CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA -
P. MARCOS
Plínio Marcos (8)
Escritor "maldito", teatrólogo, Plínio
Marcos nasceu em Santos em 29/9/1935 e morreu na capital paulista em 19/11/1999, um ano depois de receber o título de Cidadão Emérito da Câmara
Municipal de Santos. Amigo de Patrícia Galvão, com quem trabalhou junto na peça Barrela, Plínio tem um
marco de homenagem no Centro de Cultura de Santos, que aliás recebeu o nome
daquela escritora e jornalista. Dez anos após seu falecimento, o semanário santista Jornal da Orla republicou em seu site na Internet as crônicas
de Plínio Marcos que haviam saído na edição impressa desse jornal na década de 1990:
Janela
Santista - Plínio Marcos
Encontraram "Dois Perdidos"
Fiquei a vida inteira
sem poder sair do Brasil. De repente, descobriram "Dois Perdidos Numa Noite Suja". E França, Portugal... Começaram a ler minha peça mexe e
vira. Vira e mexe vem alguém querendo ler ou montar "Dois Perdidos".
Aliás, segundo dados da década passada, é a terceira peça mais montada no Brasil: a primeira é "As Mãos de Eurídice", um monólogo do Pedro
Bloch que sempre deu muito dinheiro e foi o grande sucesso de Rodolfo Maier; a segunda, "Deus lhe Pague", do Juracy Camargo, eterno sucesso
com Procópio Ferreira e sua companhia.
As duas são bem antigas e já não têm sido montadas, salvo a segunda, agora, pelas comemorações em torno do grande Procópio. Além de ser bem mais
recente (da década de 60), "Dois Perdidos" ficou proibida pela censura por 20 anos. Considerando tudo isso, é bem provável que a posição de "Dois
Perdidos" no ranking seja ainda mais honrosa...
Não direi que minha peça é tão montada por ser ótima, longe de mim tal pretensão. O fato é que tem dois personagens apenas e isso ajuda, não fica
tão caro produzir. Por essas e outras, todo mundo quer montar "Dois Perdidos".
Agora mesmo está sendo organizado um evento pelo governo do Estado em que "Dois Perdidos" está dando o que falar. Trata-se do "Mapa
Cultural", uma invenção muito boa de Marcos Mendonça, o Secretário de Cultura, e seu braço direito, Antonio Carlos Sartini (que, como o
Covas e eu, também é santista); esse troço incrementa o teatro de todos os cantos do Estado e o pessoal das
cidades todas fica assanhado para participar.
Até aí, tudo bem. Só que todo mundo fica querendo montar "Dois Perdidos" sem pagar direitos autorais; me ligam insistindo, achando que fico
lisonjeado de ser escolhido. Não deixo, não deixo mesmo. Tive que ligar pra Secretaria de Cultura alertando que não aceitassem inscrições de grupos
que não tivessem autorização assinada por mim ou pelo Zé Renato, da SBAT (Sociedade Brasileira de Autores Teatrais). Tive que dar um breque nessa
folga teatral. Minhas peças são meu ganha-pão.
Ademais, quando a censura me proibiu de trabalhar, proibiu a montagem de qualquer uma das minhas 20 peças, eu fiquei no oraveja e ninguém me
socorreu. Claro que considerei que são coisas da vida e não fiquei choramingando; fui vender meus livros na rua. E agora as pessoas vêm
choramingando nas minhas orelhas, na base do somos amadores e tal e coisa, não vamos ter lucro, é só arte e coisas e loisas. Eu argumento que não
vou ficar andando a pé pra eles se bandearem de carro pra lá e pra cá, montando "Dois Perdidos" de graça. Pergunto se me emprestam o carro
deles por um tempo, já que eles me pedem a peça emprestada por um tempo...
Aí é que aquele papo furado:
"Ele não ama o teatro". Como se amar teatro fosse usurpar texto alheio para uma montagem amadora. Conversa! Eu nunca neguei minhas peças para
profissionais. Teve tempo em que havia cinco ou seis companhias fazendo o "Dois Perdidos" simultaneamente, cada uma num canto do Brasil.
No mundo inteiro é assim, o povo de teatro sempre se interessa pelos "Dois Perdidos", Agora mesmo, na França, houve uma disputa entre duas
traduções, a da Angela Leite Lopes e a do Jacques Tierryot, concorrendo a uma leitura dramática no Festival de Avignon. Já houve duas leituras da
tradução da Angela em Paris no ano passado, na Feira do Livro e no Festival da Copa do Teatro Gérard Philipe.
Agora, este mês, em Avignon, será lida a tradução do Tierryot. Fui convidado para ir assistir, como fui assistir às duas leituras no ano passado.
Mas então as passagens da Vera Artaxo, minha companheira, foram garantidas. E desta vez não. Portanto, não vou, não vamos. Sem ela, não vou mesmo,
já disse isso bem alto pra todo mundo ouvir. Não adianta me convidar. Quem convida um, tem que convidar o outro. A gente não vai ouvir, mas eles vão
ler "Dois Perdidos" lá, para os franceses e para gente de teatro do mundo todo que vai estar lá.
Não tem importância. Este ano iremos a Portugal. O ator Roberto Bomtempo vai estrear na direção de cinema numa co-produção de "Dois Perdidos".
O ator Alexandre Borges, filho do santista Tanah Corrêa, também quer o "Dois Perdidos" para Portugal, não sei bem se pra cinema ou teatro.
A atriz Joselita Alvarez, ex-mulher do Raul Somado, quer dirigir o "Dois Perdidos" em teatro lá. O ator Francisco Pellé, de Teresina, vai
fazer uma montagem de "Dois Perdidos" primeiro em Portugal, depois na África portuguesa. "Dois Perdidos" se espalha. Aí vamos, a Vera
e eu, correr mundo, caminhar, não importa pra onde, pois é preciso ir. |
Janela Santista - Plínio Marcos
Esses mestres do teatro
Quando se fala em teatro santista, fala-se de
Patrícia Galvão. Não se pode deixar de falar da Pagu, a grande Pagu, um anjo anarquista que veio ao mundo
para nos inquietar (que Deus seja louvado também por isso). Ela foi me buscar no Circo Pavilhão Liberdade, ali no Macuco (pra onde, depois de ter
mambembado muito pelo interior, voltei).
Uma noite, depois de uma função, fui avisado que uma senhora estava me procurando. Era a Pagu. Eu não a conhecia, más ela se explicou: um
ator da companhia dela tinha ficado doente, ou sei lá o quê, e ele precisava de um garoto para fazer um pequeno papel na peça, no dia seguinte, de
manhã. Queria saber se dava pra eu fazer. Só sendo mesmo de circo... tinha que dar. Era uma peça bonita, acho que a peça infantil mais bonita do
mundo, "Pluft, o Fantasminha", de Maria Clara Machado. Deu, e como deu!
Mas deixa isso de lado. O que quero contar e que pesa na balança é que fui conhecendo o pessoal do teatro amador de Santos. Meu Deus, que primeiro
time! Paulo Lara, Vasco Oscar Nunes, Júlio Bittencourt (o pai do Julinho músico), o pessoal do Clube de Arte, Oscar von Pfhull
e Gilberta von Pfhull, Nélia Silva.
Tanta gente que sabia tanto das coisas! Cacilda Becker, Cleide Yaconis, Miroel Silveira, Castor Fernandes, o poeta Narciso de
Andrade, Roldão Mendes Rosa, artistas plásticos do gabarito de Nelson de Andrade, Mário Gruber, Aluísio do Mosaico.
Tanta gente, como a atriz Terezinha de Almeida, Creusa Carvalho, os atores Sérgio Mamberti e Cláudio Mamberti, os cenógrafos Lúcio Menezes e Newton
Souza Telles.
E vieram outros, muitos outros. Gozado: uma geração ia embora e vinha outra do mesmo naipe. Depois dessa geração veio Pedrinho Bandeira, campeão de
literatura infanto-juvenil; José Carlos Melhém, o advogado amante das artes; Hercílio Tranjano, o publicitário filho de um grande médico. Aliás, o
pai do Hercílio não era só grande médico, era o dr. Aniz Tranjano, médico do Jabaquara; ele morreu em campo atendendo um craque do nosso Jabuca.
Vieram a Bete Mendes, também torcedora do Jabaquara e estrela de primeira grandeza da televisão e do teatro; Ney Latorraca, um astro; Nuno Leal
Maia, dublê de artista e jogador da Portuguesa Santista. Vieram Jandira Martini, Eliana Rocha, Neide Veneziano. Todos
fizeram carreira vitoriosa. Veio a geração do Carlos Pinto, um genial instigador cultural e teatral de Santos.
Vieram o Marcão Rodrigues, atualmente um dos melhores diretores de teatro do Brasil; a Carolina de Freitas; o Tanah Corrêa,
que acaba de assombrar os portugueses com um espetáculo que dirigiu lá, no Porto. Portugal descobriu o Tanah nas areias de São Vicente... Quer
dizer, ele foi procurado na praia por alguém que viu uma peça de muito sucesso na Baixada, dirigida por ele. Agora ele está convidado para coordenar
um projeto teatral na cidade lusa no ano 2000, quando vai dirigir um empreendimento para tornar Portugal e o Porto num marco cultural na Europa. Vai
lá, Tanah Corrêa!
E assim vai continuando a safra de artistas do celeiro santista, uma curriola enorme que cresce a cada ano. Vão aparecendo os cupinchas do Toninho
Dantas, figuras que instigam o teatro santista como fizeram Patrícia Galvão, Paulo Lara, Carlos Pinto. E já vão surgindo o Zeca do Marcão Rodrigues,
o Alexandre e o André do Tanah Corrêa... A turma de artistas que surge sempre na nossa Baixada Santista, graças a Deus, não acaba nunca. |
Janela Santista - Plínio Marcos
Gênio
Outro dia fui dar uma aula (no curso "A arte de
contar histórias") e me veio à lembrança o meu amigo Alberto D’Aversa, figura ímpar do teatro brasileiro. E bem verdade que ele era italiano.
Porém (e sempre tem um porém), mais que isso, era um cidadão do mundo.
Um gênio, um gozador, um anarquista pleno, um sujeito que não fazia cerimônia para esculhambar a burrice dos pretensos intelectuais. Aliás, gente
desse tipo é o que não faltava nos meios teatrais do Brasil. Mas o D’Aversa era um mestre. Respeitadíssimo por grandes artistas italianos com quem
havia estudado, como Marcelo Mastroiani e Vitório Gassman.
Muito informado, jamais levava besteira a sério. Por isso mesmo, tinha muitos inimigos, o que tornava difícil pra ele arrumar trabalho. Muita gente
ia na casa dele para consultá-lo, mas na hora de trabalhar... Era meu amigo, amigo de quem também não levava a sério os pretensiosos, amigo de gente
sem dinheiro, que não tinha oportunidade de trabalho para oferecer a ele.
Quem às vezes lhe dava trabalho era o magnífico ator Zelone, um incrível improvisador que não precisava de diretor, mas armava circunstâncias. Uma
vez ele me disse:
— Vou fazer uma peça com um casal bem simpático. Só que a cigana os enganou: falou que são atores e não são. Mas querem produzir uma peça comigo e
vou ganhar muito dinheiro. Daí, chamei o D’Aversa pra dirigir. Duvido que mesmo um gênio possa conseguir alguma coisa com a dupla, mas já falei com
o Alberto: não esquenta, cuida só para que os dois não dêem trombada em cena; ganha seu dinheiro e pronto.
E o Alberto D’Aversa ia levando. Um dia, pintou uma chance de dirigir um filme de um livro do grande Jorge Amado, Seara Vermelha. Foi um
sucesso. Sucesso artístico. No final, o galã cuspia na platéia. Outro mestre, Roberto Freire, o Bigode, escreveu na "Última Hora" que ali
começava o cinema novo no Brasil.
Naturalmente, todos os gênios das curriolas ignoraram. Sacanagem! Depois de um trabalho desses, o D’Aversa continuou sem trabalho, sempre duro.
Socorrido de vez em quando pelo amigo Zelone.
E foi essa generosa figura que levou o D’Aversa pra TV Record. E foi praquela gente que o D’Aversa contou uma história genial, a história da Família
Trapo. Todos gostaram. A emissora escalou um elenco de primeira:
Zelone, Ronald Golias, Jô Soares, Cidinha Campos. O D’Aversa convidou um grupo de amigos pra ver a estréia na casa dele; eu estava lá, claro. Cada
piada que saía no programa, ele exclamava:
— Essa história é minha! Eu que contei pra eles. Me deram uma grana à toa e nem puseram meu nome!
Assim foi até o fim do programa de estréia. Um estardalhaço de sucesso. E o D’Aversa dando estrilo:
— Sucesso, sucesso, mas e eu? Eu que dei a idéia. Cadê meu nome? Tou fora, já me tiraram fora. Me roubaram o programa.
Todos nós ficamos calados, tristes. Aí o genial D’Aversa saiu com essa:
— Que se danem esses faixas de culo de carabineiro.
Estranhamos. Tinham roubado uma idéia maravilhosa dele, que faria um sucesso estrondoso com toda a certeza e ele deixava andar?
—Eu também roubei essa história, roubei da Itália.
Esse era o Alberto D’Aversa. |
Janela Santista - Plínio Marcos
Gente Santista
Um dia, eu ia chegando à
Estação Rodoviária de Santos, rumo a São Paulo. Um rapaz bem jovem se aproximou de mim e me apontou um senhor.
- Aquela pessoa disse que se o senhor conhece mesmo futebol, vai reconhecê-lo.
Nem vacilei, claro que conhecia.
- É o Expedito, que foi beque esquerdo do Santos.
Ele chegou mais e começamos a conversar.
- Pombas! Você conhece mesmo futebol.
Conhecer futebol é um caso; ter boa memória é outro.
- Até o trio final eu lembro: Leonídio, Dinho e Expedito.
Ele ficou surpreso e confirmou. Eu dei graças pela minha memória.
- Lembro até quem era seu reserva na época: o Manecão.
Expedito confirmou de novo. E se tocou:
- Isso quer dizer que você era lá do Praticagem.
Pois é, ele também lembrava das coisas. Tinha muita gente do Praticagem no Santos. Tinha o grande Zeca Ferreira, um leão, uma parada indigesta.
Xerife pra qualquer parada. E tinha também o Fernando, Esse era de uma família de craques: Frederico, Ivan, Fabinho. Esses eram mais do Jabaquara. O
pai deles era ligado à praticagem. Moravam atrás da Escola de Pesca, bem no campo do Praticagem. Tempo bom...
boas lembranças. Mas queria saber do presente, do que estava acontecendo com o Expedito, por onde ele andava.
- Quando acabou meu futebol, tive que me virar, eu e o Nenê.
- O "half", do Santos?
- Esse mesmo. Ele era craque, mas o futebol daquele tempo não deixou a gente bem. Tivemos que ir pra luta. Eu ainda dei sorte. Sabia um pouco de
relógio e fui trabalhar ali na General Câmara.
- Com o Quim?
- Pois é. Ele me ajudou muito. Você o conheceu?
- Conheci. Gente boa. O Quim não ajudou só você, Expedito. Ele sempre foi um homem de imensa bondade; ajudou muita gente e ajuda até hoje. Ele
concordou. Gosto paca desses papos. O Expedito também.
- Eu e o Nené paramos à tarde num bar que tem lá na Avenida Afonso Pena.
- Lá perto de onde era o campo do Afonso Pena?
-Justamente. Nesse bar a gente troca umas idéias, lembra umas histórias. Deixa o tempo correr.Falando em
tempo correr, percebi que, envolvido na conversa, quase não tirei passagem. Ah... minha cabeça! Fiquei de aparecer. Mas não peguei o endereço, uma
lástima! Gosto mesmo desses leros. Até hoje lembro de uma vez que estava no Gigetto, o restaurante onde eu paro toda noite em São Paulo, quando
pintou na parada o genial meia-direita do Santos da velha guarda, o gordo Antoninho, junto com o artilheiro Odair Titica. Claro que sentei com eles,
ambos bons de prosa. O Antoninho estava com a corda toda.
- Jogar com os amigos é uma coisa. Jogar só com profissionais é outra. Olhaí o Odair. Chamaram ele pra ir pro Palmeiras. A gente disse: "Não vai,
Odair; fica aí, Titica. Lá tem muita cobra criada, não é a mesma coisa que aqui na Vila". Por causa de uma graninha a mais, ele foi. Não demorou
muito pra voltar correndo. Lá era outra turma. Diziam pra ele: "Não está ganhando muito? Então vai buscar a bola, seu Titica". Não era assim?
O Odair concordava e o Antoninho continuava.
- Aqui eu servia o Titica de bandeja. Botava na cara do gol. Era ou não era, Titica?
O Titica confirmava e o Antonínho seguia.
- Uma vez, a gente estava jogando contra o Comercial, o de São Paulo. Eles, nesse tempo, tinham um time encardido, com Lamparina, Aleixo, Manoelito
e não sei mais quem. O jogo estava 4 x 4. Eles faziam das tripas coração pra segurar o resultado. Empate pra eles, na Vila, seria vitória. Estava
quase no fim da partida. Me invoquei e resolvi partir pra cima. Peguei uma bola na intermediária deles. Driblei um, driblei outro. Aí eles vieram
com tudo, me pegando. Parei a bola, toquei pro Titica e corri pra frente, Fiquei de cara pra gol. Mas cadê a bola? Virei pro artilheiro e xinguei:
"E em mim! Joga em mim, seu desgraçado".
O Titica só resmungou: "Olha ela lá, Antoninho". Tinha sido gol! O goleiro deles vinha feito fera, berrando. Ele bateu de canela! Aí eu me manquei e
falei pra goleiro: "Pois é, garoto. De canela também vale". O goleiro deles e toda a defesa ficaram pasmos, olhando a gente comemorar mais um gol, o
da vitória.
Isso era o futebol daquele tempo. Só que não dava grana. |
Janela Santista - Plínio Marcos
Jabaquaradas
Jabaquarada era um termo que se usava pra arrepiar os
adversários. Se tinha um time que não vacilava era o Jabuca. E eu me lembro de muitas histórias de entortar o patuá do nosso querido Jabuca - como a
do Léo, a do Célio e uma do Papa, sempre com alguém saindo de maca ou ambulância.
JABAQUARADA I
A primeira dessas histórias se deu ali no campo da Portuguesa Santista num jogo contra o Corinthians. Muita gente com certeza se lembra do Luizinho,
um meia encardido, famoso driblador de dar nó até na sombra dos adversários. Baixinho folgado, gozava e ria com a cara dos rivais. Protegido do
Baltazar (ex-Jabuca, ex-Flor do Norte) e do Carbone (ex-Juventus), duas feras, era acostumado ao deboche.
Aí, já viu: naquele jogo o Luizinho começou a aprontar, e pra cima do Léo. Logo quem! O Léo do Anglo, lá do Matadouro, o Léo cobra-criada. O Léo deu
uma dura no Luizinho; jogou ele e a bola pra fora do campo. O jogador do Corinthíans caiu, levantou e pegou a bola certo de que ia bater lateral,
mas não teve espaço. O Léo abraçou o Luizinho contra o alambrado e deu várias peitadas no folgado; quando o Léo o largou, ele caiu no chão. O
Baltazar e o Carbone se aproximaram, em socorro do companheiro deles. Mas o Léo encarou; com ele, tinha pra qualquer um; Baltazar e Carbone
maneiraram. O Luizinho foi tirado do jogo de maca e não voltou mais. Deu 1 x 0 pro Jabuca.
JABAQUARADA II
Corinthians do Parque São Jorge contra o Jabaquara. O Almir Pernambuquinho, craque de seleção e metido a bravo, estava no time deles. Num lance meio
esquisito, ele encostou o pé no Célio, do Jabuca. Garoto valente ali do Marapé, o Célio não afinou, revidou na
hora. O Almir ficou louco de partir pra cima do Célio.
Ele saiu correndo, o outro correndo atrás. Aí é que não prestou pra craque do Corinthians. O Célio deu um pulo pra cima e mandou um pontapé na cara
do Almir. Mais um corinthiano que saiu de maca pra não voltar pro campo durante o jogo.
JABAQUARADA III
Noutra ocasião, houve um jogo de juvenis entre Jabaquara e Americana, numa parada sempre indigesta. Dessa vez
não foi diferente. Estavam jogando no campo do Americana (que ficava atrás do campo do Santos). O treinador deles, Diogo Rebolo, resmungava na beira
do campo enquanto o nosso, o Papa, xingava incentivando seus craques. Nisso, um gordão grande, torcedor do Americana, se aproximou do Papa e começou
a provocar o velho, dizendo desaforos; achincalhava e ameaçava bater no Papa.
O Papa olhou pra torcida do Jabuca e viu o Nego Orlando, que tinha dois metros de altura e era o valente entre os valentes. O Papa chegou no Nego
Orlando e, como quem não quer nada, perguntou se ele conhecia o gordão provocador. O Nego Orlando nunca tinha visto o sujeito.
"Pensei que conhecia", disse o Papa, "ele está dizendo que o teu sobrinho Ciciá é o maior gaveteíro que existe". Não prestou. O Nego Orlando não
quis saber de mais conversa. Pegou o gordo. Deu porrada pra valer. O sujeito não viu o jogo acabar, foi embora de ambulância. |
Janela
Santista - Plínio Marcos
Nem tudo o que parece é faquir
Sabe quem é Zé Ramos Tinhorão? Um santista que é, sem
nenhum favor, o maior historiador de música popular brasileira. E, vira e mexe, vai a Portugal. Vida de rico é assim mesmo. E o nosso historiador
merece. Mas, deixa isso de lado. O que quero contar e que pesa na balança é que numa dessas viagens ele viu - e se assombrou - com uma figura que se
exibia nas esquinas de Lisboa.
Era um homem pálido. Muito pálido. Vestido de terno preto, camisa branca e gravata preta. O traje deixava o figuraço ainda mais pálido. E ele ficava
imóvel. Incrivelmente imóvel. Não mexia um músculo do rosto. Não piscava. Ficava estático. Como uma estátua. Como um bicho empalhado. Só fazia isso.
O público, também imobilizado, ficava com os olhos fixos no homem de preto. Ficavam todos presos no artista, por muito tempo. Como se estivessem
magnetizados por aquele espantoso não fazer.
Aos poucos, quase imperceptivelmente, o figuraço, como se tocado levemente por uma brisa suave, começou a pender para um lado. Demorou um pouco para
um dos lusos que assistia notar o movimento e gritar afobado: - o gajo vai tombar no chão.
Toda a platéia, inclusive o Zé Ramos Tinhorão, prendeu a respiração. E o homem de preto inclinando, inclinando, inclinando...
Quando parecia que era impossível não cair ele começou devagar, bem devagarinho, a retroceder à posição inicial.
Aí uma bela moça entrou na fita, correndo uma sacola e recolhendo uns trocos. Nessa altura do campeonato, o Zé Ramos Tinhorão saiu de fininho. Por
essas e por outras economias é que ele ficou rico...
Na Europa inteira se confunde esse tipo de artista com faquir. Mas não tem nada a ver. E tipo de artista de mafuá,
de circo mambembe, de fim de feira. Tem artista desse naipe que se deixa enterrar com cobras por vários dias de jejum. Fica semanas deitado, só de
tanga, numa cama de prego, com aranhas e escorpiões passeando pelo corpo. Mas não é faquir. Pode ser grande ilusionista, mestre prestidigitador,
mesmerisador, hipnotizador capaz de provocar visões coletivas, mas não é faquir. O que é? Artista. Enganador. Charlatão. Sei lá... Mas não é faquir.
O europeu confunde muito o feiticeiro ropiador, o dervixe e o iogue com o faquir. Nada a ver. Esses jamais seriam autoflageladores. Esses podem ser
santos, cura- dores, mas nunca se autopuniram como faz um faquir.
Tivemos aqui no Brasil um falso faquir famoso, o Silke. Cheguei a conhecê-lo pessoalmente no bar dos artistas de circo ali no largo do Paissandu.
Ninguém botava fé nele. Diziam que suas temporadas de jejum eram fajutas. De noite, afirmavam, ele comia escondido, Ele sofria muito com essas
acusações. Mas o campeão do mundo dos faquires, o Silke, morreu de repente. Ninguém ligou. Ainda por cima, tiraram um sarro nele. Espalharam que
morreu de fome. E tem mais: se passar fome fosse arte, o Brasil seria campeão do mundo no assunto...
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Janela Santista - Plínio Marcos
Nini da Liberdade, o folião que não desfilou
Sebastião Gonçalves Polidor. Eis o nome verdadeiro do
Nini da Liberdade. O apelido é devido a vários fatos: morar no bairro da Liberdade, jogar água fora da bacia e espalhar que mulher dá câncer. Até
aí, nada de mais. Nos tempos que correm, são muitas as figuras que viraram a mão e bordejam pelos estranhos, esquisitos e escamosos caminhos do
roçado do bom Deus. Ninguém mais se espanta com isso.
Porém (e sempre tem um porém), o caso do Nini da Liberdade era de chamar a atenção. O bruto era tão dodói da cuca que acreditava, com uma
sinceridade de beato de procissão, que ia acabar virando mulher. Por ter essa idéia de jerico na cuca, já treinando, com todas as torças da sua
alma, desmunhecava às baldas. No entanto, apesar de todos os seus trejeitos afetados, não conseguia ficar feminino. Não passava de uma criatura
grotesca do ser humano.
E como esparro era tratado por todos. As curriolas que se formam nas esquinas viviam curtindo a fuça dele. Era só ele piar na parada pra ter enxame.
O esculacho era pra valer. Acontece que ele parecia gostar de ser o esparro da turma. Todas as tardinhas, quando ele voltava do trampo numa
tinturaria de japonês, onde exercia o ofício de passador de roupa, o Nini vinha fazendo marola. Parava nos botecos e fazia a alegria do circo. Os
otários maltratavam o Nini. E ele só ali, dando corda.
Nos últimos tempos, quando o bicharoco surgia, o assunto era um só: Carnaval.
- Como é que tu vai sair, Nini?
- De Carmem Miranda.
- Vai caprichar?
- Claro, bofe! Eu vou sair pra abafar. Eu li numa revista aí que a Marília Pera também vai sair de Carmem. Eu, hein! Vou fechar! Não quero mais ser
a Nini da Liberdade se a minha fantasia não ficar mais bonita que a dela.
- E grana, onde tu vai arranjar?
- Onde? No batente. Trabalho dia e noite. Estou economizando até um centavo. Tudo pra fantasia.
Era verdade. Nem comer o Nini comia. Todo o dinheiro que ganhava enrustia pra comprar pano - cetim lamê, naturalmente -, e demais badulaques da
fantasia.
Em dezembro, então, o Nini da Liberdade se abilolou de vez com o negócio de Carmem Miranda. Passava a noite toda no seu quartinho de pensão,
costurando, bordando e pregando Lantejoula. Só às sextas-feiras mudava um pouco o ritmo. Quando saía da tinturaria, dava uma banda pelos botecos e
dizia:
- Quando eu aparecer com minha Carmem Miranda, todo mundo vai ficar encabulado. Está ficando urna beleza. Só de balangandãs já gastei cem contos.
Ai, não vejo a hora de chegar o Carnaval! Vou fechar! Muito bofe que sempre me esnoba vai querer entrar na minha. Mas eu já jurei: vou brincar
sozinha.
- Tu vai ao baile dos enxutos? - a turma esticava o papo.
- Eu, hein! De bofe basta eu - o Nini encrespava. - Vou me badalar pela rua.
De repente, no meio da conversa, o Nini da Liberdade pedia licença e se mandava. Nunca dizia onde ia. Mas a patota sabia que a bicharoca há muito
tempo andava freqüentando um terreiro lá pelos lados do Aeroporto, onde um babalaô fajuto lhe havia prometido fazer um serviço pra ele virar mulher.
E era só nesse dia que o Nini não se trancava em casa pra costurar, bordar e pregar lantejoula...
Quando fevereiro chegou, o Nini da Liberdade voltou a aparecer com freqüência nos botecos. A moçada quis saber:
- E a fantasia, Nini?
- Está prontinha.
- Ficou legal?
- Tá uma graça.
- Deixa a gente ver.
- Só no Carnaval.
- Queéque há? Tá com medo que a gente ache feia?
- Eu, hein!
- Então mostra.
- Já disse: só no Carnaval.
- Vai ver, está um lixo.
- No Carnaval vocês vão ver...
- Mostra hoje.
- Quero fazer surpresa.
- Mostra só pra nós.
Ele não queria mostrar, mas não resistiu ao aperto da patota. Aliás, no íntimo, estava doido pra exibir sua fantasia. Assim sendo, levou a curriola
pra pensão.
Realmente, quem botou as butucas na Carmem Miranda do Nini da Liberdade confirmou que era um luxo. Todos reconheceram. Elogiaram. O Nini se
empolgou. Resolveu vestir a fantasia pros pintas verem como ele ficava dentro dela.
Aí se deu o esquinapo. Um gaiato, de safadeza, assim que flagrou o Nini da Liberdade todo arrumadinho, criou um perereco. Puxou uma ponta da
fantasia e inventou defeito:
- Deixa eu arrumar isso aqui, que tá ruim.
- O que tá ruim, gente? - resmungou Nini encabulado, olhando no espelho.
- Essa ponta - encaveirou outro pinta, puxando a ponta do lado oposto.
Pro Nini, aquela curriola descobrir defeito era de lascar. Nem desconfiou da treta. Tentou ajeitar melhor a fantasia. Desesperou-se. A moçada
encarnou. Foi um tal de puxar ponta... Avacalharam tudo. Acabaram rasgando a Carmen Miranda do Nini da Liberdade. Foi um tremendo chaveco. Quando o
Nini se tocou, era tarde. Esperneou. Estrilou, xingou, mas foi até pior. A moçada, a fim de bagunçar a bicharoca, não deu estia. Só depois de muito
esculacho deram pinote pra cascatear no botequim. Deixaram o coitado em prantos, abraçado a um monte de trapos.
O Carnaval chegou. A patota nem se lembrou do Nini da Liberdade. Só na quarta-feira de cinzas receberam a notícia, pálidos de espanto: a infeliz
criatura havia sido encontrada morta, com uma gilete na mão. Tinha cortado os pulsos. |
Janela Santista - Plínio Marcos
O fim de um cagüete
Bateu sujeira na sombra de Alvinho e toda a cana saiu
na sua captura. Sem outro jeito, de teve que se arrancar do seu pedaço. Foi se mocozar nas encolhas de um parceiro de fé, o Vado, ponta-firme. E era
daí que, de noite, se mandava pra estarrar os loques e defender seu lado, porque a situação estava encardida e não dava pé deixar tudo por conta do
companheirinho.
Com essas e outras, podia levar a barca até pegar estia e a sua barra ficar mais leve. Acontece, porém, que o cupim andava roendo o peito e a caixa
de catarro, falhando. Vontade de tuberculoso é broca. E o Alvinho queria. Como queria! Dia e noite, só tinha vontade da Madalena, uma cabrocha de
alta linha, que não deu pra ele carregar na hora do pinote. No que fez mal. Ela, longe, era carga mais pesada. Durante as horas em que ficava
enfurnado, sem poder botar a fuça na rua, só pensava nela. Por mais que se esforçasse, não tirava a mina da cuca. Era uma zorra. Um troço de
abilolar.
Numa noite, depois de arroxar uma farmácia, de onde, além da grana, afanou umas bolinhas, se chapou e não se agüentou. Anunciou pro Vado:
— Meu bom, num podendo comigo. Vou ver a Madalena.
O cupincha. que estava por dentro das quizilas, se espantou e quis cortar a onda:
— Guenta aí! Tu vai dar sopa pro azar por quê? Os homens sabem da tua gamação na Madalena. Eles tão só aí na campana. De botucas ligadas no barraco
dela. Se tu pia lá, eles te ganham fácil.
Pro Alvinho, aquele papo era do cacete. Sabia que tudo que o Vado falou era positivo. Mas, estava encabreirado. Ardido por dentro. Andou de bobeira
de um canto pra outro do mocó. Botou tudo na balança. Ficar enrustido ali era o mesmo que estar na cela. E a Madalena era sua gama de pedra. Valia o
risco. Cismou e selou:
— Vou, sim.
Afirmou com a força de quem sabe querer. O parceiro sentiu o lance. Só chiou por Chiar:
— Se tu quer mulher, eu dou uma banda por aí e trago duas pistoleiras pra gente. Não precisa tu ficar dando carga à toa.
Esse pla até atucanou o vagau, que estrilou:
— Que mulher. poxa? Eu só quero é a Madalena! E tchau mesmo.
Botou o pé no rnundaréu e deixou o Vado falando sozinho. Atracou na Favela do Buraco da Lacraia de madrugada. Estava tudo em silêncio. O Alvinho
espiou os caminhos e se tocou que estavam todos livres. Nem um tira, nem um cachorrinho estava de plantão. Avançou se esgueirando entre os barracos.
Não leve escama. Chegou fácil à moradia da Madalena. Bateu de leve, que não estava a fim de escarcéu. Nesse momento, um vulto apareceu no fundo do
beco. O Alvinho se ouriçou. Mediu a distância e viu que, se a figura fosse da lei, não tinha escapatória. Não dava pra correr. O jeito era encarar.
Levou a mão na arma. Mas, teve um breque. O vulto que vinha se aproximando manjou o movimento e o reconheceu. Maneirou:
— Que é que há, Alvinho? Vai me estranhar?
O alô relaxou o salseiro. Pro Alvinho, foi o alívio. Neste instante, a Madalena abriu a janela, se assustou de ver ele ali. Fez dengo antes de abrir
a porta. E o Alvinho não quis saber direito quem tinha cruzado com ele. Se era chapa ao ponto de reconhecê-lo no escuro, estava legal. O resto era
só com a Madalena. E não deu outra coisa. Matou a saudade.
Os primeiros raios de sol iluminavam a favela, quando a gronga se deu. No meio do seu sono satisfeito, o Alvinho foi despertado por um berro:
— É cana, Alvinho! Tu tá cercado. Se sair legal, ninguém vai te esculachar. Se aprontar, a gente te dança. Tu tem um tempo pra escolher.
Foi broca. A Madalena se botou a rezar. O Alvinho estava feliz. Todo satisfeito, Depois de tanto amor, não queria guerra. Queria paz pra poder ter
sempre a sua Madalena. E estava disposto a pagar por tudo. Virou pra mina e pediu:
— Tu vai me ver? Tu me espera?
Ela olhou nos olhos dele e estava jurado. Não precisa palavra entre os amantes que se amam. E então o Alvinho iniciou o trato:
— Quem tá aí no mando?
Um tira jovem, meio afobado, doido pra mostrar valentia, era o mais próximo e foi quem engrenou o papo:
— E o Doutor Diogo.
O Doutor Diogo era manjado pelos bandidos. Não era bronqueado. Só cumpria seu papel. Não dava pancada à toa, nem desmoralizava valente nenhum.
Prendia do jeito que desse. Quem se rendia pra ele, não penava. Aquilo era bom pro Alvinho Ele avisou:
— Tá legal! Vou sair.
Porém, aí, uma idéia de jerico lhe bateu na cachola. Jogou verde:
— Vou sair manso. Só que tem um negócio. Quero saber quem me dedou.
Deu certo. O tira jovem deu mancada.
Sem pensar, deu a ficha.
— Foi o Tisiu.
Como resposta, o Alvinho jogou a arma pela janela. Ainda escutou o Doutor Diogo bronquear:
—Tá falando muito. Quem te mandou cantar a bola?
Mas, isso não interessava pro Alvinho. Ele beijou a Madalena. E, já saindo disse:
— O Tisiu é que me viu entrar aqui. Deixa ele.
Sem mais assunto, o Alvinho se largou na mão dos tiras. Eles, sem perder tempo, meteram as argolas no bandido e o levaram pelos becos da favela,
rumo ao carro que estava parado em frente a uma padaria. E na porta da padaria, assim como quem não quer nada, o Tisiu sapeava o lance. O Alvinho
tirou ele na pinta. O crioulo desviou o olhar. Mas, teve que escutar uma promessa:
— Tá legal, Tisiu. Tá legal. Agora, tu se lembra que tem sempre um dia atrás do outro.
Nas quebradas do mundaréu, até as pedras se encontram. E quem não tem roda larga, acaba sempre comendo capim pela raiz. Um dia, o Tisiu se estrepou.
Estava devendo pros homens e entrou em pua. Fez urna mixórdia. Chorou, implorou, pediu pelo amor de Deus pra não meterem ele no mesmo pavilhão que o
Alvinho. Conseguiu. Mas, logo o outro soube da entrada do cagüete e daí pra frente perdeu o sossego. Passava o tempo todo tramando um jeito de
apanhar o Tisiu. Até que veio a vez.
Os bonzões do presídio armaram uma treta cavernosa. Rebuliço geral pra, no meio da confusa, ganharem fuga. O Alvinho topou de primeira. E a catimba
se deu. Rolo grosso. A curriola toda querendo ganhar a rua. Só o Alvinho não queria se mandar. Seu acerto era com o Tisiu. Foi pra decisão. Varou
grade, parede, bala e tal e coisa. Passou pro pavilhão em que estava o cagüete. Deu congesta no carcereiro, pegou as chaves e invadiu a cela do
Tisiu. Se plantou na frente do rato e puxou urna navalha. O crioulo se jogou de joelhos e implorou:
— Tem pena de mim. Alvinho. Eu não te sacaneei por gosto. Os homens me apertaram. Te juro por essa luz que me ilumina.
Foi a última vez que o Tisiu falou na desgraçada da vida. Hoje, quem for à Favela do Buraco da Lacraia e passar perto das malocas vai ver, parado na
porta de uma padaria, esmolando, a triste figura de um crioulo sem língua.
* Texto originalmente publicado na edição de 24/10/1999. |
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