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ROTA DE OURO E PRATA
Navios: o Conte Grande

1928-1962 - depois Monticello

Foram quatro no total, levaram todos o prefixo Conte e o prestígio da marinha mercante da Itália a bordo. Eram o que de melhor então ofereciam as técnicas de engenharia naval e de luxo hoteleiro, entre as duas grandes guerras do século XX. Todos navegaram tanto na linha norte-americana, servindo uma clientela exigente, como na Rota de Ouro e Prata.

Nenhum outro quarteto de navios, se considerada a semelhança de construção e emprego, foi tão procurado pela demanda de passageiros, nenhum outro quarteto de uma mesma armadora teve tal sucesso comercial e tanta influência no conceito profissional do transporte marítimo.

Foram: o Conte Rosso - viagem inaugural em fevereiro de 1922; Conte Verde - viagem inaguural em abril de 1923; o Conte Biancamano - viagem inaugural em abril de 1925; e o Conte Grande - viagem inaugural em abril de 1928.

Auge - O Lloyd Sabaudo conheceu, na década de 20, o período mais faustoso de sua existência, e tal fato foi devido ao sucesso do primeiro par, Conte Rosso e Conte Verde. É bem conhecida a fórmula "sucesso atrai sucesso" e, em 1924, primeiro ano completo de operações dos dois Contes mencionados, o Lloyd Sabaudo transportou 39 mil passageiros na linha norte-americana em 30 viagens e 24 mil passageiros na linha sul-americana em 36 viagens.

Estes números diminuíram, em 1925, para respectivamente 37 mil em 34 viagens e 23 mil em 44 viagens, apesar da entrada em serviço do Conte Biancamano. Em 1926, porém, haveria um aumento considerável: 45 mil passageiros no Atlântico Norte em 38 viagens e 33 mil no Atlântico Sul em 50 viagens.

Este incremento de 20%, na linha Gênova-Nova Iorque, e de 40% na linha Gênova-Buenos Aires, em relação ao número de passageiros transportados entre os anos de 1925 e 1926; as exigências de uma clientela selecionada de passageiros não-emigrantes e a forte concorrência das companhias italianas NGI e Cosulich, como também das estrangeiras Royal Mail, Messageries Maritimes e Hamburg-Sud, obrigavam o Lloyd Sabaudo a manter um serviço de alta qualidade.

Tais considerações levaram o Conselho de Administração da empresa a votar a favor da construção de um quarto navio da série Conte. Deveria ser o maior e o mais luxuoso de todos, recebendo o nome de Conte Grande.

Para poder fazer frente às despesas de sua construção, o Lloyd Sabaudo lançou uma nova subscrição de ações em fevereiro de 1926, fazendo assim aumentar o capital social de 300 para 450 milhões de liras italianas (cada ação valia, na época, 250 liras).

Contemporaneamente, a empresa ofereceu uma emissão de debêntures, à taxa fixa de rendimento de 7% em dólar, e conseguiu assim levantar, junto ao mercado financeiro, a quantia de 2,4 milhões de dólares.

Resolvidos os aspectos financeiros da questão, o Lloyd Sabaudo não mediu economias na construção do novo navio. Assim, sua quilha foi confiada ao prestigioso Stabilimento Tecnico Triestino, do porto e cidade de Trieste, onde sua construção começou em outubro de 1926.


O Conte Grande com as cores originais do Lloyd Sabaudo

Características - Com oito conveses, dos quais os espaços reservados à primeira classe ocuparam quatro, o Conte Grande havia sido desenhado para transportar um total de 1.600 passageiros em quatro classes.

Os 212 passageiros que podiam viajar em primeira classe dispunham de alojamento na Ponte B, com várias cabinas do tipo apartamento (sala, banheiro e dormitório em espaços separados) e 23 destas em variação de luxo, com pias e banheiras em mármore de Carrara, lustres de alabastros, revestimento de poltronas e sofás em seda chinesa, tapetes persas e outros detalhes refinados.

O salão de jantar da primeira classe dispunha de lugar para 330 pessoas, dispostas em mesas retangulares distribuídas com intervalos regulares por todo o espaço. Todo o salão era ladeado por dois andares de galerias com balcões, onde no primeiro também havia mesas, e o segundo andar fazia apenas parte da decoração. Esta sala era também ornamentada por uma cúpula.

Este espaço nobre do transatlântico havia sido desenhado pelo arquiteto Brasini, também autor de desenho de decoração do salão de vestíbulo da primeira classe, em estilo etrusco com várias estátuas de bronze, esculturas em madeira, colunas de mármore e candelabros de cristal da Boêmia.

Outro famoso decorador naval, Coppedé, havia idealizado o salão de festas em estilo floral e com dois andares. O inferior era dominado pela pista de dança, feita com madeira nobre e desenho circular, em torno da qual se dispunham poltronas e cadeiras na cor salmão. O andar superior era dividido em balcões com esplêndidas decorações em forma de árvores estilizadas que davam ao todo um aspecto de "mil e uma noites".

Coppedé havia também concebido a escada principal que, da Ponte, levava os afortunados passageiros para os salões de jantar e de festas. Em madeira de mogno e em estilo renascentista florentino, possuía uma pintura a óleo, reproduzindo o famoso quadro de Boticelli denominado Primavera.

Além disso, os outros espaços da primeira classe eram decorados em diversos estilos: a sala de leitura era decorada com estilo inglês da época elisabetana, a sala de fumar em estilo holandês, a varanda em estilo oriental com desenhos indianos e a piscina, localizada na Ponte C, em estilo japonês.


O magnífico salão de refeições do Conte Grande, decorado pela casa Coppede de Florença

Início das operações - No dia 29 de junho de 1927, o Conte Grande foi lançado ao mar, tendo como madrinha a Duquesa de Aosta, que lançou a garrafa de champanhe na proa, como de costume.

Oito meses depois, o transatlântico foi entregue ao armador e, sob o comando do capitão Antonio Lessa, saiu de Gênova para sua viagem inaugural com destino a Nova Iorque, no dia 13 de abril de 1928. Iniciava-se assim uma aventura que duraria até 1961.

Com a entrada em serviço do Conte Grande na linha norte-americana, ao lado do Conte Biancamano, o par Conte Rosso e Conte Verde foi transferido, pelo Lloyd Sabaudo, para a linha sul-americana, retirando-se desta os veteranos Re D'Italia e Regina D'Italia, que navegavam na Rota de Ouro e Prata desde 1922.

No ano de 1928, o Conte Grande e o Conte Biancamano efetuaram um total de 38 viagens entre a Itália e os Estados Unidos, transportando um total de 46 mil passageiros. Cada transatlântico realizou 19 viagens redondas entre Gênova e Nova Iorque, com uma média de ocupação de 73% em relação à oferta de lugares que, para 19 viagens, era de 62 mil lugares em cada navio.

Sempre em 1928, o número total de passageiros, chegando ou saindo da Itália, foi de 300 mil pessoas, das quais 80 mil viajaram, no Atlântico Norte ou no Atlântico Sul, em navios do Lloyd Sabaudo.

Depressão - A crise econômica que se espalhou mundialmente, a partir de 1930, afetou inevitavelmente as rotas de passageiros do Atlântico, e os resultados foram os seguintes: 40 viagens redondas transportando 47 mil passageiros contra os 50 mil do ano precedente. Na época do Natal de 1930, o Conte Grande efetuou um cruzeiro de Nova Iorque até os portos do Caribe, pleno de sucesso, pois mais de 1.200 passageiros estavam a bordo, sendo que 400 iam de primeira classe.

Enquanto o Conte Grande navegava nas águas tropicais, o Lloyd Sabaudo assinava o contrato de construção de um quinto navio de passageiros que deveria levar o nome de Conte. Foi o estaleiro San Marco, de Trieste, Itália (o mesmo que havia construído o Conte Grande) a receber a encomenda de construir o Conte di Savoia, Este novo transatlântico foi lançado ao mar em 1931.

Convém lembrar o acontecimento da fusão em 1932, com a associação das três principais companhias de navegação de bandeira italiana em uma só, patrocinada pelo Estado e sob as ordens do Ministério da Marinha. Esta nova armadora, a Italia Navigazione, recebeu do Lloyd Sabaudo nove embarcações, entre as quais os cinco Contes (no mesmo ano de 1932 foi aprestado e entregue ao Lloyd Sabaudo o Conte di Savoia).

Terminava assim o percurso do Lloyd Sabaudo, que havia sido fundado 25 anos antes, e a bandeira com a águia azul foi arriada para sempre. Em seu lugar, a bordo do Conte Grande, foi hasteada a bandeira vermelha e branca da nova companhia, onde lado a lado haviam sido desenhadas a cruz de São Jorge e a alabarda triestina.

Com a entrada em serviço, no Atlântico Norte, dos esplêndidos Conte di Savoia e Rex, o Conte Biancamano e o Conte Grande foram transferidos, respectivamente em 1932 e 1933, para a Rota de Ouro e Prata, com o Conte Grande realizando sua primeira viagem para o Brasil e o Prata em 28 de setembro de 1933 - aportando em Santos, pela primeira vez, no dia 11 de outubro, onde desembarcaram 125 passageiros. Procedia de Gênova, Villefranche, Barcelona, Las Palmas e Rio de Janeiro, percurso feito em 13 dias.

Atracou em Santos, pela primeira vez, no cais do Armazém de Bagagem, consignado à agência Empresa Marítima S.A. Dez dias depois, voltaria a Santos, proveniente de Buenos Aires e atracando em frente ao Armazém 16 às 10h00.

Em 1934, o Conte Grande embarcou o então cardeal Pacelli, que viajava como legado papal ao Congresso Eucarístico de Buenos Aires. O cardeal Pacelli se tornaria, anos mais tarde, o Papa Pio XII.


O Conte Grande com as cores da Italia di Navigazione

Segunda Guerra - Com exceção de um par de viagens, em 1935, entre Trieste e Nova Iorque, o Conte Grande permaneceu na linha sul-americana - serviço que não foi interrompido nem ao deflagrar-se o conflito europeu em setembro de 1939.

Em junho do ano seguinte, porém, Mussolini e o rei Vittorio Emmanuele decidem embarcar na aventura da guerra ao lado do III Reich, e esta grave decisão encontrou o Conte Grande navegando no Atlântico Sul.

No dia 6 de junho de 1940, cinco dias antes da declaração oficial de guerra da Itália à Grã-Bretanha e à França, o Ministério das Comunicações italiano iniciou a enviar um aviso para todo os navios que compunham a frota do país e que se encontravam em navegação fora do Mediterrâneo.

O texto oficial do telegrama enviado era o seguinte: "Secreto - Urgentíssimo - As naves nacionais que se encontram fora da bacia do Mediterrâneo e que não estejam em condições de entrar no Mediterrâneo nas próximas 48 horas devem se dirigir para o porto neutro mais próximo. Devem, porém, ser evitados os portos metropolitanos e colônias de Portugal, assim como os portos dos Estados Unidos".

A partir do momento do envio desta mensagem, todos os navios mercantes e de passageiros ostentando bandeira italiana não estavam mais sob o controle de seus armadores e sim à disposição do Ministério da Marinha - e isto até o fim das hostilidades.

Quando, em 10 de junho, foi anunciada a entrada no conflito, 212 navios, com mais de 1.000 t.a.b., encontravam-se fora das águas do Mediterrâneo e, dentre estes, 18 embarcações haviam se refugiado em portos brasileiros.

O Conte Grande havia zarpado de Gênova com destino ao Brasil e o Prata em 22 de maio, em viagem regular de linha. Dois dias depois, ao passar por Gibraltar, foi submetido a minucioso exame por parte das autoridades do controle naval britânico, sendo examinadas as listas de passageiros e os manifestos de carga.

Entre os passageiros embarcados em Gênova, encontravam-se 120 jovens alemães em idade militar e que se destinavam à capital argentina. Suspeitando deste fato, os britânicos exigiram o imediato desembarque dos alemães, coisa que foi feita em seguida.

Na sexta-feira, 7 de junho, o Conte Grande escalou em Santos, desembarcando cerca de 300 passageiros. Na tarde daquele mesmo dia, o transatlântico largou as amarras com destino ao Prata.

Refúgio - Às 23h00 de 8 de junho, ao receber a mensagem codificada, via rádio-telégrafo, que provinha do Ministério das Comunicações, o Conte Grande encontrava-se na altura da costa do Rio Grande do Sul, e seu comandante, após consultar os outros oficiais superiores, decidiu retornar ao porto de Santos.

Na noite do dia 9, o Conte Grande apareceu na barra santista, para a grande surpresa de todos os profissionais do porto. A bordo estavam 866 pessoas, das quais 486 eram tripulantes. As únicas pessoas informadas sobre esta inversão de rota eram o capitão-de-fragata Torriani, que ocupava na época o cargo de adido naval na Embaixada da Itália no Rio de Janeiro, e o representante da Italmar, agentes do transatlântico no porto santista.

Os 380 passageiros que se destinavam a Montevidéu e Buenos Aires não foram informados das razões verdadeiras que ocasionavam o retorno do navio a Santos. Dentre esses passageiros, encontravam-se algumas personalidades, como os artistas líricos italianos Salvatore Baccalone e Coloman Pataky, que iam participar de uma temporada lírica no Teatro Colón, de Buenos Aires.

Também estavam a bordo o escritor teatral Paulo de Magalhães e sua esposa, Heloísa Helena, figura conhecida no cinema e teatro nacionais, que viajavam para Buenos Aires em viagem de núpcias.

O Conte Grande tinha também a bordo alguns diplomatas, como o adido da Embaixada do Uruguai junto ao governo alemão, o cônsul argentino em Barcelona, o cônsul do Peru em Gênova e o ex-cônsul argentino em Santos, que viajava para assumir cargo semelhante em Valparaíso, Chile.

No dia seguinte, 10 de junho, quando desembarcavam esses passageiros no cais do Armazém 25 de Santos, em Roma o Conde Ciano (na época ministro de Relações Exteriores italiano) recebia, às 16h30, no Palácio Chigi, o embaixador francês na Itália, entregando-lhe a seguinte declaração: "Sua Majestade, o Rei e Imperador Vittorio Emmanuele, declara que a Itália se considera em estado de guerra com a França a partir de amanhã, 11 de junho". Horas depois, idêntica comunicação foi feita ao embaixador da Coroa Britânica na capital italiana.

Às 18 horas daquele mesmo dia 10, o Duce, Benito Mussolini, apareceu na sacada do Palácio Venezia, para o gáudio de 70 mil pessoas que se encontravam apinhadas na praça: num discurso de 15 minutos, repleto de gestos teatrais e frases incendiárias, o ditador colocava os italianos à frente de uma dolorosa realidade: guerra!

As páginas dos jornais daqueles dias, já repletas de notícias sobre o conflito armado que se propagava violentamente (as tropas alemãs já haviam penetrado em território francês e Paris sofria seu primeiro bombardeio), acompanhavam as conseqüências da decisão italiana. Corria voz de que a Itália e a Alemanha estavam prontas para dar um ultimatum à Suíça (país que era neutro no conflito), a fim de permitir a livre circulação e tropas italianas pelos Alpes, tropas essas que depois de atravessarem aquele pequeno país se juntariam, na fronteira suíço-alemã, com tropas da Wermacht, para então conjuntamente atacar o território francês pelo flanco central.

No Brasil, face aos acontecimentos, o então presidente da República, Getúlio Dornelles Vargas, assinou decreto-lei mandando observar completa neutralidade na guerra entre a Itália e a Alemanha de um lado, e a França e Grã-Bretanha do outro.

Em Santos, a Italmar providenciou o encaminhamento dos passageiros destinados ao Prata. Poucos dias após a atracação do Conte Grande no porto de Santos, 136 de seus ex-passageiros embarcaram para o Sul em outros transatlânticos.

Assim, o Highland Monarch (britânico) recebeu 74 passageiros que viajavam na primeira e terceira classes do Conte Grande; o Formosa e o Campana (franceses) embarcaram respectivamente 3 e 22 pessoas, quase todas ex-passageiros de primeira classe do transatlântico italiano.

Além desses, outros navios também receberam passageiros: o Brasil, da Moore McCormack (dos Estados Unidos), 37 pessoas; e o pequeno vapor nacional Rodrigues Alves, que embarcou outros 45 passageiros (todos estes da terceira classe) no mesmo dia 10 de junho, data de desembarque de bordo do Conte Grande.

Alguns passageiros preferiram ir para o Prata por via aérea. Na época, a Panair realizava em dez horas a viagem por avião, ligando São Paulo a Buenos Aires via escalas em Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre.

Paulo Magalhães e Heloísa Helena, nomes conhecidos do rádio e do cinema brasileiro na época e que iam para a Argentina em viagem de núpcias a bordo do Conte Grande, decidiram, porém, parar em Santos e dar um espetáculo na noite do dia 12, no Teatro Coliseu.

Também no dia da entrada-surpresa do Conte Grande em Santos, ou seja, 9 de junho, outro navio de bandeira italiana, o Tebro, cargueiro de 4.130 t.a.b., com 30 homens de equipagem, refugiava-se no porto santista. O Tebro viajava em lastro, de Palermo (Itália) para Rosario (Argentina) e também havia sido inspecionado em Gibraltar, tal como o grande transatlântico, e fundeou no estuário de Santos, enquanto o Conte Grande era levado do cais do armazém 25 para o do armazém 22 no dia 20 daquele mês. Estes dois eram os únicos navios de bandeira italiana que se haviam refugiado em Santos.

Hóspede do porto - O adido naval italiano no Rio de Janeiro, Torriani, passou a ser o responsável pelo grande transatlântico, tão logo o último passageiro passou pela prancha de desembarque. O futuro era incerto e a grande maioria dos tripulantes do Conte Grande foi posta em terra firme, alguns sendo acomodados em pensões e pequenos hotéis de Santos e São Vicente, enquanto um menor número foi levado para São Paulo e interior do Estado.

Nos meses que se seguiram, as autoridades navais italianas estavam propensas a fazer o navio sair e retornar, em uma aventura, às águas européias, tendo como destino portos alemães do Mar do Norte. Outra possibilidade era a de fazê-lo atravessar o Atlântico Sul e, dobrando o Cabo da Boa Esperança, penetrar no Oceano Índico com destino a Massaua, porto sob domínio italiano na Eritréia.

Estas duas possibilidades estiveram abertas até o fim de 1940. Mas, em 1941, foram abandonadas, considerando-se a primeira hipótese demasiado arriscada (os exemplos do Columbus e do Cap Norte em 1939 eram significativos), e a segunda havia perdido sua razão de ser com a expulsão das tropas italianas da África Oriental no início de 1941.

Assim sendo, o Conte Grande permaneceu no porto de Santos como ilustre hóspede; necessidades operacionais da Compahia Docas obrigaram, porém, a várias operações de transferência de cais.

Houve épocas, entre 1940 e 1942, que o grande transatlântico esteve atracado, ora no cais do Armazém 10 (como em novembro de 1940 e março de 1941), ora no cais do Armazém 20 (julho de 1940), ora no cais do Armazém 23 (em diversas ocasiões, em 1940 e 1941), ora fundeado no estuário, enfrente à curva entre o cais dos armazéns 9 e 10.

No início de março de 1941, esteve atracado por alguns dias no cais do Armazém 1 e em outras ocasiões esteve fundeado diante de outro ilustre transatlântico, também em estadia forçada no porto santista, o alemão Windhuk, ambos na altura do cais do Armazém 25.

Em abril de 1942, alguns dias antes de deixar o porto de Santos, com destino aos Estados Unidos, o Conte Grande e o Windhuk estiveram atracados no cais do Armazém 22, o primeiro com suas chaminés pintadas de preto e o segundo ainda disfarçado nas cores de navio japonês - com as quais havia entrado em Santos em fins de 1939.

Presença incomum - A presença do Conte Grande em Santos, entre junho de 1940 e abril de 1942, marcou a vida do cotidiano na cidade. Seus tripulantes desembarcados, sobretudo os homens de copa e cozinha (garçons, cozinheiros, copeiros, camareiros) foram albergados, bem e mal, por aqui e por ali, uns encontrando trabalho em bares e restaurantes da cidade e em São Vicente, outros vivendo no ócio e sendo sustentados por uma magra contribuição financeira do Consulado Italiano.

No Hotel Parque Balneário, no Gonzaga, foram tocar os músicos da orquestra de bordo, e o cozinheiro-chefe do Conte Grande, contratado pelo então proprietário, o senhor Fracarolli, foi enriquecer o cardápio à l'italiana do prestigioso hotel.

Outros membros da tripulação de serviço encontraram emprego em hotéis e restaurantes de Santos, São Paulo e até do Rio de Janeiro. Entre esses, um cozinheiro-auxiliar e dois garçons foram parar no Restaurante Bologna da Ponte Pênsil em São Vicente, e vários garçons, barmen e cozinheiros foram para o Hotel Quitandinha, do Rio de Janeiro.

Alguns serviços de bordo do transatlântico permaneceram na ativa, como por exemplo a gráfica, que diariamente imprimia um pequeno jornal para os tripulantes italianos que, ainda embarcados, eram responsáveis pela manutenção do navio.

Estes eram alimentados pela cozinha de bordo, que se abastecia de gêneros junto aos comerciantes do Mercado, inclusive de farinha, o que permitia o funcionamento da padaria do navio.

Criou-se, assim, uma rotina de vida que fez aparecer um comércio florescente de fornecedores e prestadores de serviços ao transatlântico. Uma lavanderia do centro de Santos viu seus negócios aumentarem em muito, pois a do Conte Grande havia cessado de funcionar.


Raríssima foto do Conte Grande entrando na barra de Santos no início de 1940

Guerra aumenta - Em dezembro de 1941, o Japão atacou de surpresa a base norte-americana de Pearl Harbor, no Pacífico. Era a entrada daquele país na guerra, mas, ao mesmo tempo, tal fato provocou a declaração de estado de beligerância entre os Estados Unidos e outros países do Eixo (Alemanha e Itália).

Em conseqüência disso, e a pedido do governo norte-americano, foi realizada, a partir de 5 de janeiro de 1942, no Rio de Janeiro, a 3ª Conferência dos Chanceleres das Américas, que tinha por finalidade tentar encontrar uma solidariedade entre todas as nações do Hemisfério contra as nações agressoras do Eixo.

A conferência, que durou 10 dias, terminou com as seguintes resoluções: imediata mobilização econômica em todas as Repúblicas do continente americano; repressão às atividades subversivas por intermédio de organismos especiais; criação do Comitê de Defesa Interamericano; rompimento, por parte de 19 nações das Américas (entre estas estava o Brasil), das relações diplomáticas com os países totalitários; dentre esses 19 países, 10 se declaravam estar também em estado de guerra com os países do Eixo.

As decisões dessa conferência influíram, de modo marcante, no futuro da Nação brasileira (até então em estado de neutralidade) e foram o prelúdio para a entrada do Brasil na guerra, em agosto de 1942.


Rara foto do Conte Grande no porto de Santos, em 1941

Negociações - Em fins do ano de 1941, a Comissão de Marinha Mercante, ligada ao Ministério da Marinha, havia negociado com as autoridades italianas um acordo, a fim de serem adquiridos os navios daquele país que ainda se encontravam refugiados em portos brasileiros.

Dos 18 navios mercantes (incluindo-se o Conte Grande) de bandeira italiana que em junho de 1940 estavam ancorados em diversos portos brasileiros, em dezembro de 1941 só restavam 12, os outros seis tendo escapado, Atlântico afora, como blockade runners.

Destes 12, oito embarcações foram adquiridas do governo italiano depois de longas e difíceis negociações entre as autoridades brasileiras e os diplomatas daquele país. No meio dos pontos negociados estavam problemas de ordem financeira, de Direito Internacional e de política exterior.

Outros navios, de bandeira alemã, também foram negociados, e em janeiro de 1942, alguns dias antes do rompimento de relações entre o Brasil e os países do Eixo, os dois transatlânticos retidos em Santos, o Windhuk e o Conte Grande, foram formalmente transferidos para a propriedade do Brasil em cerimoniais que tiveram lugar a bordo dos dois navios.

Assim, em 15 de janeiro, o Windhuk e em 22 de janeiro, o Conte Grande, tiveram seus pavilhões arriados e a bandeira do Brasil içada nos mastros principais dos dois transatlânticos.

A cerimônia de troca de bandeira do Conte Grande reuniu a bordo inúmeras personalidades. Além do seu comandante, Ivo Stanzani, estavam presentes o cônsul italiano em Santos, Norberto Behmann (que entregava o navio), o capitão-de-mar-e-guerra Adalberto Cotrim Coimbra (que recebeu o navio), na época comandante da Capitania dos Portos do Estado de São Paulo e representante da União.

Outras personalidades eram o doutor Clovis Washington, inspetor da Alfândega; Henrique Soler, guarda-mor; doutor Afonso Celso de Paula Lima, delegado regional de polícia; doutor José Cruz Secco, inspetor-chefe da Polícia Marítima; doutor Ângelo Falco, agente da Italmar em Santos.

Assumiu o comando do Conte Grande o comandante Hamlet Vitor Boisson, designado pela direção da companhia de navegação estatal Lloyd Brasileiro, a cuja frota o navio foi incorporado. Os marítimos Luís Soares e Alfredo Gião foram nomeados respectivamente chefe de máquinas e comissário de bordo. Encerrado o ato de transferência do Conte Grande, as autoridades se dirigiram para bordo do cargueiro Tebro, onde foi repetida a cerimônia.

Foi assim que um dos grandes e mais belos transatlânticos do mundo daquela época se tornou o maior navio de passageiros que a marinha mercante brasileira jamais possuiu e, por conseqüência, também o maior de propriedade do Lloyd Brasileiro.

Controle estadunidense - O Conte Grande não permaneceu porém muito tempo nessa condição. Três meses depois, foi vendido pelo Governo Vargas à Marinha dos Estados Unidos (U.S. Navy), para participar, assim, do esforço de guerra desse país.

Negociada em segredo a sua venda, foi também em segredo, na escuridão de uma noite de abril de 1942, que o Conte Grande foi levado rebocado do cais do Armazém 22, barra afora, com destino ao Rio de Janeiro, para reparos internos e limpeza de seu casco.

Entre o dia de sua entrega ao Lloyd Brasileiro e o dia de sua saída do porto do Rio de Janeiro, o Conte Grande foi despojado de tudo o que podia ser removido sem prejudicar sua estrutura. Painéis de decoração, estátuas de bronze e mármore, tapetes, lustres, baixelas de prata, serviços de mesa em cristal, bandejas e garrafas de prata, móveis e lambris e um sem-número de objetos foram parar em terra firme. Era o fim de uma época e, ao sair do Rio de Janeiro, praticamente nada restava do antigo esplendor e luxo interno do grande transatlântico.

O Conte Grande adquiriu notoriedade no porto de Santos, não somente como o grande transatlântico que era, mas, também, como o primeiro e único navio do mesmo padrão a arvorar a bandeira verde, amarelo, azul e branco da nossa autarquia federal, o Lloyd Brasileiro.

Lavanderias - Naquela ocasião, janeiro de 1942, das inúmeras prestadoras de serviços marítimos no porto de Santos, figuravam a Lavanderia Comercial e a Lavanderia Santista, sua congênere. As dificuldades que o flagelo da guerra impunha faziam-se sentir também em nossa Cidade. Essas duas empresas, não obstante concorrentes, estavam próximas de terem que baixar suas portas.

O Lloyd Brasileiro era cliente da Lavanderia Comercial e, não cessando de navegar, seus navios estavam gradativamente sumindo, vitimados pela ação dos submarinos alemães, e isto ocasionou ociosidade na Lavanderia Comercial.

Lembra Sílvio Conceição, atual proprietário da empresa: "Eu tinha 16 anos e a lavanderia trabalhava só com atendimento de navios. Como só havia comboios, eles chegavam e saíam sem aviso".

"A transferência do Conte Grande para o Lloyd Brasileiro salvou nossa empresa do desastre definitivo", continua Sílvio Conceição. "Na época, meu pai era proprietário e passamos a lavar a roupa de bordo. A lavanderia de bordo somente conseguia atender um terço das necessidades do navio, os outros dois terços ficavam a cargo da nossa lavanderia".

"Com o atendimento do Conte Grande de janeiro a abril de 1942", prossegue Sílvio Conceição, "afastamos a possibilidade de fechamento da lavanderia, que mais tarde se uniu à Lavanderia Santista, resultando em uma só empresa".

Hoje ela se chama Lavanderia Comercial Santista, de Sílvio Conceição, onde trabalham Lúcia e Conrado, conhecidos de todos os visitadores das agências de navegação.

Porém, numa noite de abril de 1942, o Conte Grande se foi, deixando Santos para trás, sem notoriedade, tão repentinamente como entrara na tarde de 9 de junho de 1940; saiu, sem deixar registro, à meia-noite de uma noite qualquer.

No Rio de Janeiro, após uma breve estadia, seguiu viagem para os Estados Unidos, onde, na base naval de Newport News, o Conte Grande foi rebatizado com o nome Monticello, seu casco pintado de cinza chumbo, recebendo as marcas de sua nova identidade, AP-61, e incorporado à U.S. Navy.

Como seu irmão gêmeo Conte Biancamano, foi também o Conte Grande transformado em navio-transporte de tropas americanas às Filipinas, onde os Estados Unidos exerciam presença marcante com suas forças na luta pela libertação do arquipélago das mãos do inimigo nipônico. Tinha capacidade para 7.000 soldados e sua aparência externa totalmente modificada.

Durante uma ação de desembarque de tropas, em desenfreada manobra a que foi submetido, sofreu avarias no leme, avarias essas que nunca foram definitivamente reparadas. Nos anos pós-guerra, o Conte Grande seria um navio lento e perigoso de manobrar. Sofreu também avarias em suas caldeiras; tal qual sucedera com seu leme, os danos nas caldeiras também constituiriam cicatrizes indeléveis mais tarde.


Em 1942, o Conte Grande rumou para os EUA, onde teve seu nome alterado para Monticello

Fim da guerra - Em 8 de setembro de 1943, a Itália rendeu-se, porém o Monticello ou AP-61, como conhecido, continuaria na luta.

Oito de maio de 1945. Fim da guerra na Europa. No Oriente, porém, o conflito continuaria. O Monticello provara ser um navio robusto, de emprego efetivo na guerra, porém estava desgastado, sem condições de enfrentar ação de qualquer natureza.

Seus últimos dias, como navio americano de transporte de tropas, passou-os atracado nas docas de Nova Iorque, sofrendo a ação do tempo, sob a responsabilidade da Guarda Costeira americana.

Dia 2 de setembro de 1945. A rendição japonesa é formalmente assinada a bordo do encouraçado Missouri, dos Estados Unidos. O Plano Marshall, de ajuda dos Aliados, incluiu a Itália na lista de países contemplados com benefícios de ordem econômica.

De fato, o então presidente Truman, dos Estados Unidos, assinou despacho na Casa Branca, através do qual o navio de transporte-de-tropas Monticello, ex-Conte Grande, e o Hermitage, ex-Conte Biancamano, seriam devolvidos ao governo italiano.

Em 22 de março de 1946, o Monticello encontrava-se novamente na Base Naval de Newport News, onde foi efetuada a baixa oficial das atividades militares, seguida do desembarque de todo o equipamento bélico americano que recebera quatro anos antes.

Foram necessários dois anos e dois meses para que toda a parafernália fosse removida, e o Monticello, após restaurada sua identidade original como Conte Grande, foi entregue, em Newport News, em 19 de maio de 1947, às autoridades italianas.

Para que pudesse atravessar o Atlântico com segurança de seu retorno à Itália, foi efetuado um rápido trabalho de revitalização de caráter provisório e, no dia 7 de julho de 1947, deu-se a largada de Newport News rumo a Gênova, onde chegou no dia 23 de julho.

Com a OARN - Enquanto isso, em Roma, nascia uma organização que se encarregaria da reconstrução da frota mercante estatal italiana, bem como atuaria, durante os oito anos seguintes, como proprietária do Conte Grande e dos outros navios mercantes italianos que pertenciam a empresas armadoras estatais, e que haviam caído em mãos aliadas como conseqüência de eventos bélicos.

A Italia di Navigazione, portanto, figuraria inicialmente como afretadora do Conte Grande, encarregando-se da exploração comercial do navio, enquanto a nova empresa, chamada Società Maritima Finanziaria, exerceria o papel de armadora.

Na chegada ao porto lígure de Gênova, o Conte Grande já encontrou seu plano de reconstrução pronto, cujo contrato foi confiado ao estaleiro Officine Allestimento Riparazione Navi, mais conhecido pela abreviatura OARN. Levado a reboque e colocado em dique seco, no Molo Giano, passou por reformas, sendo reconstituído à sua condição de navio de passageiros.

Não seria, contudo, o mesmo luxo palaciano dos anos 20 que o caracterizaria, e sim, uma decoração funcional, pois, como um navio de duas décadas de existência, e que sobrevivera a um grande conflito mundial, não teria vida muito longa, além do fato de que seus custos operacionais assumiriam cifras respeitáveis.

Exatamente dois anos após seu retorno a Gênova, procedente dos Estados Unidos, estava pronto para sua segunda nova vida. Todo pintado de branco, com a proa, que antes era reta, tornando-se ligeiramente lançada, dando ao Conte Grande 203,30 metros de comprimento total.

Propulsão falhou - Com acomodações para 258 passageiros em primeira classe, 340 de segunda e 390 de terceira, dispunha ainda de 642 leitos em alojamentos para emigrantes. Seu aparelho propulsor, entretanto, foi motivo de transtornos de última hora.

A partida de Gênova, em primeira viagem, havia sido marcada para o dia 14 de julho de 1949. Devido a problemas em suas caldeiras, além de deficiências no leme, sofreu um atraso de uma semana.

Em 21 de julho de 1949, acomodações lotadas, conveses apinhados, embandeirado em grande gala, o Conte Grande  saiu de Gênova, em viagem inaugural do período pós-guerra, rumo à América do Sul. No itinerário, os portos de escala, em ordem cronológica, eram Nápoles, Cannes, Barcelona, Lisboa, Rio de Janeiro, Santos, Montevidéu e Buenos Aires.

A travessia do Atlântico transcorreu sem incidentes. A estadia no Rio de Janeiro seria breve; porém, necessidades de suprimento de água para consumo de bordo mantiveram o Conte Grande atracado, no pier Mauá, até a meia-noite de 2 de agosto.


O Conte Grande retorna ao porto de Santos em sua viagem inaugural do após-guerra

Recepção em Santos - Na manhã seguinte, muita gente debruçava-se ao longo das muradas da Ponta da Praia, em frente à entrada do porto de Santos. Nas várias décadas de existência do cais santista, os horários de chegada dos grandes transatlânticos procedentes da Europa e dos Estados Unidos eram tradicionalmente nas primeiras horas da manhã, entre 6h00 e 7h00.

Como a imprensa na época dera ênfase ao fato de que o Conte Grande sobrevivera à guerra e que estava em viagem inaugural de retorno à linha do Brasil, muita gente foi esperar a chegada do navio. Muitos tinham parentes que vinham na viagem, outros eram apenas curiosos. O atraso no Rio de Janeiro não foi divulgado, como também não houve divulgação ao público da hora de chegada a Santos, e somente autoridades competentes e órgãos locais estavam avisados.

Um veterano profissional da Praticagem de Santos, Rafael Atêncio (Rafa), lembra-se daquele dia e diz: "Eu trabalhava na mesa de expediente e, naquele dia, era grande o número de pessoas que vinham à Praticagem perguntar o horário de chegada do Conte Grande. Com o correr das horas da manhã, fomos avisados pela agência que o navio chegaria às 13 horas. Eu, então, improvisei uma tabuleta, onde escrevi: 'Conte Grande - chegada às 13 horas'. Só assim consegui prosseguir trabalhando".

Às 13h00, o Conte Grande apareceu na barra e a multidão que o esperava impacientemente desde as 7h00, após sua passagem pela Ponta da Praia, correu ao Armazém 16, onde o navio atracou de boreste (com o lado direito para o cais), após receber visita das autoridades ao largo.

Às 14 horas, arriaram-se as escadas. Todos queriam entrar, porém o atraso no Rio de Janeiro abreviaria a permanência em Santos. Dentre os 215 passageiros desembarcados em Santos figuravam o senhor Giusfredo Santini e esposa.

Os oficiais de bordo e as autoridades locais tiveram que ser radicais! A nenhum visitante foi concedida permissão para entrar a bordo e, às 16h30, o navio zarpou de Santos rumo aos portos de Montevidéu e Buenos Aires. No retorno do Prata, a agência marítima Italmar concedeu recepção a bordo às autoridades e imprensa locais, para festejar o retorno do Conte Grande à linha.

Mais 11 anos - A vida do Conte Grande, no período do pós-guerra, seria curta. Somente 11 anos, porém de atividade intensa, que não só o trouxe para o Brasil, Uruguai e Argentina, como também à linha dos Estados Unidos, rumo a Nova Iorque.

Não obstante, foi na linha da América do Sul que ele mais navegou. Suas viagens de Gênova a Buenos Aires levavam 15 dias e essa marca não foi superada pelos novos transatlânticos do período pós-guerra, senão em 1966, pelo Eugenio C (que hoje se chama Eugenio Costa e ainda navega em águas sul-americanas).

O Conte Grande adquiriu logo distinção particular, que não foi eclipsada nem pelos novos navios, Giulio Cesare e Augustus. Suas listas de passageiros eram sempre numerosas, não faltando personalidades célebres como condes, ministros de Estado europeus, cantores, bailarinas, companhias de teatro, tanto do Velho Mundo quanto do Novo, além, é claro, de religiosos que iam e vinham do Vaticano em grupos. Era fácil distinguir de terra, nas cenas de chegada e partida, os vetustos hábitos e batinas, quase sempre de cor preta.

Também não faltavam embaixadores nas listas de passageiros de primeira classe. Na viagem em que largou de Gênova em 25 de abril de 1954, o Conte Grande trouxe em seu bordo, até Buenos Aires, uma comitiva que acompanhava o novo embaixador soviético, que vinha fixar residência na capital portenha. Como não podia deixar de ser, o grupo passou a ser alvo do assédio de passageiros durante a viagem e da Imprensa nos portos de escala. A todos que se aproximassem e indagassem alguma coisa, não faltava o ímpeto frio e a protocolar resposta: "Niet" (não, em russo).

Sem incidentes, o Conte Grande chegou ao ano de 1956, navegando sempre na Rota de Ouro e Prata. Nesse ano, um duro golpe abalou a marinha mercante italiana, em particular a Italia di Navigazione. Em 26 de julho daquele ano, afundava no Atlântico Norte, a 100 milhas de Nova Iorque, o Andrea Doria, capitânia da frota da Italia di Navigazione.

O fluxo numeroso de passageiros da linha Gênova-Nova Iorque requeria providências urgentes na reposição da frota. O Conte Grande, a essa altura, chegava à Itália, procedente de Buenos Aires, sendo temporariamente transferido para a linha do Atlântico Norte, pois o Andrea Doria já estava lotado em todas as viagens, em ambos os sentidos - Gênova-Nova Iorque e Nova Iorque-Gênova - para os três meses seguintes.

A primeira saída de Gênova para Nova Iorque do Conte Grande deu-se em 27 de agosto de 1956. Foi também transferido para a linha do Atlântico Norte, em caráter temporário, o Giulio Cesare, e posteriormente também o Augustus, estes últimos por períodos mais longos que o Conte Grande, que logo se reintegrou na linha do Brasil e Argentina.

Em 13 de março de 1957, saiu de Gênova para Buenos Aires tendo sido no entretempo normalizada a crise no Atlântico Norte, gerada pela perda do Andrea Doria. Ainda em 1957, um fato marcante: o Conte Grande foi vendido à Italia di Navigazione, que até então era somente afretadora. A Società Marittima Finanziaria, sua proprietária até então, foi extinta nesse ano.

Greve - Mais dois anos se passaram e o Conte Grande, sempre prestigiado, prosseguia na linha da América do Sul, ao lado do Giulio Cesare e do Augustus, que intercalavam a linha de Buenos Aires com a de Nova Iorque. Em abril de 1959, uma súbita onda grevista abalou a marinha mercante italiana, com ele navegando fora do Mediterrâneo, como também era o caso do seu irmão gêmeo, o Conte Biancamano. Este refugiou-se em Dacar, no Senegal, durante a viagem de Gênova a Buenos Aires.

A forte pressão sindical manteve os navios retidos nos portos em que se encontravam no momento da deflagração da greve. Os passageiros dos navios italianos foram, pois, transportados para navios de outras nacionalidades. O Conte Biancamano teve seus passageiros transferidos para o navio francês Charles Tellier, o qual escalou Dacar excepcionalmente para esse fim. Muitos outros navios italianos foram evacuados e a crise atingiu proporções sérias, porém o pior estava por vir. O Conte Biancamano, após abandonado pelos passageiros em plena África Ocidental, alterou seu rumo, voltando vazio a Nápoles, onde grande parte da marujada residia.

Aí chegando, foram descobertas sérias avarias nas caldeiras, avarias essas de origem suspeita. Inspecionado pela classificadora, teve recusado endosso em seus certificados de segurança. A Italia di Navigazione decidiu vendê-lo como sucata em La Spezia, Itália, e, com efeito, em agosto de 1959 iniciou-se a demolição.

Isto significava em média 530 tripulantes desempregados, pois o Conte Biancamano não seria substituído. E a crise continuava! Enquanto isso, o Conte Grande prosseguia na linha da América do Sul, ao lado do Giulio Cesare e do Augustus, os quais intercalavam a linha de Buenos Aires com a de Nova Iorque.


O casco branco manteve o toque de elegância. A foto é de 8/9/1956, quando ele deixava Nova Iorque rumo a Gênova e Nápoles

Final - E chegamos ao ano de 1960. O lançamento do novo transatlântico Leonardo da Vinci deu margem a uma reorganização da frota da Italia di Navigazione nos serviços às Américas. O Giulio Cesare e o Augustus não mais iriam para Nova Iorque e, transferidos para a linha do Prata, tornavam o Conte Grande um navio excedente.

No mês de junho de 1960, o navio daria seu primeiro sinal de esgotamento. Durante uma viagem e retorno à Itália, navegando entre Santos e o Rio de Janeiro na madrugada de 24 de junho, toda a água de uma caldeira esvaiu-se em cascata, pela praça das caldeiras abaixo.

Apesar da gravidade do fato, não houve vítimas, porém na chegada ao Rio de Janeiro uma inspeção rigorosa obrigou o navio a permanecer atracado no porto para reparos. Durante sete dias, a tripulação da praça de máquinas trabalhou incansavelmente até que o navio estivesse em condições de retomar viagem.

Trabalho pronto em 1º de julho, o Conte Grande prosseguiu viagem, com a prévia recomendação ao comando de que, tão logo chegasse a Nápoles, novas inspeções de caráter definitivo deveriam ser efetuadas. O transatlântico só realizaria mais quatro viagens.

Encontrei há alguns anos um veterano homem do mar. Chamava-se Antonio Turco e era chefe de máquinas no navio cargueiro porta-contêineres Cala Atlantica. Disse Antonio: "Iniciei minha carreira no mar em 1960, no Conte Grande, como cadete na praça de máquinas. Aquele ano foi muito marcante para mim, não só pelo fato de eu iniciar minha vida marítima no Conte Grande, mas também porque foi nele que conheci aquela que seria minha esposa. Naquele mesmo ano me casei!"

Antonio Turco estava a bordo do Conte Grande naquela madrugada de 24 de junho de 1960 e lembra-se da árdua faina que sucedeu à cascata de água fervente que se precipitou pelo compartimento de caldeiras abaixo, indo alojar-se no fundo duplo do casco do navio.

Viagem final - Em 30 de novembro de 1960, o Conte Grande largou suas amarras do porto de Santos pela última vez! Como se fosse uma viagem de rotina, foi embora sem que ninguém fizesse a menção: "É a última viagem!". Se a bordo havia personalidades célebres ou homens de negócios como os Trombetti, de São Paulo, e os Santini, de Santos, ninguém deu atenção ao fato.

Chegando a Gênova em 13 de dezembro, foi afretado ao Lloyd Triestino para uma viagem redonda (ida e volta) a Sydney, na Austrália. Devido à procura intensa de passagens a este país, o Lloyd Triestino necessitava de reforço, a despeito da numerosa frota de navios de passageiros que aquela empresa dispunha.

No retorno a Gênova, em 16 de fevereiro de 1961, foi imediatamente vendido aos sucateiros de La Spezia, Terrestre Marittima, carrascos oficiais dos velhos transatlânticos de luxo. Em 7 de setembro de 1961, chegou à entrada do porto de La Spezia e ali foi encalhado. Durante 12 meses, ficou, inerte, vazio, ao sabor das ondas, que gradativamente iam fazendo com que adernasse a boreste sobre um fundo lamacento.

Na ponte de comando - onde em março de 1928, o comandante Antonio Lena dera as primeiras ordens; na mesma ponte reconstruída em 1949, onde o comandante Achille Dane repetiria o mesmo ritual -, já ninguém conseguia ficar de pé, tal o ângulo de banda.

Em setembro de 1962, os maçaricos de acetileno e outros apetrechos, iniciaram o rito fatal de esfacelamento da estrutura e casco daquele que foi, sem dúvida, um estandarte para a marinha mercante italiana e, também, o legítimo portador das insígnias compostas pela cruz de São Jorge, ao largo da alabarda triestina - a bandeira da Italia di Navigazione.

Sob ela, transportou milhares de passageiros, de homens ilustres a camponeses, em tempo de paz. na guerra, de almirantes a marinheiros de convés. Para uns, significava um passeio de férias; para outros, o início de uma nova vida, e, para tantos, muitos mesmo, o cumprimento fiel, de coração fervoroso, da missão que abraçaram em suas vidas.

Na Basílica Menor de Santo Antônio do Embaré, no teto do altar-mor, à direita, está uma bela pintura ilustrando a entrada do porto de Santos com os verdes montes que guarnecem a entrada da barra. Diante desses montes, entrando no porto, com suas cores dos anos 30, foi pintado o Conte Grande.


O Conte Grande, em cartão postal de 1950

Foto: acervo do cartofilista Laire José Giraud, publicada na rede social Facebook em 12/10/2014

Conte Grande:

Outros nomes: Monticello
Bandeira: italiana
Armador: Italia Flotte Riunite
País construtor: Itália
Estaleiro construtor: Stabilimento Tecnico Triestino

Porto de construção: Trieste
Ano da viagem inaugural: 1928
Tonelagem de arqueação (t.a.b.): 25.661
Comprimento: 199 m
Boca (largura): 24 m
Chaminés: 2
Mastros: 2
Hélices: 2
Velocidade máxima: 22 nós
Motores: turbinas Parsons, com potência de 26.000 HP
Tripulantes: 530
Passageiros: 1.588
Classes: 1ª -     212
                2ª -     502
        Cabina -     164
                3ª -     720

Artigo publicado no jornal A Tribuna de Santos em 3, 10, 17, 24 e 31/12/1992

Este artigo foi publicado em 5 de janeiro de 1997, na seção Porto & Mar do jornal santista A Tribuna:

MEMÓRIA

O célebre e esplendoroso Conte Grande

O barco fez a viagem inaugural em 1928 e operou até 1960

Armando Akio

Editor

O transatlântico italiano Conte Grande foi um dos mais célebres navios de passageiros a aportar em Santos. Construído em 1928, somente em 1933 veio ao Brasil pela primeira vez, com uma decoração esplendorosa e casco preto, que lhe dava um ar nobre.

O Conte Grande e o Conte Biancamano, desde a incorporação à frota da Italia Flotte Riunite, faziam a linha da Itália para Nova Iorque, nos Estados Unidos. Posteriormente, a empresa foi sucedida pela Italia di Navigazione.

Com a chegada do Rex e do Conte di Savoia, ambos foram transferidos para a linha da América do Sul.

Navio-transporte - O pesquisador Laire José Giraud, despachante aduaneiro, de Santos, apurou que, com o início da Segunda Guerra Mundial, o Conte Grande foi transformado em navio-transporte de tropas, passando a ostentar o nome de Monticello, a serviço dos Estados Unidos.

Laire Giraud acrescenta que, após a guerra, o Conte Grande perdeu um pouco do esplendor, em termos de decoração, mas em compensação ficou mais jovial, pois o casco passou a ser branco, o que lhe conferia um visual mais bonito que o anterior.

Justamente a alvura do casco fazia com que muitos passageiros gostassem de passar o Ano Novo a bordo, pois o branco está associado à passagem, ao novo. E esta coluna Memória de hoje brinda exatamente isso, com uma pequena viagem no tempo, rumo ao passado.

A fotografia que ilustra o texto é de 8 de setembro de 1956, quando o Conte Grande deixava o porto de Nova Iorque rumo a Gênova e Nápoles, na Itália.

Substituição - Na ocasião, a armadora remanejou o transatlântico da linha da América do Sul para a do Atlântico Norte, onde fez duas viagens, em substituição ao Andrea Doria, que naufragara em julho de 1956, ao ser abalroado pelo navio de passageiros sueco Stockholm.

Posteriormente, o Conte Grande voltou para a linha com escalas em Nápoles, Gênova, Cannes (França), Barcelona (Espanha), Lisboa (Portugal), Dacar (Senegal), Rio de Janeiro (RJ), Santos (SP), Montevidéu (Uruguai) e Buenos Aires (Argentina). Tal ocorreu porque a companhia de navegação colocou o Conte Biancamano em seu lugar.

Em sua história de 32 anos, o Conte Grande foi o navio italiano de passageiros que teve o maior prestígio, até a despedida de Santos, em 30 de novembro de 1960. No ano seguinte, ele foi demolido, para sucata, no porto de La Spezia, na Itália.

Distinção - José Carlos Rossini, colaborador de A Tribuna, que escreve de Genebra, Suíça, e o pesquisador Nelson Antonio Carrera, de Santos, comentam, sobre o Conte Grande, no livro Rota de Ouro e Prata: "...adquiriu logo distinção particular, que não foi eclipsada nem pelos novos navios: Giulio Cesare e Augustus".

As listas de passageiros do Conte Grande eram sempre numerosas, destacando-se personalidades célebres da época.

O Conte Grande foi construído no Estaleiro Stabilimento Tecnico Triestino, com 25.661 toneladas, comprimento de 199 metros, boca (largura) de 24 metros, velocidade média de 22 nós (40,7 quilômetros horários).

A capacidade de transporte era de 1.588 passageiros, em quatro classes.


O casco branco, após a Segunda Guerra Mundial,

manteve o toque de elegância e de classe do navio

Foto: reprodução, publicada com a matéria


O transatlântico italiano Conte Grande, passando pela passarela natural dos navios na Ponta da Praia, em Santos, em 1952

Foto: José Dias Herrera, divulgada na rede social Facebook por Laire Giraud (acesso: 5/7/2013)

 


"Conte Grande - Este navio fez muita fama entre os imigrantes italianos que moram no Brasil, pois serviu de meio de transporte para milhares deles entre 1927 e 1940. Era um gigante para a época, com suas 25.661 toneladas. Em 1940, quando a Itália entrou na II Guerra Mundial, ficou retido em Santos e depois no Rio de Janeiro, até ser formalmente apreendido pelo Brasil em 1941. Foi vendido em 1942 aos Estados Unidos e transformado em navio de transporte de tropas, com o nome de Monticello. Em 1947 foi devolvido à Itália e rebatizado como Conte Grande, voltando à linha da América do Sul até 1961. Em 1962 foi demolido no estaleiro de La Spezia, na Itália. O postal é de 1933".

Imagem: Acervo José Carlos Silvares/fotoblogue Navios do Silvares (acesso: 13/3/2006)

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