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ROTA DE OURO E PRATA
Navios: o Ernest Simons

1894-1917

Entre a entrada em serviço do Congo, de 3.897 t.a.b., em 1878, e a do Portugal, de 5.336 toneladas de arqueação bruta, em 1887, a Messageries Maritimes (MM) passou por um período de quase nove anos sem lançar nenhum navio na rota do Atlântico Sul.

Este fato foi conseqüência da concentração de esforços, por parte da armadora, no desenvolvimento da linha entre a França e a Indochina. Com a abertura do Canal de Suez, em 1869, esta nova ligação marítima tornou-se bem mais rentável, com substancial economia de tempo.

Foi assim que, no espaço de dez anos, relativos à década de 70 do século XIX, a linha para o Extremo Oriente, via Suez, desenvolveu-se a tal ponto que as importações de seda para a Europa foram multiplicadas por 500; outras mercadorias de importação multiplicaram-se por 70 e as exportações francesas para os países daquela área do mundo multiplicaram-se por 100.

Para se ter uma melhor idéia, basta dizer que no ano de 1881 os 51 navios da Messageries Maritimes percorreram um total de 595.500 léguas marinhas, em 501 viagens. Estas, compostas de 347 viagens para destinações no Mar Mediterrâneo e Mar Negro, 130 viagens para a Indochina e a China e tão somente 24 viagens para a América do Sul.

Além do acima exposto, a Messageries Maritimes inaugurava em dezembro de 1882 uma nova ligação marítima entre a França e a Nova Caledônia (colônia francesa), via Suez, Ilha Maurício (no Oceano Índico e também colônia francesa) e portos da costa meridional da Austrália, sendo principal mercadoria a lã australiana, até então monopólio dos navios britânicos.

Em 1883, a MM possuía 54 vapores em serviço e 6 em construção. Nesse ano foram percorridas 697 mil léguas marítimas em 521 viagens.


O Ernest Simons, antes de 1905
Foto: Messageries Maritimes

Carta de 40 anos - No ano seguinte, o governo francês (através do Ministério do Mar) passou a analisar a situação global do armamento mercante do país, a fim de racionalizar os serviços marítimos postais e de carga.

Negociações foram iniciadas em março de 1884 com inúmeros armadores franceses, negociações estas que, em junho de 1886, foram condensadas em uma Carta de Acordo Geral. Os termos deste acordo deveriam ser válidos até junho de 1903, mas na realidade sua influência prolongou-se por mais de 40 anos!

A Messageries Maritimes, tal como todas as outras armadoras francesas, recebeu um plano operacional que a obrigava a servir, da seguinte maneira, as diversas rotas que explorava:

No Mediterrâneo: linha Alexandria-Beirute - uma saída a cada 14 dias; linha Marselha-Pireus e Smirna e Marselha-Port Said-Smirna - a mesma freqüência, à velocidade de 13 nós.

No Extremo Oriente: linha Marselha-Saigon-Shangai-Iocoama - uma saída a cada 14 dias, à velocidade de 14 nós; linha Aden-Bombaim, Colombo-Calcutá e Cingapura-Batávia - uma saída a cada 28 dias a uma velocidade de 11 nós.

No Pacífico: linha Marselha-Seychelles, Austrália e Noumea, uma saída a cada 30 dias,à velocidade de 14 nós; linha Seychelles-Reunião-Maurício, uma saída a cada 30 dias, à velocidade de 11 nós.

No Oceano Índico: linha Marselha-Madagascar-Reunião - uma saída a cada 30 dias, à velocidade de 11 nós.

Na América do Sul: linha Bordeaux-Dacar-Brasil-Argentina - uma saída a cada 30 dias, à velocidade de 14 nós.


Salão de música da primeira classe do Ernest Simons
Foto: Messageries Maritimes

Na Rota de Ouro e Prata, a MM recebeu também a possibilidade de realizar uma segunda saída mensal, com mesma velocidade e mesmo tipo de navio. Para a empresa, o Acordo Geral de 1886 representava um total de 480 mil léguas marítimas (ou seja, 1 milhão e 440 mil milhas náuticas, equivalentes a 2 milhões e 667 mil quilômetros), para as quais recebia subvenções governamentais, entre 15 e 32 francos por légua realizada.

Em contrapartida destas subvenções, a MM era obrigada a cumprir as chamadas "cláusulas de estilo" que o governo estipulava. Dentre estas cláusulas, destacavam-se aquelas que impunham:
o transporte gratuito da correspondência e valores oficiais;
o respeito absoluto aos horários;
regras que determinavam a composição das tripulações;
controle administrativo por um comissário do governo;
redução de 30% do frete aplicado às mercadorias pertencentes ao Estado e ao preço de passagens de seus funcionários.

A assinatura e a entrada em vigor deste acordo permitiu à MM (com as subvenções que passou a receber), ordenar a construção de novos navios para a Rota de Ouro e Prata.


O Ernest Simons no início do século XX, com os 3 grandes mastros
Fotografia oficial da armadora

Encomendas - Foram assim construídos, entre 1887 e 1889, nove vapores para a linha sul-americana, que levaram os nomes de Portugal (1887), Guadalquivir (1888), Guadiana (1888), Dordogne (1889), Brésil (1889), La Plata (1889), Douro (1889), Charente (1889) e Adour (1889).

Entre o último mencionado e o Ernest Simons decorreram outros cinco anos sem novos lançamentos da MM para a linha sul-americana. O Ernest Simons foi na realidade construído para o serviço da linha da Indochina, mas realizou a sua viagem inaugural - que seria a única na Rota - entre Bordeaux e Buenos Aires, com escalas em portos brasileiros.

Seu nome foi uma homenagem ao diretor e administrador da empresa, e o estaleiro responsável por sua construção, o La Ciotat, tradicional construtor de navios para a empresa e parte integrante do Grupo MM.


Salão de fumantes da primeira classe do Ernest Simons
Foto: Messageries Maritimes

Lançado ao mar em setembro de 1893, o vapor foi completado só no decorrer do ano seguinte. Em 5 de agosto, saiu de Bordeaux para a América do Sul, realizando uma única viagem redonda nesta rota. No seu retorno à França, em novembro, foi designado para linha da Indochina, zarpando em direção ao Extremo Oriente, no dia 23 de dezembro.

O Ernest Simons tinha então o seu casco pintado inteiramente de preto, tal como os outros navios da armadora. Em 1895, porém, foi pintado todo de branco (excluindo as chaminés, que continuaram pretas), cor essa que seria sua até 1905, quando foi revertido à cor original.

Durante 20 anos seguidos, o transatlântico serviu sem problemas a rota Marselha-Saigon-Changai, realizando dezenas de viagens em parceria com seus similares (o Australien, o Polynesien, o Armand Behic e o Ville de la Ciotat). Com exceção do Armand Behic, todos esses navios seriam afundados no decurso da Primeira Grande Guerra por submarinos alemães.


Em 3/4/1917, o navio foi torpedeado pelo UC-27
Imagem: aquarela de Sandy Hook

Em 24/12/1915, o Ville de La Ciotat foi torpedeado e afundado pelo U-34 a 100 milhas (185 quilômetros) a Oeste do Cabo de Matapan, com a perda de 81 vidas. O fim do Ernest Simons aconteceu em 3 de abril de 1917 quando, às 10h15 foi torpedeado pelo submarino alemão UC-27, encontrando-se em viagem entre Marselha e Madagascar via Canal de Suez sob o comando do capitão Antoine Rigaud (existem divergências sobre a identidade do submarino alemão. Reteve-se a hipótese mais plausível, ou seja, a do UC-27, embora alguns historiadores apontem o UC-37 como sendo o responsável pelo ataque).

O ataque ocorreu a cerca de 15 milhas do Cabo Rosa, no Mar Tirreno, e o UC-27, logo após acertar seu torpedo, aproximou-se do transatlântico e de uma chalupa de salvamento para perguntar o nome do navio e do comandante, tendo, em seguida, saído de cena. Não houve vítimas e os náufragos foram recolhidos pelo vapor grego Goulandris e pelo pesqueiro francês Auguste Leblond.

Em 19/7/1918, o Australien, em viagem de Marselha a Port Sand em comboio, foi afundado pelo UC-54, perecendo na tragédia 19 tripulantes e 45 passageiros. Em 10/8/1918, o Polynesien recebeu um torpedo do U-22 e afundou ao largo da costa Nordeste da Ilha de Malta. Quanto ao Armand Behie, este sobreviveria ao conflito, terminando a sua carreira em 1924, sendo demolido no ano seguinte no porto de Marselha.

Ernest Simons:

Outros nomes: nenhum
Bandeira: francesa
Armador: Compagnie des Messageries Maritimes
País construtor: França
Estaleiro construtor: La Ciotat (La Ciotat)
Ano da viagem inaugural: 1894
Tonelagem de arqueação (t.a.b.): 5.543
Comprimento: 134 m
Boca (largura): 15 m
Chaminés: 2
Mastros: 3
Velocidade média: 17 nós
Tripulantes: 122
Passageiros: 283
Classes: 1ª -  103
                2ª -    78
                3ª -  102

Artigo publicado no jornal A Tribuna de Santos em 30/9/1993