Formado em Direito pela USP, resolveu deixar a profissão para se dedicar ao teatro, cinema e literatura
Foto: arquivo, publicada com a matéria
Miroel Silveira, o homem-orquestra
O santista, que será homenageado por seu centenário, recebeu o título de um professor da USP devido à sua atuação na área cultural
César Miranda
Da Redação
"Se quisesse simplesmente o sucesso ou a comodidade, eu estaria advogando em Santos. Quando eu saí da Cidade com 28 anos
de idade, larguei a profissão, larguei tudo. Já tinha automóvel, casa, era vencedor na vida no sentido de dinheiro, de posição, de status, mas a gente tem que saber para que veio, para que está, não é?".
O comentário, que mostra o espírito inquieto e desbravador, é do santista Miroel Silveira, considerado uma das mais importantes personalidades do teatro brasileiro, cuja história será reverenciada este ano.
No centenário de nascimento do ilustre santista, a ser celebrado em 8 de maio, o reconhecimento sobre a importância de sua obra receberá uma programação especial, organizada pela Prefeitura (leia matéria abaixo), para
relembrar os seus múltiplos talentos.
Em 74 anos de vida, Silveira foi poeta, tradutor, diretor, produtor, crítico teatral e literário, administrador cultural, professor, pesquisador, ensaísta e ator. Por essa característica de polivalente, o professor da Universidade de São Paulo
(USP), Ferdinando Martins, o definiu como homem-orquestra.
Filho dos escritores Valdomiro Silveira e Maria Isabel Silveira, Miroel nasceu em 8 de maio de 1914 e cresceu na Av. Conselheiro Nébias, 816, numa casa cercada de livros nacionais e estrangeiros. Foi nesta época que
aprendeu francês, italiano e espanhol. Em um ambiente propício a gostar de arte, o pai costumava promover animados saraus literários. Nos encontros, a família recebia escritores, poetas, romancistas, bailarinos e outros artistas.
Mais tarde, formado em Direito pela USP, nunca negou sua vocação e seguiu seu instinto. Operário do teatro, como gostava de se autodenominar, Miroel ocupou várias funções em atividades ligadas a grandes companhias dos anos 1940 e 1950, como Os
Comediantes, dirigido por Zbigniew Ziembinski, e Teatro Popular de Arte (TPA), de Maria Della Costa e Sandro Polloni.
Na imprensa, parte da vida teatral brasileira pode ser conhecida pelos seus textos produzidos para o Radar de São Paulo, os jornais cariocas O Jornal e o Diário de Notícias, e principalmente para os jornais do grupo Folha
de São Paulo, entre 1946 e 1957.
Segundo Jacqueline Pithan dos Santos, autora da dissertação de mestrado Miroel Silveira – Um Homem de Teatro no Espírito do seu Tempo, apresentada na Universidade de São Paulo, em 2010, as críticas de Miroel eram uma autêntica aula sobre
a arte de representar nos palcos, sendo o autor atento a todos os detalhes das peças exibidas: texto, direção, ritmo, marcação, cenografia, cenário, além de comentar sobre as traduções, alertando para os erros cometidos por alguns tradutores.
"Foi um grande defensor do teatro. Não se contentava apenas com a beleza plástica", disse Jacqueline. Ela o compara ao mesmo nível do crítico teatro Décio de Almeida Prado (1917-2000). "Coloco os dois no mesmo patamar. Contribuíram
imensamente".
A pesquisadora observa que Miroel foi um privilegiado em testemunhar a chegada de novos autores, diretores e companhias de teatro. Destacam-se os nomes de Augusto Boal, Gianfrancesco Guarnieri, Paulo Pontes, Zé Celso Martinez, José Renato,
entre outros responsáveis pela solidificação da dramaturgia brasileira.
Destacando outra face de Miroel, a generosidade,Jacqueline lembra que ele incentivou o jovem santista Gilberto Mendes, que cursava Direito na Capital, alargar a universidade e se dedicar à musica. O recado foi acatado
pelo conterrâneo que mais tarde se tornaria um dos grandes compositores da música de vanguarda. "Ele marcou minha vida dizendo isso”, disse Mendes à pesquisadora, na época.
Em contato com a Reportagem, o maestro confirmou. "Ele foi o responsável por eu ser músico. Me aconselhou a voltar, estudar no conservatório e a fazer aula de natação no
Clube Saldanha para curar a asma". Miroel foi casado, por um tempo, com Míriam Mendes, irmã do maestro.
Foi graças a esse espírito de descobridor de talentos que Miroel sugeriu ainda que Cacilda Becker (1921-1969) trocasse a dança pelo teatro. Ele via na jovem, na casa dos 20 anos, um talento nato para a arte da
representação. Por sua indicação, ela foi morar na casa de uma amiga do santista para estudar no Teatro do Estudante, e dar o primeiro passo na profissão.
Miroel em encontro com o poeta santista Narciso de Andrade
Foto: Victor Soares/arquivo, publicada com a matéria
No cinema, Miroel também teve relevância. Entre roteiros e adaptações, o santista participou de Simão, O Caolho (1952), Mulher de Verdade (1954), Carnaval em Lá
Maior (1955), Quem Matou Anabela (1956), Doutora é Muito Viva (1957), Casei-Me com um Xavante (1957), A Moreninha (1970) e Trote de Sádicos (1974).
A autora lembra que outra importante passagem da vida de Miroel foi em 1985, onde revelou um grande engajamento em defesa da cultura e do teatro. Na época, Miroel resgatou um conjunto de peças arquivadas pelo Departamento de Diversões Públicas
do Estado de São Paulo, ligado à Secretaria de Segurança Pública.
Não fosse o santista, diz a acadêmica, teria sido destruído o acervo que compreende mais de 6 mil documentos que permitem identificar dados sobre autoria, tradução, requerentes, companhia teatral, locais e datas previstas para apresentação,
nomes dos censores, datas de pedidos da censura etc.
O material foi levado para a Escola de Comunicações e Artes (ECA). Por gesto tão nobre, mais tarde, a biblioteca onde guarda esse acervo recebeu o nome do patrono: Arquivo Miroel Silveira. "Sem dúvida, ele foi responsável por salvar um pedaço
importante da memória do teatro", ressalta a pesquisadora, uma das coordenadoras do arquivo.
Na carreira acadêmica, Miroel ingressou na Escola de Comunicação e Artes (ECA) da USP como professor de Teatro Brasileiro, em 1968. Foi o primeiro doutor em Artes no Brasil, com o trabalho A Contribuição Italiana para o Teatro Brasileiro,
orientado pelo professor Décio de Almeida Prado em 1973.
Em 1988, morreu de uma broncopneumonia seguida de uma parada cardíaca, aos 74 anos. Não deixou filhos.
Ele exerceu várias atividades, entre elas, roteirista de filmes como Simão, o Caolho
Foto: arquivo, publicada com a matéria
Resgate de peças arquivadas em departamento da Secretaria de Segurança
Além disso, foi responsável pelo resgate de mais de 6 mil documentos teatrais
Fotos: reprodução, publicadas com a matéria
Contribuição |
Sua paixão pela arte fez ainda com que transitasse por órgãos do Estado, sendo nomeado, em 1969, presidente da comissão que elaborou a Lei sobre o Patrimônio
Histórico do Estado, presidente da Associação Paulista de Críticos de Arte (1975/1976), presidente da Comissão Estadual de Circos da Secretaria de Cultura (1976/1979), promotor dos festivais Piolin de Artes Circenses (1977/1979) e fundador
da Escola Piolin de Artes Circenses da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo (1980) |
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Comissão da Secult elabora programação dos 100 anos
Organizada pela Secretaria de Cultura (Secult), a programação em homenagem ao centenário de nascimento de Miroel Silveira (1914-1988) está em fase inicial. Nesta semana, uma
portaria, publicada no Diário Oficial, determinou a criação de uma comissão que será responsável pelo planejamento das festividades.
Como será feito ainda não se sabe, mas é certo que haverá uma exposição no Museu de Imagem e Som (MISS) que terá recurso multimídia, painéis com recortes das críticas de peças, leitura de trechos de livros, exibição de filmes que ele foi
responsável pelos roteiros, rodas de partilha literária para falar sobre a carreira do santista.
"São pontos de partida que vamos pensar como serão formatados para apresentar ao público. Hoje (quinta-feira última) foi o primeiro encontro e ainda estamos recolhendo ideias. Temos uma empreitada pela frente que será buscar o material", disse
Nívio Mota, presidente da comissão.
Outras ações para reverenciar a memória do santista ocorrerão nos foyers dos teatros do Municipal, Coliseu e Guarany. Segundo o secretário de Cultura, Raul Christiano, a data ainda não está definida, mas a programação será durante uma semana.
Existe a intenção ainda de incluí-lo no calendário oficial da Secult. Outra ideia é criar O Prêmio Miroel para valorizar os textos e autores de teatro de Santos.
"Nossa cidade tem valores culturais que, às vezes, são mais reconhecidos fora do que na própria cidade. Quando você toma como ponto de partida a valorização destes grandes nomes da cultura que nunca esconderam a alegria de ter nascido aqui,
penso que é muito justa a ideia de se homenagear", diz o titular da pasta.
Segundo o chefe do Departamento de Pesquisa e Formação Cultural da Secult, Gustavo Klein, um dos integrantes da comissão, o nome do santista batizará também uma revista cultural que a pasta pretende lançar em 2015.
A ideia da homenagem foi sugerida pelo maestro Gilberto Mendes durante uma reunião na Secult para discutir outros assuntos relacionados a sua área de atuação.
O maestro ficou contente em saber que a sugestão vai virar realidade. "Ele é uma figura ímpar e, infelizmente, muito esquecida. Será bom para os santistas conhecerem um pouco mais sobre Miroel".
Memória do santista será reverenciada com ações em nossos teatros
Foto: arquivo, publicada com a matéria |