Topógrafo, Brasilino conhecia o solo de toda a planta industrial da Refinaria
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PERSONALIDADE
Um brasileiro chamado Brasilino
Operário se tornou um marco na industrialização
Antonio Carlos Cruz (*)
Colaborador
Aquele 16 de abril de 1955 encerrava mais uma típica
tarde de outono. Preguiçosamente, a densa e úmida névoa abraçava o maciço da Serra do Mar, do cume ao sopé, e, qual um gigantesco dragão branco,
engolia aquela imensidão verde. Tudo ficava branco.
O sol, não mais conseguindo iluminar e aquecer as várzeas e manguezais, descambou no
Taquaruçu, vencido pelas trevas que rapidamente engoliram tudo, até o branco que engolira o verde da Serra. A noite logo chega e com ela a
extraordinária visão.
Lá para os lados do Cafezal, a enorme labareda dançava suavemente ao ritmo da brisa
que vinha do mar, elevando sua claridade ao céu, vencendo o negrume que derrotou o branco que venceu o verde.
Nas varandas, nos quintais de terra batida, nas esquinas, um só estarrecer: "Ousaram
perturbar o eterno sono dos mortos", ou "é castigo de São Lázaro", e ainda "chão de capelas e cemitérios são sagrados, não podem e não devem ser
profanados".
Aludiam, certamente, ao remanejamento do antigo cemitério local
e da veneranda Capela de São Lázaro, que deram lugar à construção do complexo industrial.
Montado em sua inseparável bicicleta, Brasilino percorria as ruas da Cidade,
esclarecendo que o tal fogaréu nada mais era que o flare da Refinaria Presidente Bernardes na queima dos resíduos da
primeira unidade de refino a entrar em operação, a partir daquela data. E, com indisfarçável sotaque capiau, completava profetizando que aquela
tocha seria um marco no desenvolvimento de toda a região.
Esguio, estatura mediana, bem cuidado e afilado bigodinho, assim vestido do uniforme e
capacete da empresa, Brasilino parecia personalizar os tantos brasileiros que simbolizavam a explosão industrial que se caracterizaria nos anos
seguintes.
De família humilde, ainda jovem ganhava a vida como artífice numa pequena fábrica de
malas na cidadezinha de Baependi, ao Sul de Minas Gerais. No início da década de 50, impulsionado por notícias que alardeavam a oferta de bem
remunerados postos de trabalho na então desconhecida Cubatão, Brasilino fez sua própria mala e embarcou no sonho de conhecer esse novo e distante
eldorado.
E Brasilino trabalhou duro no preparo da área que iria receber o monumental
empreendimento, a primeira grande refinaria de petróleo brasileira. Em 1956, casa-se com a jovem Aurora, nascida de uma das muitas famílias de
migrantes portuguesas que aqui há muito vinham se fixando. A empresa cresce, alcançando destaque internacional, e com ela cresce Brasilino, quer
profissionalmente, quer como exemplar servidor da coletividade local.
Na função de topógrafo, conhecia como ninguém o solo de toda a área industrial da
empresa. Dizia-se que nenhuma escavação poderia ser iniciada sem que Brasilino fosse consultado, já que trazia na memória a correta disposição de
equipamentos, tubulações e condutores elétricos no subsolo da fábrica.
Solícito, não desperdiçava uma só oportunidade de participar de atividades
comunitárias ou de ajudar quem quer que fosse em quaisquer que fossem as circunstâncias, marcando sua presença como dirigente de associações
desportivas, de benemerência ou religiosas. E esse perfil igualitário e solidário de Brasilino encontra eco na cultura da empresa da qual faz parte,
que patrocina inúmeros eventos de cunho social na Cidade. Em todos esses momentos, destaca-se a figura simpática do Brasilino distribuindo
materiais, orientando, encaminhando, esclarecendo, sorrindo, falando e, sobretudo, ouvindo.
Chuvas torrenciais com conseqüentes inundações, comuns naquele período, colocavam a
população local em polvorosa, pelo alto risco que representavam. Nessas ocasiões, lá estava o Brasilino "empoleirado" no "canguru", curioso e
singular veículo utilizado na instalação de oleodutos, circulando por dias inteiros e noites a dentro oferecendo todo tipo de ajuda a quem dela
necessitasse.
Ah, a casa do Brasilino... Que criança das redondezas não a conhecia? Que amigo deixou
de participar dos alegres e inesquecíveis encontros? Trazia os portões sempre abertos, como que permanente convite para um café, um refresco, uma
boa conversa, uma festa, um simples aperto de mãos... e ali, Brasilino era simplesmente Tio Lino.
Para quem tanto fez é muito pouco de Brasilino Rodrigues, o zeloso funcionário nº 45
da Refinaria Presidente Bernardes-Cubatão, intransigente defensor dos bons costumes, da integridade da família, da brasilidade, do respeito a cada
um...
Passaram-se 50 anos e a chama do flare da Refinaria Presidente Bernardes
continua dançando suavemente ao ritmo da brisa que vem do mar. Para aqueles que tiveram o privilégio de conviver com o Brasilino, a mera
interpretação técnica para a existência daquela tocha poderia não fazer sentido algum; difícil voltar-lhe os olhos sem reavivar a memória daquele
extraordinário brasileirinho que, em abril de 2003, deixou o nosso convívio, para em outra dimensão dar continuidade ao seu incessante trabalho.
(*) Antonio Carlos Cruz é cronista e escritor.
Colabora há 22 anos com a edição anual do suplemento especial de Cubatão, abordando sempre as Memórias de um Cubatão Pitoresco.
Topógrafo, Brasilino conhecia o solo de toda a planta industrial da Refinaria
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