A pequena Vila Itatinga parece ser coisa de conto de fada: possui uma única rua, bem larga,
ladeada por jardins, ao longo da qual estão dispostas as cassa, todas da mesma cor. Não bastasse essa característica tão peculiar, ela se encontra
no sopé da Serra do Mar, escondida atrás de encostas verdejantes que fazem parte do Distrito de Bertioga, a sete quilômetros do Rio Itapanhaú.
Surgiu no começo do século, em função da hidrelétrica que gera energia para o porto e,
apesar de tão isolada do mundo, dispõe de escola, padaria, armazém e posto médico - e até uma igrejinha, sem contar o pitoresco bondinho,
importante meio de transporte -, melhorias que muitos bairros bem localizados de Santos cansam de reivindicar sem nenhum sucesso.
Nessa vila solitária, no sopé da serra, vivem 70 famílias. Os cerca de 300 moradores
não sabem o que significam assaltos ou cenas de violência. Para se chegar até lá, conhecer sua gente simples e admirar a beleza de suas
cachoeiras, é preciso autorização da Codesp, que mantém as instalações da hidrelétrica.
No alto de uma colina, a capelinha que é orgulho dos moradores
O bondinho, pintado com um tom de amarelo bem vivo, parece
coisa de circo. Não há como evitar a impressão de que, a qualquer momento, um bando de palhaços deixará seus esconderijos sob os bancos de madeira
e saltará com sorriso aberto, distribuindo doces e fazendo a alegria da garotada.
Mas nada disso acontece. O bondinho existe, e apesar de mais se assemelhar a um brinquedo, representa o
principal meio de acesso à Vila Itatinga. Sacolejando sem pressa sobre os trilhos, ele conduz ao núcleo populacional mais escondido de Santos. Mas
esse tal núcleo, mesmo confinado entre o rio e encostas da serra, dispõe de escola, padaria, armazém e até mesmo um cinema.
Como é que pode haver tudo isso naquele verdadeiro fim de mundo? Bem, a história, em resumo, é a seguinte: a
antiga Companhia Docas precisava manter equipes para fazer a manutenção da Hidrelétrica de Itatinga. Para motivar a permanência dos homens naquele
lugar tão isolado, passou a oferecer casa de graça, escola para as crianças, assistência médica e outros atrativos do tipo.
No final das contas, nasceu, em pleno sopé da Serra do Mar, a cerca de 30 quilômetros de Santos, uma autêntica
vila. Uma vila com igrejinha e tudo, dominando soberana a paisagem.
Uma viagem onde não falta mar, serras e um bondinho amarelo - A visita a Itatinga sempre guarda um
gostinho de aventura. Chegar até lá de barco, a partir do porto, significa nada menos que três horas de viagem por águas do Estuário, do Canal de
Bertioga e, finalmente, do Rio Itapanhaú.
Nem é preciso dizer o que significa fazer esse percurso num dia de sol: só se vê o céu azul, a água refletindo a
luz, o verde das vegetações emoldurando as margens, peixes saltando e a silhueta de montanhas distantes, às vezes esfumaçadas pela névoa. Vez ou
outra se depara com uma população ribeirinha, e sempre há alguma criança acenando, rostinho encardido e sorriso aberto.
Outra opção para se chegar a Itatinga é ir até Bertioga e seguir pela esburacada Rua Vasco da Gama, no final da
qual há um pequeno portinho. Lá se toma um barco da Codesp, mas a travessia do Rio Itapanhaú dura pouco mais do que três minutos: o mestre Luís
Carlos manobra a embarcação com a presteza que lhe garantem os muitos anos de serviço e deixa o visitante na chamada Fazenda, já em terras de
Itatinga.
Lá estão as primeiras casinhas, mas não existe nem sinal da vila propriamente dita. Ela fica escondida atrás dos
morros, a sete quilômetros de distância, mas esse percurso é facilmente cumprido com a ajuda dos bondinhos, substitutos das antigas locomotivas a
vapor.
Apesar de o lugar assim tão distante do que se convencionou chamar civilização, pode-se chegar até ele de uma
terceira maneira: atravessando a serra, enveredando por pequenos caminhos, cumprindo um trajeto oposto àquele que se faz de barco. Mas quem faz
isso geralmente são estudiosos, andarilhos ou escoteiros, que partem de Mogi das Cruzes, cidade situada atrás dos morros que de vê de Itatinga.
Passeio no trenzinho amarelo sempre agrada todo mundo
Floresta, cachoeiras e uma igrejinha no alto de uma colina - Seja qual for o caminho escolhido pelo
visitante, a beleza de uma mata exuberante sempre se faz presente. Pode-se dizer que Itatinga fica no meio de uma floresta virgem, onde se depara
com exemplares raros da mata atlântica, capazes de entusiasmar ecologistas e amantes da natureza em geral. Isso sem contar as dezenas de
cachoeiras que podem ser vistas à distância, de tão grandes e generosas em água. Também não faltam riachos cortando as terras, a maior parte deles
correndo sobre leitos pedregosos, com pequenas quedas de água que ajudam a embelezar a paisagem.
Isso tudo é descoberto aos poucos, à medida que se caminha ou se sacoleja no interior do bondinho, miniatura dos
que já circularam pelas ruas de Santos. Ninguém deve perder a oportunidade de andar nele, mas não se espere grandes emoções em termos de
velocidade: nunca ultrapassa 30 quilômetros por hora, mesmo sob o comando de maquinistas experientes, como seu Zeca Bueno ou o Bica.
Quando eles acionam o breque manual, depois de 20 minutos de viagem, já se está na Vila. E como não se admirar
diante de um núcleo onde as casas são todas pintadas da mesma cor - verde e amarelo -, estão todas dispostas ao longo da única rua de Itatinga,
não possuem cercas ou muros e se encontram em meio a gramados, árvores, folhagens e flores.
Nesse pequeno paraíso, não existem nem vestígios de asfalto. A natureza domina e só sofre uma concorrência mais
direta da Capela de Nossa Senhora da Conceição, orgulho dos moradores. Instalada no alto de uma colina, em meio a bambuzais, palmiteiros e
mangueiras, pode ser vista de qualquer ponto da Vila. Quem a visita, encontra tudo na mais perfeita ordem: altar ornamentado por flores, toalhas
de renda branca e tapete vermelho; vitrais coloridos e decorados com temas sacros; imagens e pequenos quadros reproduzindo cenas da Via-Sacra.
Uma visão privilegiada de Bertioga, depois de duas horas de caminhada - A capelinha é simples e bonita,
como tudo em Itatinga. E o sossego faz parte do dia-a-dia das cerca de 300 pessoas, entre empregados da Codesp e seus familiares, que vivem na
Vila ou nas casas espalhadas ao longo das diferentes instalações. Lá o pessoal ouve o vento soprando entre as árvores, os pássaros cantando e as
dezenas de periquitos, que voam em bandos de árvore em árvore, numa algazarra sem fim.
A vila por si só representa um atrativo. Mas a paisagem mais bonita fica reservada para quem se dispõe a
caminhar por duas horas, em direção ao local onde é feita a captação de água. Não é à toa que o local é chamado de Boa Vista; dele se vê Bertioga
inteira, seu mar de águas transparentes, a areia branca da praia, a vegetação dominando imensos vazios demográficos. E a pessoa admira tudo isso
ao lado de uma enorme cachoeira, diante de um rio de águas cristalinas e em meio a serras intocadas. Que tal?
No ponto onde existe uma represa natural, é feita a captação de água para alimentar a
usina
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