas acomodações de passageiros permitiram então o embarque de 134 pessoas em primeira classe, 75 em segunda e 87 em terceira classe. A tonelagem passou a ser de 7.537 t.a.b. e suas 24 caldeiras a
vapor foram substituídas por seis novas a óleo combustível.
Uma cabine de luxo do navio
Foto: Messageries Maritimes
O Atlantique foi rebatizado como Angkor e, em outubro de 1921, com o novo nome, mas sempre a serviço da Messageries Maritimes, zarpou de Marselha para Iocoama (Japão), linha que serviria até 1930 -
quando foi transferido, desta vez, para a linha do Atlântico Norte.
O terraço para fumantes
Foto: Messageries Maritimes
Em abril de 1933, à noite, em proximidades do cabo Spartivento (Itália), chocou-se com um veleiro italiano que viajava sem luzes de posição, afundando-o. Os marinheiros italianos foram recolhidos a bordo. Em
dezembro do mesmo ano, após 33 anos de exclente vida útil, o Angkor, ex-Atlantique, foi retirado de serviço e, no ano seguinte, demolido na Grã-Bretanha.
A sala de jantar para os passageiros da terceira classe
Foto: Messageries Maritimes
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