Mário Covas: liderança nacional
Foto: jornal Mural, outubro de 1978
Um passado de força perdido no tempo
Sérgio Moita
A proximidade das eleições parlamentares de 15 de
novembro, quando será renovada a composição das Assembléias Legislativas, da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, presta-se a uma série de
reflexões, especialmente em decorrência do momento político que atravessamos - de aparente transição entre o marcante autoritarismo revolucionário
emanado dos governos que antecederam o general Ernesto Geisel e a abertura democrática que a sociedade brasileira vem exigindo, cada vez mais
decididamente.
Nesse clima, um aspecto que certamente não deixará de sofrer criteriosa análise é a
posição da Baixada Santista - de Santos, em particular - no cenário político do Estado e da Nação.
Examinado hoje, esse posicionamento sem dúvida pouco ou nada refletirá, não apenas
pela diminuta representação parlamentar da região - um deputado federal e dois estaduais - mais, sobretudo, pela inexistência da capacidade política
influenciadora de decisões a nível estadual e federal. Em outras palavras, ausência de lideranças significativas. Não é segredo que os homens
públicos da Baixada, mesmo os santistas da velha escola, como Athié Jorge Coury e Sílvio Fernandes Lopes, não chegam a influenciar os centros de
decisão, apesar de Athié Coury exercer, com admirável desenvoltura, as funções de uma espécie de "embaixador santista" em Brasília.
Analisada, entretanto, a história da política da Baixada, verifica-se que o presente
está distanciado do passado na proporção exata em que a Revolução de Março de 1964, para se solidificar no poder, teve de restringir os dois setores
que representavam os principais pólos irradiadores de força influenciadora, sobretudo de Santos: a política e o sindicalismo.
Passado de força - Até 1964 e, em menor escala, até 1968, Santos inegavelmente
possuía extraordinária influência política e sindical no Estado. Basta recordar como exemplos, no terreno político, a liderança nacional da
Oposição, exercida de forma irretocável pelo deputado Mário Covas Júnior; a indicação do então deputado Sílvio Fernandes Lopes para uma secretaria
no governo do Estado e sua cogitação para a chefia do Executivo estadual; a influência, em Brasília e no Estado, ainda que em épocas distintas, de
Gastone Righi, Lincoln e Antônio Feliciano (particularmente o último); e a sólida e sempre cortejada representação na Assembléia Legislativa - fatos
que fizeram Santos e a Baixada serem considerados redutos de políticos habilidosos e de inquestionável capacidade.
Na área sindical, é de saudosa memória a ascendência que principalmente os portuários
exerciam sobre as demais categorias, a despeito de, em algumas oportunidades, as movimentações que tanta sensação causavam não terem sido motivadas
por objetivos meramente trabalhistas. Eram nessas áreas, igualmente, que partiam algumas das mais ousadas reivindicações costumeiramente
acompanhadas por um diálogo de igualdade entre trabalhadores e autoridades.
Essas conjugações de fatores - política e sindicalismo fortes e marcadamente
influentes - foi o argumento decisivo para que, deflagrado o Movimento de Março de 1964, as atenções da cúpula revolucionária fossem imediatamente
atraídas para a região, mais especificamente para Santos, chamada, então, de "a Moscou Brasileira" - qualificação depreciativa cuja origem foi a
eleição, para a Câmara Municipal, em 1947, de uma bancada majoritária do Partido Comunista - a primeira de que se tem notícia no Estado (os
comunistas, no entanto, não chegaram a tomar posse: seus mandatos foram cassados, assumindo os suplentes, com maioria do PSP).
As cassações - O processo de esvaziamento da força política da Baixada teve
início com a cassação das principais lideranças. Um a um, foram retirados da vida pública Mário Covas Júnior, Oswaldo Martins, Gastone Righi;
enquanto na área sindical começaram as intervenções oficiais e o controle rígido de atividades por parte do setor militar.
Na mesma época, coroando esse processo de enfraquecimento político, foi desfechado
aquele que pretendia ser o golpe de misericórdia: a cassação do prefeito eleito Esmeraldo Tarquínio e a decretação de Santos como área de interesse
para a segurança nacional, o que redundou na nomeação, inicialmente, de um comandante da Marinha e, logo a seguir, de um general-de-exército, da
reserva, para chefiar o Executivo santista. A Baixada e Santos entraram, então, em caudaloso recesso, só rompido em 1974 com a eleição de dois
deputados federais e três estaduais, todos da Oposição, que ganhou, com isso, novo alento.
Em 1976, em decorrência de denúncias sobre tortura em órgãos do II Exército, eram
cassados Nélson Fabiano, deputado estadual, e Marcelo Gato, deputado federal, as duas primeiras lideranças em potencial surgidas após 1968 (Gato,
inclusive, reunindo a força política com a força sindical, originário que era do Sindicato dos Metalúrgicos). Contida essa tentativa de recuperação,
a Baixada retornou à calmaria forçada a que a Revolução de 1964 a havia submetido oito anos antes.
Agora, passados dois anos, parece, entretanto, que a região está disposta a tentar
mais uma vez recuperar o antigo prestígio: nada menos que 16 candidatos a deputado estadual e seis a federal disputam o pleito do dia 15. É evidente
que boa parcela não possui chances sequer razoáveis de alcançar a Assembléia Legislativa ou a Câmara Federal, mas é bastante provável que as
representações da Baixada Santista nessas duas Casas sejam consideravelmente ampliadas a partir do ano que vem, tanto numérica quanto
qualitativamente. Sem o AI-5 (N.E.: Ato Institucional nº 5) e em pleno processo de
retomada do Estado de Direito, é possível, então, que a Baixada volte a falar e, o que seria mais desejável, a ser igualmente ouvida.
Capa do encarte especial do jornal santista Mural, de outubro de 1978, sobre as
eleições
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