Complexo Portuário da Cosipa em Cubatão
Foto: Cosipa, cerca de 1990
O porto
ARAÚJO FILHO, José Ribeiro de. O sítio e a vocação portuária de Santos. São Paulo, Instituto de Geografia da USP, nº 5 de Geografia Urbana, 1969.
No momento em que a Cosipa resolveu construir instalações portuárias próprias, bem ao fundo da Baixada Santista, aproveitando-se das ramificações e interligações
do estuário de Santos e do Rio Piaçagüera, pode-se perceber com maior clareza a importância efetiva das diversas aguadas existentes à retaguarda dos principais maciços insulares do litoral de Santos.
A navegação vai se interiorizar por um projeto que equivale ao dobro daquele existente atualmente na área portuária tradicional do estuário de Santos. Da Barra de
Santos a Piaçaguera, navios de alto mar ou de cabotagem, de até 7 a 8 metros de calado, poderão adentrar-se, para levar matéria-prima e retirar produtos usinados da mais nova das grandes companhias siderúrgicas brasileiras.
Aliás, percebe-se, a partir de tal fato, a importância que passam a ter os estudos puramente técnicos, de ordem hidrológica e de sedimentação, a respeito do estuário de Santos
e canais interiores da Baixada litorânea. E, por isso, não podemos deixar de mencionar os já citados (1) e excelentes estudos recentemente realizados pelo laboratório de
Hidráulica da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, a respeito da sedimentação, batimetria, evolução de margens e trajetória de correntes ao longo dos trechos vitais do estuário de Santos e dos rios da Baixada que possibilitarão a
construção do porto da Cosipa.
Tais estudos técnicos, que visam à compreensão da hidrologia e sedimentação na Baixada Santista, deverão prosseguir, quase que permanentemente, para efeito de controle no porto de Santos
e seus canais de acesso, bem como de ampliação do próprio cais do porto.
Para aqueles que vêm do exterior ou de outras partes dos países, e que estão alheios aos problemas técnicos criados pelas profundidades limitadas dos canais de acesso do estuário, as
paisagens com que deparam ao aproximar-se do porto de Santos conservam um misto de tropicalidade e de expressão urbanística altamente moderna. Aos morros arredondados, de vertentes íngremes, bordejadas por costões e costeiras rochosas, se opõe no
fundo das baías e enseadas (Guarujá, Santos e São Vicente) a barreira arquitetônica dos grandes edifícios de apartamentos.
Penetrando-se pela barra de Santos, entre as praias ajardinadas da frente da planície insular, tendo ao fundo a paisagem vertical dos edifícios modernos, de outra banda se vê,
nas encostas do Morro da Barra (330 m) (2) os sinais de vegetação florestal que outrora recobria amplamente todos os outros morros e largos setores das planícies.
Penetrando-se pela barra de Santos... vegetação florestal que outrora...
Foto: Rogério Bomfim, publicada no Diário Oficial de Santos em 27/5/2004
Um quilômetro além aparecem as marcas bizarras de um tipo de pântanos - os manguezais - revestidos por uma vegetação justificada tanto pela condição tropical como pela água salgada das
planícies sujeitas à penetração das marés. Outrora, os manguezais cobriam vastos trechos da própria ilha de São Vicente, ocupando áreas relativamente tão consideráveis quanto aqueles ainda hoje existentes nos bordos interiores da ilha de Santo
Amaro.
Quanto mais se adentra no estuário, mais se faz notar, atualmente, o contraste entre a planície insular urbanizada e as planícies de maré, que mostram ainda sua paisagem original.
Bem no fundo da Baixada, após os canais labirínticos das gamboas que recortam tortuosamente novas e extensas planícies-de-maré com manguezais, destaca-se a Serra do Mar, com seus altos
esporões subparalelos e suas contínuas matas parcialmente preservadas.
Por mais paradoxal que possa parecer, a preservação destes aspectos da paisagem tropical da região de Santos constitui uma necessidade básica e estratégica, já que qualquer ruptura
pronunciada de equilíbrio das relações topográficas, fitogeográficas e pedológicas, face às condições morfoclimáticas, poderá acarretar sérias consequências para a estabilidade das vertentes serranas, para a marcha da sedimentação e do assoreamento
na área dos estuários e de seus canais secundários, que são reservas para a própria expansão do grande porto brasileiro.
Desta forma, aqueles traços de tropicalidade, observados por todos os viajantes mais curiosos que passaram pelo porto de Santos, constituem ainda hoje paisagens presentes na área e que
devem ser, em grande parte, preservadas para o próprio benefício das instalações portuárias atuais e futuras de Santos.
Sobretudo as florestas da Serra do Mar, e dos maciços isolados, devem ser protegidas ao máximo, em benefício do porto, da cidade e de seus próprios habitantes. O desmatamento desregrado,
a multiplicação de pedreiras na base dos maciços, as dinamitações sucessivas nas pedreiras e a construção de habitações em sítios desfavoráveis tiveram, mais uma vez, consequências catastróficas e funestas para a população de Santos
(escorregamentos sucessivos por ocasião das grandes chuvas, ocasionando destruição e morte).
Sobretudo as florestas... devem ser protegidas ao máximo, em benefício do porto, da cidade...
Foto: foto-geógrafo César Cunha Ferreira, em 8/5/2004
Após termos sintetizado as bases físicas que justificaram a implantação e o desenvolvimento do primeiro grande porto do nosso País, não poderíamos deixar de comentar os problemas que
incidiram e incidem sobre o uso da terra na Baixada Santista. Parece-nos que, resultante, aquela posição intermediária da área santista-vicentina, situada como está entre um litoral escarpado e cheio de reentrâncias, como o do Norte, e o de praias
retilíneas e baixadas amplas como as do Sul, é o esquema fisiográfico que lhe dá as vantagens naturais necessárias para sobrepor-se, do ponto de vista humano, às demais áreas litorâneas paulistas.
De fato, além das vantagens oferecidas pela área no setor dos ancoradouros - mercê das suas múltiplas barras e aguadas interiores - assim como, além das facilidades relativas de
comunicações fluviais até os sopés da Serra e regiões da Bertioga (vantagens exploradas a favor de sua economia durante todo o período colonial e até meados do século XIX), há ainda o fato de justamente aí a Serra do Mar apresentar condições de
mais facilidade de transposição, através dos vales do Mogi e do Cubatão e dos esporões descendentes que à altura dos mesmos se destacam da escarpa da principal (fatos de há muito sublinhados por todos os geógrafos que estudaram as relações entre
litoral e planalto, no complexo fisiográfico Santos-São Paulo).
Apesar de ocupada desde os primórdios da história colonial, a área em apreço não foi aproveitada senão muito mais tarde no que tinha de vantajosa como ponto principal de contato entre o
mar e o interior do planalto paulista. O homem aí não conseguiu organizar uma paisagem à moda de outros trechos da costa brasileira (como o Recôncavo da Bahia e a Baixada Fluminense), em virtude de uma série de fatores físicos e históricos.
De fato, as baixadas rasas e alagadiças, muitas delas inundadas periodicamente pelas águas salgadas, onde o mangue predomina [como] tipo de vegetação; os morros de encostas íngremes e difíceis de serem trabalhados por uma agricultura rotineira como a que se pratica em nosso País; e um clima tropical superúmido, sem estação seca definida durante o ano, influindo
nos tipos de solos; tudo concorreu para dificultar ou senão impedir o aproveitamento das áreas que compõem hoje a chamada Baixada Santista para um tipo estável de agricultura econômica.
Grande parte da produção de banana de Cubatão era transportada de barco para outras regiões
Foto publicada no jornal A Tribuna de Santos em 9/4/2000
Se excetuarmos os bananais que, apenas por meio século, ocuparam alguns troncos mais aproveitáveis, nada mais nos faz recordar aquela ocupação do solo que a mata
nordestina ou a baixada campista nos apresenta até hoje.
De fato, os primeiros ocupantes da área, precursores até o donatário que aí iria oficializá-la como Capitania (Petrone, 1965) (3), tentaram - como os demais que viriam logo após - o seu aproveitamento para o cultivo da cana e o fabrico do açúcar; os vestígios de alguns engenhos ainda demonstram aqueles esforços que não passaram de simples tentativas em virtude dos
fatores naturais acima expostos.
A melhor prova é dada já no século XVII e depois, em fins do século XVIII, quando o açúcar fazia a grandeza de várias áreas da costa brasileira, e no adentrar do século XIX,
quando a antiga capitania de São Paulo passava também a exportar açúcar à moda das suas congêneres do Rio de Janeiro, da Bahia e de Pernambuco, o açúcar vinha do Planalto, a mais de 150 km de distância do mar, enquanto os arredores de Santos não
produziam uma arroba sequer (Daniel Pedro Muller, 1936, 1923) (4).
Daí o papel da zona de transição do ponto de vista geo-econômico que passou a desempenhar a área estudada, com a função precípua de porto, representada pelo seu núcleo principal, o
aglomerado de Santos. Foi como tal que, podemos dizer, se iniciou o desenvolvimento eminentemente urbano nas suas características paisagísticas do que hoje chamamos Baixada Santista.
Função portuária e centro comercial, a princípio do açúcar e depois, já em meados do século XX, como a mais importante área do litoral paulista do ponto de vista demográfico e econômico,
sem contudo apresentar desenvolvimento nas suas zonas rurais. Outras funções apareceriam já neste século (N.E.: XX), como a industrial e a de veraneio, mas a sua pequena hinterlândia
continuaria em grande parte vazia.
Daí o contraste absoluto que se nota no momento entre a população existente nesta área e o aproveitamento de fato das suas terras circundantes: é uma população eminentemente urbana que
se concentra em mais de 95% dos núcleos que se foram formando desde o século XVI, particularmente os de Santos e São Vicente.
População que vive quase exclusivamente das relações com o planalto e o porto; mesmo no momento, quando se ocuparam algumas áreas do sopé da Serra do Cubatão e trechos da Baixada
alagadiça, esta ocupação se vem fazendo em virtude daquelas relações, pois os trechos industrializados do Cubatão ou de Piaçaguera nada mais são do que repercussões planaltinas, evidentemente deslocadas em direção ao porto.
E se formos para a orla marítima, veremos que ainda aí a ocupação se faz em formas de aglomerados dispersos, que aos poucos se vão conurbando em função dos
veranistas planaltinos. De fato, da Bertioga ao Mongaguá, passando pelo Guarujá, veem-se cada vez mais ampliados aqueles núcleos.
...baixadas rasas e alagadiças ... onde o mangue predomina...
Foto: foto-geógrafo César Cunha Ferreira, em 8/5/2004
Notas explicativas:
Este trecho faz parte de um capítulo do trabalho Santos, o porto do Café, tese apresentada ao concurso de Livre-Docência de Geografia do Brasil na USP, 1967.
(1) - Relatório Técnico do Grupo de Pesquisas do Laboratório de Hidráulica da Escola Politécnica da USP, 1966.
(2) - Ilha de Santo Amaro.
(3) - Petrone, Pasquale, Povoamento e Caminhos nos séculos XVI e XVII - in: A Baixada Santista, aspectos
geográficos, vol. II, Editora da USP, S. Paulo.
(4) Muller, Daniel Pedro - Ensaio d'um Quadro Estatístico da Província de São Paulo, seção de obras d'O Estado de S.
Paulo, 1923. |