Depois de operar no Oriente com o nome Laos, o navio foi rebatizado e transferido para a América do Sul
A bem conhecida armadora Compagnie des Messageries Maritimes (MM) tem suas origens em 1851 com a assinatura de um contrato com o governo
da França, que resultou em janeiro do ano seguinte na constituição da Compagnie des Services Maritimes des Messageries Nationales, nome alterado em fevereiro de 1853 para Compagnie des Services Maritimes des Messageries Imperiales.
Fato marcante na longa existência da companhia foram as inúmeras adaptações às quais teve que se submeter, para se adequar às exigências governamentais francesas e ao recebimento de vários subsídios previstos para
o incentivo do desenvolvimento da Marinha Mercante de seu país.
O Laos no porto de Marselha, entre 1897 e 1903, imagem colorizada
Foto: Messageries Maritimes
Novas convenções - Foram numerosas no tempo e no espaço as leis e as convenções passadas entre o governo e os armadores do hexágono francês. Citaremos apenas os anos de entrada em vigor de algumas destas
leis e convenções que regulamentaram as atividades do setor marítimo: 1861, 1881, 1886, 1893, 1894, 1907, 1908, 1911 e 1920.
A convenção de 1894 nos interessa mais particularmente, pois deu origem ao aparecimento de um quinteto de grandes vapores, entre os quais o do título. Vejamos o porquê, em síntese.
A linha marítima entre a França continental e o Extremo Oriente foi inaugurada em 1862. Os diversos países do leste da Ásia sempre despertaram enorme interesse político-econômico nos franceses e a construção do
Canal de Suez com apoio governamental e capitais financeiros e tecnologia provindos da França, foi a melhor prova disso.
Suez - A abertura ao tráfego do Canal de Suez aconteceu em novembro de 1869. Em abril do ano seguinte, a MM despachou seu vapor Hoogly na viagem inaugural do novo serviço marítimo, bimensal e direto,
entre Marselha e os principais portos do Extremo Oriente, via Suez.
Entre todas, esta rota da MM tornou-se imediatamente como a mais importante da armadora e do país. Através desta ligação marítima circulavam as riquezas da época: especiarias, seda, algodão, lã e outras
matérias-primas em direção da França; máquinas, maquinário, artigos de consumo, armas e soldados na direção oposta.
Ramificações - Com o passar dos anos, o volume de tráfego nessa rota intensificou-se notavelmente com a criação de ramificações anexas ou complementares. Eram, desta maneira, servidos inúmeros portos de
diversos países do Extremo Oriente, Indochina, Japão, China, Nova Caledônia e Austrália.
Em 1894, o estado francês, usando de seus poderes para influenciar os negócios marítimos, assinou nova convenção com os armadores do país. Para a MM, tal convenção significou pagamento assegurado de prêmios
governamentais para cada légua percorrida pelos seus navios pelas duas principais rotas interoceânicas que servia: a do Extremo Oriente e a da América do Sul. A primeira, além dos prêmios por légua, ainda conservaria os benefícios dos subsídios
ligados ao transporte postal, o que não era mais o caso de segunda rota.
Manobras de atracação em Bordeaux, entre 1905 e 1912
Foto: Messageries Maritimes
Novos vapores - Com esta possibilidade de efetuar ganhos, a direção geral da MM não tardou a conceber planos para a construção de novos e maiores vapores destinados ao serviço das duas rotas acima
mencionadas. Apareceram dessa forma entre 1896 e 1899 os transatlânticos Laos, Indus, Tonkin e Annam para a linha do Extremo Oriente e o Atlantique para a
linha sul-americana. Este quinteto de vapores, todos construídos pelo estaleiro pertencente à própria armadora, o de La Ciotat, possuíam características semelhantes, embora não pudessem ser classificados como absolutos gêmeos.
O primeiro dos cinco a ser lançado ao mar foi o Laos em novembro de 1896, seguido na ordem acima pelos outros quatro, respectivamente em agosto de 1897, março de 1898, novembro de 1898 e novembro de 1899. O
quarteto de navios para o Extremo Oriente possuía as seguintes características, além de suas medidas que eram iguais:
Casco de aço pintado inteiramente de branco, proa ligeiramente encurvada, castelo de proa alongado, superestrutura de dois decks
(conveses), dos quais o inferior era fechado.
Maquinário de propulsão com duas máquinas alternativas a tríplice-expansão movendo dois hélices à razão de 108 giros por minuto e com potência
total de 9,5 mil cavalos, o que representava velocidade máxima próxima a 19 nós horários.
12 caldeiras que produziam vapor para as máquinas principais e para os motores independentes, estes últimos assegurando o funcionamento de
bombas de ar e de alimentação hidráulica, aquecimento e produção de energia elétrica.
Quatro porões de estiva, servidos cada um por pares de pau-de-carga movidos a pressão de vapor, e dois porões para a estocagem de carvão
combustível, com capacidade total para 1.050 toneladas.
Duas grandes chaminés pintadas de preto, colocadas na parte anterior da superestrutura, dois mastros e oito embarcações de salvamento, quatro
de cada bordo.
A capacidade para passageiros era ligeiramente diferente entre os dois pares do quarteto. O Laos e o Indus podiam transportar 300, distribuídos em 1ª classe (148 pessoas), 2ª classe (71 pessoas) e 3ª
classe (81), enquanto que no Tonkin e no Annam a capacidade era de 348 nas três classes (respectivamente 185, 86 e 77 passageiros). O Laos, que nos concerne neste artigo, zarpou em julho e 1897 de Marselha com destino a Iocoama
(Japão), via escalas intermediárias nos portos de Port Said, Colombo, Saigon, Hong Kong e Xangai, ou seja, na mesma linha da MM inaugurada em 1870 pelo Hoogly.
Mudanças de rota - Em 1898, entram nessa mesma rota o Indus e o Tonkin, e no ano seguinte o Annam. O sucesso desses quatro vapores foi imediato, pois ofereciam, em alto nível, segurança,
pontualidade, conforto e excelente cozinha a bordo.
No início de 1903, o par Laos e Indus foi retirado da linha para o Leste asiático e colocado na Rota de Ouro e Prata. Tal medida fazia-se necessária pela diminuição, de um lado, do tráfego asiático, e
do outro, pela substituição de antigos vapores no tráfego sul-americano.
Para marcar a mudança de serviço, a MM decidiu também mudar os nomes dos dois vapores: o Laos foi rebatizado Amazone e o Indus passou a ser chamado de Magellan.
Os navios não sofreram, porém, qualquer modificação técnica ou de alojamento e, sem mais, entraram em serviço na rota para o Atlântico Sul, respectivamente em 3 de abril e 6 de março daquele mesmo ano. Durante os nove anos de serviço para o Brasil
e o Prata, o Amazone conservou seu casco branco e suas caldeiras originais do tipo Belleville.
Sala de jantar do Amazone
(Foto: Messageries Maritimes)
Mares tranqüilos - Nessa fase de sua carreira, o navio, comandado pelo capitão-de-longo-curso Lidin, somente registrou um episódio fora da rotina: em dezembro de 1907 recolheu a tripulação do barco argentino
Astral, naufragado num banco de areia próximo ao Porto de La Plata. Com o término, em 1912, do acordo que regia a concessão governamental para a linha sul-americana, a MM deslocou para o serviço do Extremo Oriente todos os seus cinco navios
que percorriam a Rota de Ouro e Prata.
Foram assim embora do Atlântico o Chili, o Cordillière, o Atlantique, o Magellan e o Amazone que, apesar do câmbio de atividade,
conservaram os nomes acima. A única mudança para o par último mencionado foi a nova cor do casco: preta. O Amazone, requisitado pelas autoridades francesas ao eclodir a guerra européia em 1914, sobreviveria às hostilidades, ao contrário do
seu irmão Magellan e, entre 1919 e 1928, voltou ao uso civil na sua rota original: a do Extremo Oriente.
O fim - Neste período, dois fatos foram registrados. O primeiro em 1921, caso inédito nos anais da MM: ocorreu a bordo do Amazone um motim de sua tripulação por ocasião de uma escala em Colombo
(Ceilão, hoje Sri Lanka), o que obrigou seu comandante a solicitar intervenção policial. O segundo foi a reforma pela qual passou em 1923, quando entre outros trabalhos foram substituídas suas caldeiras
originais a carvão por outras alimentadas por óleo combustível.
O fim do Amazone ocorreu por envelhecimento, agravado pela crise econômica mundial do início dos anos 30. Em fins de 1931 foi vendido para demolição e, a partir de fevereiro do ano seguinte, foi desmantelado
na localidade fluvial de La Seyne (França).
O Amazone deixando o porto de Santos, entre 1903 e 1905
Foto: Messageries Maritimes
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