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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - O "Vulcão" - BIBLIOTECA NM
Martins Fontes (13-II-01)

Clique na imagem para voltar ao índice da obraO livro Martins Fontes, do escritor e historiador Jaime Franco, foi publicado em agosto de 1942, tendo sido composto e impresso nas oficinas da Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais Ltda., da capital paulista, com capa produzida por Guilherme Salgado.

 

A obra faz parte do acervo de Rafael Moraes transferido à Secretaria Municipal de Cultura de Santos e cedida a Novo Milênio em fevereiro de 2014, pelo secretário Raul Christiano, para digitação/digitalização (ortografia atualizada nesta transcrição - páginas 125 a 132):

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Martins Fontes

Cavaleiro do Amor

Cavaleiro da Arte

Cavaleiro do Ideal

Jaime Franco - SANTOS - 1942

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II – CAVALEIRO DA ARTE

1

Clássicos, românticos, parnasianos, todos somos feitos da mesma argila, em todos palpita o mesmo sonho inatingível de finalidade… A arte não deve ser considerada uma caprichosa e passageira moda. Ela tem as suas leis fundamentais porque é função da inteligência criadora, e, portanto, está subordinada às próprias leis da natureza. É ela a principal coordenadora do tumulto interior, e renovadora permanente dessa misteriosa harmonia que há nos seres e nas coisas… Acima das nomenclaturas transitórias pairam as sempiternas ideias de perfeição e felicidade que dirigem os homens sobre a Terra.

Ronald de Carvalho

Olavo Bilac queria que a estrofe límpida, como trabalhada por ourives, saísse sem defeito da oficina, disfarçando-se na forma o emprego do esforço e o suplício do mestre, e confessou que passava horas sem conto, como um beneditino no aconchego do claustro, em silêncio, o olhar atencioso, paciente e em calma, longe do mundo, solitário, a forjar pensamentos, a engastá-los na frase torcida, aprimorada, alteada, limada, para servir a Arte imortal e a língua portuguesa.

O príncipe dos poetas brasileiros resumia, com estas palavras, toda a técnica da sua arte, criada e elaborada de acordo comas normas da escola parnasiana, importada de França, com o positivismo, para renovar a mentalidade do Brasil. Até o aparecimento de Olavo Bilac e Machado de Assis, a literatura no Brasil seguia, fielmente, os modelos quinhentistas, gongóricos, arcádicos e românticos de Portugal, mantendo-se em estático e estéril misticismo, sob a vigilância do Santo Ofício da Inquisição.

Na época da formação, partindo do descobrimento do Brasil por Pedro Álvares Cabral no ano de 1500, o período embrionário compreendia a vaga manifestação de entusiasmo pela nossa terra com a carta de Pero Vaz de Caminha, com a correspondência, forais, regimentos, doações, alvarás, cartas de sesmarias e roteiros dos descobrimentos lusitanos e relatos dos soldados mercenários de outros países.

Portugal, nessa época, vivia sob o esplendor da idade de ouro da literatura, na sua magnificente renascença literária e artística, e repartia pelo mundo o seu heroísmo e a sua cultura. Coube-nos parte dela. O contato dos portugueses, nossos descobridores, iniciou, neste canto do globo terráqueo, o embrionarismo cultural com a admiração e o comentário dos seus homens letrados. Surgiu das referências à terra e ao povo que encontraram pela primeira vez numa viagem intencional.

O período de elaboração se manifestou pela ação dos jesuítas Manuel da Nóbrega e José de Anchieta, com a missão da catequese dos indígenas, ministrando-lhes religião católica e o culto das letras rudimentares. Anchieta, sem influência das belezas naturais do Brasil, escreveu os seus poemas em louvor à Virgem, na linguagem tupi-guarani, quando se encontrava em Itanhaém, de passagem.

Estes missionários e os cronistas que vieram com as primeiras autoridades portuguesas, Pêro Magalhães Gandavo, Gabriel Soares de Sousa, Fernão Cardim, Pêro Lopes de Sousa, escreveram livros de cultura religiosa e histórica para os discípulos, nos conventos e seminários, e relatórios dos fatos mais importantes da Colônia.

Os missionários cuidavam mais das almas que dos cérebros. As escolas eram viveiros de inúteis seminaristas, quando precisavam mais de lavradores, e com elas somente souberam aumentar o rebanho de catequizadores.

Assim, entraram no século XVII, com o vagido inicial de literatura no poema quinhentista a Prosopopeia, de Bento Teixeira Pinto, cuja medíocre produção reflete o ensino jesuítico e a imitação servil e tosca dos poetas lusos que, em Portugal, criaram, naquela época, uma literatura pujante e clássica.

Nem mesmo podemos atribuir o valor da escola pernambucana ao poema de Bento Teixeira Pinto, que não procurou, no ambiente nacional, a ação do ciclo da cana de açúcar quando se iniciou no Brasil a escravidão do trabalhador negro da África, em dramas compungentíssimos, de que o autor da Prosopopeia sentisse nojo ou vergonha em versejar, mas de que se aproveitaram os escritores do século XX, para estudar as causas da tristeza e dos infortúnios dos nordestinos.

Depois deste prenúncio da cultura literária de Bento Teixeira Pinto, em Pernambuco, vamos encontrar nos primórdios do século XVIII a inicial manifestação do espírito nacionalista, no nativismo poético de Gregório de Matos, na Bahia. A nossa formação teve sua base na escola baiana, como remígio de diferenciação cultural que decorreu entre os anos de 1500 e 1750.

Colonizou-se a terra brasílica. Três povos distintos se caldearam, formaram novo produto racial, em constante assimilação de todas as energias vindas, da Europa, da África e da Ásia. Os jesuítas alargaram o âmbito da sua ação civilizadora, substituindo o fanatismo fetichistas pelo fanatismo católico,no espírito do selvagem indomável e conservador por instinto, ganhando a sua simpatia com a proteção desinteressada, contra as investidas dos escravagistas europeus. Era bem melhor a escravatura das almas! E nisso foram ativos e inteligentes.

Mas os portugueses não desanimaram e trouxeram da África o braço escravizado do negro para a lavoura da terra americana.

Era a obra do colonizador em luta com a do civilizador, mas ambos formaram a nova nacionalidade, dando-lhe a terra cultivada e administrada. No entanto, a obra dos jesuítas foi em parte contraproducente. Eles entravaram a mentalidade dos brasileiros, que não podiam sair do território, estagnando-se durante duzentos e cinquenta anos com o ensino religioso retrógrado e estéril.

As produções literárias obtinham publicidade quando a censura conventual decretava sobre os selos episcopais o Imprimatur. Era defeso aos escritores e poetas explorar os fatos gloriosos das Bandeiras, que começaram no século XVII a penetração do sertão brasileiro, para além da Linha de Tordesilhas, em busca de ouro e de índios.

Os brasileiros só começaram a produzir livremente quando foram se educar nas universidades europeias, de onde traziam o cérebro cheio de ideias renovadoras e revolucionárias. O academicismo se transplantou do Sul da Europa para o Brasil, muito a contragosto dos jesuítas. O nacionalismo criava raízes com o desenvolvimento da cultura literária e científica. Tanto assim que, de 1750 a 1830, no pequeno espaço de oitenta anos, a literatura brasileira adquire sólidos alicerces, corroborados pelo espírito nacionalista que sofreu a influência das teorias e dos princípios divulgados por Montesquieu, Rousseau, Voltaire.

Os brasileiros que voltavam da Europa ao Brasil, sobraçando o canudo de pergaminho doutoral, revoltaram-se contra os governantes portugueses e contra os educadores jesuítas que escravizaram, durante trezentos anos, as três raças formadoras do tipo étnico que hoje constitui o povo brasileiro, simbolizado pelo sertanejo, caiçara, gaúcho, caipira e nordestino.

Entrávamos numa época de transformação na literatura com a infiltração de ideias novas. Os literatos se agremiavam em academias de letras que, naquela época, floresciam em Portugal, na Espanha, na Itália e na França,onde se desenvolveu o seiscentismo extravagante.

Antes desta época, apesar dos fracos relampejos da escola pernambucana e baiana, com Bento Teixeira Pinto e Gregório de Matos, como chefes, e que eram vigiados e perseguidos pelos jesuítas, não houve propriamente literatura com caráter nacional.

O academicismo progrediu na Bahia. Esta cidade tirou a hegemonia literária a Pernambuco, após as invasões holandesas ao Norte do Brasil. A escola baiana era um reflexo do culteranismo luso, do gongorismo castelhano, do marinismo italiano e do preciosismo francês, a cuja influência não escapou a própria igreja católica.

Processou-se, na sintomática evolução literária, a transição para o arcadismo, com a escola mineira, a mais característica da nossa literatura pelo cunho de liberalismo e nacionalismo que a empolgou no período histórico da Inconfidência. Os intelectuais, quase todos filhos de aristocratas e capitalistas, iam se educar na Europa, agitada nesse tempo pelas revoluções sociais; bebiam as suas ideias nos enciclopedistas franceses; e estavam seduzidos pela vitória da independência norte-americana.

A poesia era o gênero literário predominante. Subdividiam-se os poetas em épicos, líricos e satíricos. Os poetas inconfidentes tomaram parte ativa na conjuração, a pugnar pela autonomia da colônia, implantando, entre nós, o regime republicano.

Os jesuítas viam, neste caminhar, fugir do seu domínio espiritual tantas alminhas, a se transviarem do caminho do céu para as penas do inferno!

Mas o feitiço virou-se contra o feiticeiro. Mataram-lhes as ilusões. O próprio clero, como recurso extremo de sobrevivência, deixou-se subjugar pelos novos ideais de liberalismo, dentro dos quais o literato expandia o gênio criador e construía com segurança.

E surgiram os nomes dos primeiros intelectuais consagrados – Santa Rita Durão, Cláudio Manuel da Costa, Basílio da Gama, Alvarenga Peixoto, Tomás Gonzaga, Silva Alvarenga, Domingos Vidal Barbosa e outros.

O século XVIII, no Brasil, se manifestou pelo nacionalismo libertário daqueles intelectuais de Minas, onde a cultura e a riqueza de patriarcais e solarengas famílias contribuíam bastante para este surto de liberdade e independência.

Desenvolveu-se a cultura científica com o estudo da terra brasileira por notabilidades estrangeiras e nacionais, enquanto a intelectualidade – poetas, historiadores, jornalistas, publicistas e oradores – fomentava a independência política nos seus escritos e palavras, desfechando-a no ato revolucionário da Inconfidência Mineira que fracassou, resultando nos enforcamentos e exílios, pronunciados e executados pela Justiça governamental, mas permanecendo livre a semente das ideias, para vingar, no futuro, a morte dos conspiradores, e que brotou na emancipação do Brasil em 822, desligando-nos da Metrópole Portuguesa.

Dentre esta floração de poetas arcádicos, não surgiu nem um que se comovesse com as tragédias das minas de ouro, e no-las cantasse em poemas, descrevendo a vida dos miseráveis mineiros na extração dos minérios preciosos que aumentavam a fortuna nababesca das famílias burguesas de Minas Gerais, às quais todos os poetas e historiadores pertenciam.

Os brasileiros deixavam fugir das mãos os preciosos elementos de inspiração, com os assuntos que proporcionavam os engenhos de açúcar em Pernambuco, os bandeirantes nas aventuras de penetração pelos sertões baianos e paulistas, e as minas de ouro, pelas horrorosas lutas de conquista.

Apesar da proclamação da independência política, os nossos poetas - Sousa Caldas, José Bonifácio de Andrada e Silva, Odorico Mendes, Maciel Monteiro, os historiadores frei Francisco Mont'Alverne, José da Silva Lisboa, os jornalistas Hipólito José da Costa, Evaristo da Veiga, Bernardo Pereira de Vasconcellos -, mantinham-se dentro do classicismo, com indiferença pela transição do nosso fundamento econômico, de aurífero ao agrícola, do ouro para o café, que deram autonomia ao Império.

Da Europa, chegavam rumores esparsos da formidanda batalha entre românticos e clássicos, com o estridor do desmoronamento das formas rígidas, dos princípios invariáveis, das regras inflexíveis. Vitor Hugo conduzia, na qualidade de general do exército libertador, os soldados do romantismo, e proclamou a vitória desfraldando a bandeira vermelha sobre os escombros do velho misticismo literário. Os ventos literários sopraram pelo mundo o advento da nova era. Os costumes da sociedade humana reformaram-se. As nações modificaram seus regimes políticos, alteraram as suas constituições, ampliaram os direitos do povo.

O liberalismo atacou, epidemicamente, as formas de manifestação social, artística e científica. Cada qual laborava por instinto ou intuição, sob o domínio dos sentimentos, desordenados e paradoxais. A linguagem se vestiu de roupagens farfalhudas, com predomínio dos adjetivos superabundantes, tanto na prosa como no verso, desde que qualquer sentimento, sempre nobre e humanitário, em prejuízo do ambiente objetivo, da paisagem circunvizinha, se engrandecesse até o paroxismo, e arrebatasse até a loucura, o suicídio, em contraste com o estilo sóbrio e frio dos clássicos.

Gonçalves de Magalhães nos envia, da Europa, os primeiros suspiros do romantismo, e Porto-Alegre as suas clangoradas épicas, que se multiplicaram em assombrosa fertilidade. Estes precursores da nova escola eram dominados pelo excesso de misticismo católico que os embaraçava nos voos altíssimos da imaginação incandescente de românticos, ardorosos e patrióticos.

António Gonçalves Dias, o criador de pretenso indianismo, o iniciador da poesia nacional, sob a influência dominadora da cultura portuguesa, impulsionou o romantismo, para a terra brasileira, na ânsia de colorir e embelezar a natureza e o homem, ambos selvagens, indomáveis e miseráveis.

Os escritores continuavam na mesma trilha dos clássicos, notando-se algum progresso nos estudos históricos de Joaquim Norberto de Sousa Silva, João Francisco Lisboa, Francisco Sales Tôrres Homem, João Manuel Pereira da Silva, Francisco Adolfo Varnhagem, Sotero dos Reis.

Na primeira fase do romantismo, surgiram no romance e no teatro os primeiros autores de caráter nacional, preocupando-se com os fatos sociais, com o ambiente da roça, com a vida pacata e burguesa das cidades, com o sertão e os indígenas, através do prisma transfigurador da escola romântica.

Após Gonçalves Dias, já na fase abolicionista, desfilam os poetas mórbidos e tristes – Álvares de Azevedo, Paulo Eiró, Laurindo Rabelo, Junqueira Freire, Casimiro de Abreu. Estes não quiseram prosseguir, com exceção de Fagundes Varela, no caminho que Gonçalves Dias lhes apontou – a Natureza do Brasil, ao sol e ao luar, florestas, campinas, rios do sertão longínquo, o gentio infeliz e feroz – mundo grandioso e luminoso de inspiração poética. Preferiram cantar, muito mais, a essência subjetiva do romantismo, a vida ruim e desgraçada, os vícios lúbricos, os desvairamentos do histerismo, as agonias dos tuberculosos, as saudades dos exilados.

Entretanto, o romantismo, tomando na literatura brasileira estas características diversas, surpreendeu-nos em António de Castro Alves, com o seu aspecto revolucionário, agitador de ideias avançadas. Era a influência do gênio incomparável da França, o imortal Vitor Hugo que glorificou o romantismo como veículo de um ideal humanitário. A Europa iniciava a revolução social e Vitor Hugo era o arauto da nova humanidade, a conclamar o povo à revolta contra os castelos feudais onde se entrincheiraram durante séculos a tirania e o absolutismo das classes privilegiadas.

Para louvar Vítor Hugo, Martins Fontes, Cavaleiro da Arte, quis compará-lo, pelo esplendor da sua poesia, ao baobá frondoso e fértil, à floresta peruana, à selva do Amazonas, ao Oceano que brame como Prometeu encadeado, à Montanha como o Himalaia, à Energia dos elementos, à Terra onde o homem vive sob o peso da dor, a uma cascata que se despenca em espuma, troando, em fúria natural.

Nada atingiu ao fragor forte do verbo de Hugo. Só o infinito, o firmamento, o azul, se pode comparar à alma de Hugo. Na amplidão, contemplando os céus à noite, há mares de nebulosas, astros, miríades de sóis e constelações, onde canta a música dos mundos e, na orquestração das esferas em coro, plangem os carrilhões dos versos, dos soluços de bronze, das bênçãos de ouro de Vítor Hugo, em quem Martins Fontes acreditava, não crendo em Deus.

Vítor Hugo viveu durante vinte anos sobre um rochedo no Oceano, numa ilha da Mancha, como um profeta que reencarnasse a alma de Antar, com o coração em chama, cantando contra as superstições, contra o militarismo, predizendo a alvorada do socialismo.

Os poetas, assombrados, com o clarão que ele projetou sobre o Universo, no limiar do seu Templo, beijarão a túnica bramânica do Vate; e a Humanidade que viveu outrora na escravidão, erguer-lhe-á um altar perpétuo.

Martins Fontes, ao ler o Fim de Satan, de Hugo, notou que faltava o Canto dos Astros, mas não tinha razão a sua surpresa porque na obra do genial poeta gaulês nada faltava; a criação soluça, vibra e se exalta em cada verso. O harmonismo infinito erra aos pedaços e o Cântico dos Astros sobrepuja as vozes do Universo.

Em A lenda dos séculos, Vítor Hugo faz revelações e entoa epopeias em que, "entre cometas relampejantes e abismos, bocas escancaradas nas escuridades do espaço, há surdinas dulcíficas, sons sutis de segredos e sorrisos. Nas suas barbas de neve, torrenciais, flutuam espumas, como no mar; nos seus cabelos revoltos pairam nuvens cumulosas, dando-lhe a catadura hebraica de Jeová!".

Castro Alves desempenhou, no Brasil, a missão de precursor do evento libertário, a mesma ação demolidora dos velhos costumes patriarcais, assenhoreou-se do nosso Ideal – a abolição da escravatura do trabalhador negro -, fonte caudalosa de inspiração dos seus poemas condoreiros. Castro Alves, o Poeta da República e da Democracia, escalpelou os tiranos reacionários, as guerras fratricidas, as injustiças sociais, a desigualdade das classes.

Martins Fontes comparava o gênio de Castro Alves ao esplendor de um dia de sol no Rio de Janeiro e, há anos, idealizou compor, em companhia de Goulart de Andrade, uma peça teatral, em versos alexandrinos, sobre o poeta de Os Escravos, traçando as minúcias de cenários, vestimentas, personagens e a ação desse drama de amor e puro romantismo, em três atos movimentadíssimos, em que desfilassem empolgantes cenas da Abolição e da República, onde Castro Alves surgiria recitando os seus poemas, cujo ato finalizaria por uma apoteose que consagraria o Herói, glorificando o Gênio.

O drama seria representado no Rio de Janeiro, quando se inaugurasse a Casa de Castro Alves, "o templo desse Deus de uma crença futura". Castro Alves é o símbolo máximo da Pátria Brasileira. Para Martins Fontes, era a maior das representações do Brasil em todos os tempos. É o Brasil.

Se Martins Fontes sempre adorou a sua terra pela exuberância natural, se sempre sofreu pelos erros da nossa nacionalidade, pelos crimes dos nossos dirigentes, Castro Alves lhe fez esquecer todas essas falhas, porque um povo que é capaz de desabrochar numa flor como essa, resume toda a Terra.

Ele é o Brasil na sua ardência, em toda a sua luminosidade. Só o cenário do Rio de Janeiro, no fulgor do verão, ao alvorecer, poderá simbolizar a alma de Castro Alves. Sua juventude, sua adolescência romantizada, hipnotiza os poetas – porque Castro Alves foi poeta na vida. Ninguém ainda exerceu no Brasil ação mais útil; ninguém, com tanto claror, ainda prestou à sua Pátria serviços mais salutares. Seu nome é uma exaltação perene, uma bênção divinizadora.

Morreu moço: os poetas devem morrer moços, num dia de sol, pobres e gloriosos. Era com orgulho, o maior que Martins Fontes possuía, que sentia, entre o seu temperamento e o de Castro Alves, pontos evidentíssimos de contato, afinidades eletivas.

Não há escolas para os poetas: na disciplina literária, todos são líricos; pela norma de conduta, todos são românticos. Só o lirismo é eterno; só o romantismo grandifica. O último poeta que brilhar na Terra será uma alma romântica. Há leis cósmico-sociais para o aparecimento dos aedos, clamadoras das angústias e das vitórias da humanidade.

No Brasil, para libertar uma raça, era determinante o aurorejar de Castro Alves, enviado dos deuses, encarnação da Justiça. Ainda mesmo sob a conclusão sociológica, Castro Alves é o maior poeta do Brasil. Foi a mocidade impaciente e impetuosa, o ideal transformado em energia, o sentimento altruístico, o cavaleiro da quimera.

Sobredoirando estes dons, ninguém, em mais alto grau, na poesia universal, teve fogo sidéreo da inspiração. Há em Castro Alves achados fenomenais, nunca vistos.

Dizia mais, Martins Fontes, que quem estudasse a história literária do Brasil verificaria que a integram três poetas máximos: Gonçalves Dias, no período do indianismo romântico, para cantar a formação da nacionalidade, fundida por três raças, é o representante inicial e encerra em sua lírica semisselvagem a alma dos bosques, a largueza dos rios, a jucundidade da Pátria virgem; Castro Alves, o redentor e semideus, dissipadas as brumas, reveladas as formosuras lendárias, é a manhã esplêndida, a clarinada rapsódica da Pátria; Olavo Bilac, estuário de todas as nossas dores, custódia de todas as nossas esperanças, é o meio dia equatorial na Pátria.

Eloy Pontes, no seu admirável estudo sobre a vida inquieta de Raul Pompéia, conta que a verdadeira literatura nacional surgiu com o romantismo. Os filósofos libertários da França, da Inglaterra e da Rússia – Augusto Comte, Claude Bernard, Proudhon, Flaubert, Spencer, Kropotkine e outros – agitaram o rançoso classicismo místico dos brasileiros coloniais,provocaram a revolução republicana, formaram a notável geração de escritores, poetas e artistas, da qual sempre nos orgulhamos: Machado de Assis, Aluizio Azevedo, Olavo Bilac, Raimundo Correia, Raul Pompéia, Euclides da Cunha..

Depois, seguiu-se um período de estagnação espiritual, ou, antes, de perniciosa esterilidade; agora parece que ressurgimos porque, ante os novos ideais de liberdade e democracia, as novas gerações se movimentam para uma gigantesca ação no campo literário e científico.

Eloy Pontes diz muito bem: - só os ideais estimulam os espíritos. Martins Fontes, concordando com Eloy Pontes, dizia-me que atravessamos uma época de transição; se a literatura, historicamente, reflete a luta política, não é preciso ser um gênio para observar, nesta hora grave de transformações profundas na estrutura econômica de todos os povos, o reflexo do caos social nos domínios da arte e da literatura; esta assume, por isso mesmo, a feição marcada da sátira dolorosa, do sarcasmo sangrento; é a vingança incoercível da sociedade nova contra a velha sociedade que tende a mergulhar no crepúsculo sombrio das suas próprias contradições; donde concluímos que, passado o período agudo de formação, se revelarão os nossos intelectuais, porque os acontecimentos de ordem econômica determinarão o verdadeiro caráter da literatura brasileira.