Diversas vezes ao dia, dois bondes, puxando reboques, fazem o percurso usina-cais
Em Itatinga, uma linha de bondes quase desconhecida
Texto de Antônio Alberto de Aguiar e Áureo de Carvalho
Fotos de Walter de Melo Albuquerque
O único bonde da CSTC que escapou à destruição
programada em 1971 retorna à praia nos próximos dias, e vai circular entre os canais 4 e 5. As oficinas da City e do SMTC desapareceram na venda de
sucata, mas a Cobrasma, uma indústria de alta tecnologia, está disposta a projetar um protótipo que servirá a Santos e aos santistas.
Segundo a Cobrasma, não há mistérios ou truques na fabricação de um bonde, igual aos
carros de pré-metrô do Rio de Janeiro. Basta despi-los da sofisticação, e os custos entram na linha do popular. Dessas coisas, a indústria de Sumaré
entende, como poucas.
Quem não entende o bonde como meio de transporte é o ministro dos Transportes,
Cloraldino Severo, que esteve na Cidade há uma semana e viu o projeto do retorno dos elétricos como faraônico. Ele prefere o ônibus a gás, lançando
o veículo antes da conquista do know-how, e quer o modelo Padron, sem tomar conhecimento da situação de penúria da maioria das empresas.
O ministro talvez se tenha assustado com os custos de implantação dos trilhos, e nem
quis saber que ainda existem na cidade mais de 40 quilômetros de linhas, à espera de reaproveitamento, ou de alguém com visão menos bitolada e menos
imediatista.
O elétrico sobre trilhos urbanos está mais ou menos na mesma posição das ferrovias,
que muitos renegam por desconhecimento ou interesses outros. Na aquisição de um ônibus, geralmente, o concessionário dá desconto ao frotista ou
repassa a comissão a terceiros; nos vagões e locomotivas, feitos sob encomenda, o repasse é mais complexo, e nos trilhos, fabricados por
siderúrgicas estatais, os 20% de praxe ficam com o Governo, produtor e maior consumidor.
Essa temática, quase proibida, explica muitos programas e planos que ficam vazios
quando o gás acaba. Há exemplos bem próximos, como da Ciferal, que foi induzida a fabricar trólebus, e, até agora, aguarda as encomendas. No outro
extremo da linha existem iniciativas isoladas, como a da Codesp, que mantém o serviço de bondes na parte continental do Município, sem depender de
black-outs programados.
No rio, os elétricos aguardam passageiros e retornam
Os 300 moradores de Itatinga, distante cerca de 20 quilômetros do centro de Bertioga,
vivem em um paraíso dentro do Município de Santos. Graças ao sistema de transporte utilizado na região, feito por bondes elétricos fabricados
inteiramente nas oficinas da antiga Cia. Docas de Santos - hoje, Codesp -, a poluição, lá, é praticamente zero, e os moradores convivem
estreitamente com a natureza.
Acordam com os pássaros, pela manhã - os quais passam em bandos, o dia todo, sobre a
via férrea, a usina e as casas - e dormem ao som característico das aves, caças, em completa sinfonia com o trilar dos grilos e o coaxar de sapos e
rãs.
Diariamente, estudantes e outros habitantes se utilizam de dois elétricos e mais dois
ou três reboques, dependendo do número de passageiros, e cobrem em diversos horários o percurso de 7.300 metros que separa a hidrelétrica do cais,
na beira do rio. Desse local, em embarcação da companhia, seguem, cerca de 150 metros, até alcançar a outra margem. Daí, partem, geralmente em
ônibus de Bertioga, até os colégios nesse distrito ou fazem compras na própria região ou em Santos, passando por Guarujá.
Preservação - Para Dionísio Marques Amorim, operador-chefe da Usina de Itatinga,
o contato estreito com a natureza teria acabado se, depois da construção da usina, fossem utilizadas máquinas barulhentas, e poluidoras, movidas a
diesel, no transporte dos materiais. Conta ele que, por volta de 1905, devido à dificuldade em levar os materiais até a raiz da Serra, para o
prosseguimento das obras da hidrelétrica, a Cia. Docas resolveu assentar uma ferrovia, com bitola de 80 centímetros, pela qual começou a circular,
de início, uma locomotiva a vapor de pequeno porte, que havia sido a primeira utilizada nas obras do cais de Santos.
Tempos depois, vieram mais outras, também alemãs, fabricadas em
1889, peo consórcio Locomotiv Fabrik Kraus e Cia. Munchen & Linz. Essas unidades trabalharam durante décadas, mas em 1958 a empresa resolveu
eletrificar a via férrea, e as unidades a vapor passaram a ser utilizadas mais espaçadamente. Com o tempo, sobraram três unidades: a
número 12, denominada Itapema, que tem quatro rodas e pesa 10 mil quilos; a número 08 (a primeira que veio para
Itatinga), também com quatro rodas e pesando 7.540 quilos, batizada de Monte Serrate; e a de número 01, de nome Lavoura, com número de
rodas idêntico às outras e com peso de 7.540 quilos.
Essas locomotivas estão guardadas em um depósito existente no Km 6,5 da ferrovia, em
uma localidade conhecida como Fazenda Pelais, próximo de umas ruínas do tempo dos jesuítas, e podem ainda circular normalmente, necessitando algumas
de pequenos reparos na parte das caldeiras, devido à inatividade a que foram relegadas. As máquinas poderiam muito bem andar por Bertioga, puxando
reboques de passageiros ou mesmo de carga, já que seriam uma grande atração para o distrito, juntamente com os próprios bondes elétricos que a
Codesp teria condições de fabricar para a região.
De acordo com técnicos, o solo de Bertioga é arenoso e o meio de transporte mais
indicado para esse tipo de terreno é o sobre trilhos. Quem sabe, algum dia o Distrito se interesse em, pelo menos, fazer uma linha ligando a balsa
do centro até as cabeceiras do rio que vai para Itatinga. O percurso poderia ser feito pelas máquinas a vapor, esporadicamente, como uma atração
especial. E por bondes elétricos, oferecendo ao povo um passeio barato e longe de toda poluição. Que os administradores de lá sigam o exemplo da
sede do Distrito, Santos, que no dia 27 reimplanta o sistema de bondes, em uma linha-embrião que vai do Canal 4 ao Canal 5.
Os bondes - O primeiro elétrico que chegou a Itatinga, em fins de 1956, roda
até hoje, e foi fabricado, como os demais, inclusive os reboques, nas oficinas da Cia. Docas. Como havia uma estreita ligação entre a empresa e a
Cia. City - a qual, após a inauguração de Itatinga, passou a receber energia elétrica dessa usina para movimentar seus bondes em Santos -, as
primeiras técnicas na construção dos elétricos foram conseguidas com os engenheiros e funcionários da companhia inglesa. Como a bitola adotada pela
Docas para Itatinga era de 80 centímetros, houve necessidade de se adaptar (encurtar) rodeiros métricos ou de medidas diversas, com o objetivo de
equipar a primeira unidade.
Os motores saíram de guindastes já desativados ou de outras maquinarias elétricas.
Desse modo, os truques duplos (rodeiros) passaram a ter o mesmo sistema de tração das unidades da City. O primeiro bonde de Itatinga, até hoje, é
equipado com dois motores de 10 HP e um controler em cada extremidade do carro. Cada motor faz tração sobre um truque e a unidade possui seis
bancos com capacidade para 24 pessoas sentadas e mais 15 nos estribos. Se puxar mais um reboque, que leva 40 passageiros sentados e 70 nos estribos,
o conjunto chega a carregar perto de 150 usuários.
A segunda unidade, que veio para a região cerca de dois anos depois, é também
duplamente trucada, mas somente impulsionada, agregado a um dos rodeiros, por um motor de 18 HP. Além disso, tem um controler no centro
(porque era uma antiga locomotiva elétrica da Docas) e pode transportar igual número de pessoas. Para serem puxados pelos elétricos há, ainda, dois
reboques para carga, duas plataformas e sete galeras. A ferrovia de Itatinga tem muito valor para os que lá residem, como para a própria Codesp,
porque os operários que fazem a manutenção das linhas que levam energia para Santos a percorrem durante a execução dos serviços.
A linha férrea segue por trecho de vegetação variada
Codesp conserva serviço gratuito
Um dos detalhes mais importantes em Itatinga é que na linha de bondes, uma das poucas
do País ainda em funcionamento, nada se cobra dos passageiros, quer sejam funcionários da empresa ou visitantes. É a única linha grátis existente em
nosso território. Os materiais de reposição, principalmente trilhos - que têm de ser trocados de tempos em tempos devido à maré salitrada que chega
a suas proximidades - vêm da própria Codesp e, ainda assim, as linhas férreas colocadas no percurso já têm muitos anos de uso na faixa do cais de
Santos.
Os motores são reformados nas oficinas da Codesp, bem como algumas partes dos
rodeiros, e a fiação aérea vem da Pirelli e é do mesmo tipo da usada pelos trólebus. Afirmam os técnicos que os cabos energizados, pelo seu formato
piramidal, não sofrem tanto desgaste como os anteriores, que eram cilíndricos. Fora isso, alguns serviços são executados também em Itatinga.
Atualmente, um dos reboques está passando por reformas nas oficinas de Santos. As automotrizes têm breque mecânico, devido à topografia plana do
solo, e uma delas possui quatro velocidades e a outra cinco, mas não desenvolvem, a plena força, mais que 28 quilômetros por hora. Cobrem a
distância do cais do rio até a usina em cerca de 18 a 20 minutos. Os motores são de corrente alternada e a fiação aérea fornece 440 volts, que são
retificados de acordo com a especificação dos motores de cada unidade.
Para evitar que haja dispersão de energia, no trajeto dos 7.300 metros há sete
transformadores, sendo quatro de 15 KVA e três de 25 KVA. Desse modo, os 440 volts permanecem constantes em toda a linha. Sarcasticamente, os
funcionários dizem que, no dia do black-out que atingiu diversos estados, os bondes de Itatinga continuaram a rodar normalmente, porque
somente dependem do fornecimento da energia da própria usina, a qual também não deixou o Porto de Santos parar e tampouco o Distrito de Vicente de
Carvalho, além de casas de saúde e hospitais que a ela estão interligados em casos de emergência.
Para se andar nos bondes e visitar Itatinga há necessidade de autorização da Codesp,
que pode ser obtida em sua administração em Santos. Os horários do bondinho são os seguintes: partem da usina às 7 horas e retornam às 8; saem às 10
e voltam às 10h30; às 12 e deixam o cais do rio às 12h30. Depois, largam da usina às 16 horas e vêm às 16h30; e ainda existem outros dois: um que
parte da hidrelétrica às 17h30 e retorna às 18 horas (esse bonde leva os estudantes da noite e traz os do dia). e o último parte da usina às 21
horas e tem retorno às 22h30, com o pessoal dos cursos noturnos e outros moradores que se tenham ausentado da localidade. À parte de tudo isso, às
13 horas, um elétrico leva os trabalhadores, que vão descendo nos lugares de manutenção da linha energizada que segue para Santos, e também para
vistoria, esporádica, na linha férrea.
Hidrelétrica - A Usina de Itatinga teve suas obras iniciadas já a partir do
começo do século (N.E.: século XX), mas só começou a funcionar por volta de 1910. Seus
cinco geradores norte-americanos, fabricados pela General Electric, com aletas impulsionadas por jatos de água represada na Serra, com a pressão de
64 atmosferas, produzem 15 mil quilowatts/hora, que, após transformados, passam para 44 mil KVA. Esse potencial energético, segundo os engenheiros
Ariovaldo Rodrigues, chefe da Divisão de Eletricidade da Codesp, e Oscar Corradi, da área de Itatinga, é enviado para o Porto de Santos, onde chega
com cerca de 40 mil KVA, devido à dispersão normal que sofre pela distância percorrida entre as torres.
Parte desse potencial é distribuído para Vicente de Carvalho e, em caso de
necessidade, atende também hospitais e locais que não podem deixar de funcionar em casos de black-out na Cidade. Segundo os técnicos, mesmo
que haja pane em um dos geradores em funcionamento, não há problemas no funcionamento da usina, porque existe sempre um equipamento de
reserva, de idêntica capacidade, ou seja, suas aletas giram 514 vezes por minuto como os demais.
Para se ter uma idéia da pressão do jato de água que desce por uma das cinco
tubulações - de uma altura de aproximadamente dois mil metros na Serra -, se à sua frente for colocada uma alavanca de aço especial, esta será
destruída em poucos segundos. A Usina de Itatinga é interligada à Eletropaulo, porque, em emergência, pode receber energia dessa empresa. Porém,
geralmente, a hidrelétrica da Codesp está sempre com excedente de energia e sempre o repassa à companhia de eletricidade do Estado de São Paulo.
Por volta de 1980, quando a Companhia Docas de Santos passou o patrimônio do cais para
a Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), contam alguns funcionários que o Ministério das Minas e Energia chegou a mandar dois engenheiros
para Itatinga, com o objetivo de desativar a usina. Porém, ao visitarem a hidrelétrica, os próprios emissários mostraram-se contrários à sua
desativação e foram logo embora.
A hidrelétrica responde pela manutenção do sistema
|