CÂMARA
E AGENDA 21 REGIONAL - PARTE I - Capítulo 1 (cont.)
Sílvia
de Castro Bacellar do Carmo
1.3 - Meio-Ambiente
e a Esfera de Representação Institucional - Sociedade Civil
e Estado
1.3.1 -
Visão da sociedade civil
No
ano de 1997 a Secretaria de Estado do Meio-Ambiente realizou um levantamento
dos aspectos ambientais nos municípios do Estado de São Paulo
(SÃO PAULO, 1998) [1].
Dos 645 municípios, somente 450 responderam ao questionário
proposto. Dentre estes, a pesquisa mostrou que somente 24% possuíam
Conselhos Municipais de Meio-Ambiente, com participação da
sociedade civil na gestão ambiental. Aproximadamente 6% destes municípios
(29) possuíam Secretarias específicas para o Meio-Ambiente,
e 24% (119 municípios) departamentos ligados a outras Secretarias.
Quanto à
relação dos problemas ambientais urbanos encontrados em cada
município, o questionário demonstrou que 74% sofriam com
a poluição das águas e 71% apresentavam problemas
com a coleta e disposição inadequada de resíduos sólidos.
A falta de saneamento básico afetava 70% dos municípios,
e 62% declararam a poluição dos solos como um dos problemas
enfrentados.
O Ministério
do Meio-Ambiente (MMA) em parceria com o Instituto de Estudos da Religião
(ISER) realizam pesquisas de opinião, de abrangência nacional,
a cada 4 anos, sobre o pensamento do brasileiro a respeito do meio-ambiente
(MMA; ISER, 2001). Estas pesquisas foram realizadas em 92, 97 e 2001, sendo
que neste item são apresentados alguns dados que compõem
o relatório para divulgação publicado em 2001. Observa-se
que em alguns casos foi possível estabelecer comparativos com as
pesquisas realizadas anteriormente.
Foram efetuadas
um total de 2000 entrevistas, abrangendo todas as unidades da federação,
em municípios com mais de 20000 habitantes, nos setores urbano e
rural, com indivíduos em faixa etária acima de 16 anos, ambos
os sexos, instrução do antigo primário até
o curso superior, renda familiar de 1 salário mínimo a mais
de 100 salários, e condições de atividades codificadas
como ocupados, não ocupados e desempregados.
Os três
principais problemas ambientais, em âmbito mundial, apontados pelo
universo dos entrevistados foram: o desmatamento, a contaminação
dos rios, lagoas e praias, assim como do ar. Este posicionamento é
alterado quando se trata de problemas locais, tendo sido apontado o saneamento
ambiental, como coleta de lixo, limpeza de ruas e saneamento básico
como o principal problema que afeta a população; ressalta-se
aqui o fato deste dado coincidir com os obtidos em 1997.
Os brasileiros
de um modo geral consideram-se pouco informados sobre os assuntos relativos
ao meio-ambiente e à ecologia, sendo que pode ser detectado que
quanto maior o nível de instrução, menor é
a disposição em afirmar que não existe nenhum problema
ambiental ao nível do seu bairro.
Nesta última
década houve um pequeno aumento da consciência ambiental no
Brasil, podendo ser citado como exemplo o fato que passou de 42% em 1997
para 46% em 2001, o número de pessoas que acreditam que a preocupação
com o meio-ambiente não é exagerada. Também aumentou
o segmento da população que passou a concordar com a idéia
de que são necessárias mudanças nos nossos hábitos
de produção e consumo para conciliar desenvolvimento e proteção
do meio-ambiente. Porém, continuou persistindo o dado que demonstra
que para os brasileiros, meio-ambiente é sinônimo de fauna
e flora, pois nesta última pesquisa, mais da metade deixou de incluir
os seres humanos, os índios, as favelas e as cidades como elementos
do meio-ambiente.
Mais de 70%
dos entrevistados afirmaram ter simpatia pelas organizações
ecológicas, porém, poucos são capazes de citar alguma
delas espontaneamente. A mais lembrada foi o IBAMA, sendo a GREENPEACE
a segunda colocada, seguida da "SOS Mata Atlântica" e Fundação
Tamar. A defesa das florestas e animais tem mais aceitação
do que os trabalhos que promovem o saneamento em áreas pobres das
cidades.
A pesquisa
mostrou uma tendência de se atribuir cada vez mais responsabilidades
ao poder local, quando se trata de soluções para os problemas
ambientais, confirmando o efeito da descentralização e a
tese de que é localmente que os problemas ambientais são
sentidos, e, portanto, é nessa esfera que devem, em sua maioria,
serem resolvidos.
Os comentários
finais que concluem o relatório O que o Brasileiro pensa do meio-ambiente
confirmam a tese de que o ambientalismo é considerado no Brasil
mais como uma defesa da natureza do que uma preocupação com
a qualidade de vida humana, considerando que no universo dos entrevistados
as variáveis que fazem diferença no computo geral, são
educação e residências em centros urbanos, mostrando
um maior nível de informação e compreensão
da problemática ambiental. Os mais jovens e os mais velhos mostraram-se
menos informados e também menos interessados em meio-ambiente, e
de uma maneira geral, o meio-ambiente não faz parte das prioridades
dos brasileiros.
1.3.2 Avanços
pós Rio - 92 na esfera federal
Partindo do
princípio de que a realização da "Cúpula da
Terra" em 1992 representou um marco divisório no cenário
ambiental no país, este item trata dos caminhos trilhados em território
nacional, a nível institucional-governamental, até os dias
de hoje.
No espaço
de dez anos as reformas econômicas no país com o Plano Real
e os reflexos de diversas crises mundiais sobrepuseram-se às questões
sociais e ambientais.
Segundo Camargo
(2002), as demandas relacionadas ao meio-ambiente ficaram limitadas a ações
simbólicas, não tendo realmente sido implantadas ações
efetivas que buscassem o desenvolvimento sustentável do país.
Houve um avanço
na área legislativa, assunto a ser desenvolvido no item 1.4. A população
brasileira também mostrou um amadurecimento em relação
às questões ambientais, conforme pesquisas descritas no item
imediatamente anterior a este, podendo ser traduzido como um impacto positivo.
Desde 1992,
o Brasil assinou e ratificou os seguintes documentos relacionados ao Meio-Ambiente
[2]:
Mudança Climática (1994), Convenção sobre Diversidade
Biológica (1994), Convenção Internacional para Prevenção
da Poluição por Navios MARPOL 73/78 (1996), Acordo Internacional
de Madeiras Tropicais (1997), Convenção das Nações
Unidas pelo Combate à Desertificação (1997), Convenção
de Ramsar - conservação e uso sábio das zonas úmidas
e dos seus recursos (1993), Segurança Nuclear (1998), e, mais recentemente
o Protocolo de Kyoto (2002), que se refere ao controle dos níveis
de concentração de gases de efeito estufa.
A "Convenção
da Mudança Climática" adotada em 1992, e que entrou em vigor
em 1994, trata do reconhecimento de que as alterações no
clima são oriundas das atividades humanas e de que é necessária
uma cooperação internacional para a solução
do problema. As negociações para alcançar o objetivo
de estabilização dos gases de efeito estufa levaram ao "Protocolo
de Kyoto" em dezembro de 1997, durante a 3ª Conferência das
Partes, onde os países que assinam comprometem-se a reduzir em média
5,2% de suas emissões do nível de 1990, durante o período
de 2008 a 2012. A representação brasileira destacou-se nas
negociações do Protocolo, contribuindo para sua viabilização,
segundo análise de Santilli (2002).
O "Protocolo
de Kyoto" contem três mecanismos de flexibilização
a serem utilizados para cumprimento dos compromissos da Convenção:
a implementação conjunta, o comércio de emissões
- recursos a serem utilizados entre os países industrializados,
e o terceiro mecanismo, denominado "Mecanismo de Desenvolvimento Limpo"
(MDL), que consiste na possibilidade de um país desenvolvido financiar
projetos em países em desenvolvimento como forma de cumprir parte
de seus compromissos, com o objetivo de reduzir os gases causadores do
efeito estufa nestes países, propiciar investimentos em tecnologias
mais limpas, eficiência energética e fontes alternativas de
energia.
O MDL surgiu
a partir de uma proposta brasileira sobre a criação de um
Fundo de Compensação, que fornecesse aporte financeiro oriundo
dos países que não haviam atingido seus objetivos, dentro
de um sistema poluidor-pagador (BNDES, 1999).
Em julho de
1999, através de Decreto Presidencial foi criada uma "Comissão
Interministerial de Mudança Global do Clima", com o Ministério
da Ciência e Tecnologia ocupando a presidência [3],
cujos objetivos são os seguintes: emitir pareceres sobre propostas
de políticas setoriais, instrumentos legais e normas relevantes
para o tema; subsidiar a posição negociadora do governo em
questões climáticas; definir critérios de elegibilidade;
e decidir sobre projetos individuais. O Decreto Presidencial nº. 3.515
de junho de 2000 criou o "Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas".
O artigo 1º trata do objetivo deste Fórum e encontra-se transcrito
a seguir:
[...] com o
objetivo de conscientizar e mobilizar a sociedade para a discussão
e tomada de posição sobre os problemas decorrentes da mudança
do clima por gases de efeito estufa, bem como sobre o Mecanismo de Desenvolvimento
Limpo (CDM) definido no Artigo 12 do Protocolo de Kyoto à Convenção-Quadro
das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, ratificada
pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo no 1, de 3 de fevereiro
de 1994.
A "Convenção
sobre Diversidade Biológica" foi adotada durante a "Rio-92" e entrou
em vigor em dezembro de 1993. Está estruturada em três pontos:
a conservação, o uso sustentável, e, a repartição
dos benefícios decorrentes da correta utilização dos
componentes da biodiversidade. O Brasil a ratificou em julho de 1994, e,
segundo Bensunsan (2002), possui uma forte presença na Convenção.
A equipe brasileira apresentou, em 1996, proposta relativa à redução
dos impactos da agricultura sobre a diversidade biológica, com efeitos
positivos nas recomendações posteriores sobre o tema; porém,
não concorda com restrições internacionais e acordos
em relação à biodiversidade florestal, emperrando
o andamento da questão.
O "Programa
Nacional da Diversidade Biológica" (PRONABIO) foi instituído
em dezembro de 1994 através do Decreto Presidencial nº 1.354
como o principal instrumento para a implementação da referida
Convenção. Em agosto de 2002 foi assinado o Decreto nº
4.339, instituindo os princípios e diretrizes para a implementação
da "Política Nacional da Biodiversidade", considerada, segundo o
MMA (2002), como uma Estratégia Nacional de Biodiversidade.
Em relação
à gestão ambiental urbana, passou-se a dar maior importância
às experiências bem sucedidas dos municípios, que se
tornaram exemplo para os demais. Podem ser citados como instrumentos de
incentivo, divulgação e capacitação, que buscam
novas soluções de baixo custo e resultados imediatos para
o aumento da qualidade ambiental local:
Centro
de Referência e Gestão Ambiental para Assentamento Humano:
administrado pela Universidade Livre do Meio-Ambiente (UNILIVRE), com apoio
do MMA;
Programa
Caixa - Melhores Práticas: parceria entre a Caixa Econômica
Federal e o Instituto de Administração Municipal (IBAM);
Programa
de Gestão Ambiental Urbana: parceria entre o MMA, Cooperação
Técnica Alemã, e IBAM.
O desenvolvimento
da elaboração da Agenda 21 Nacional [4],
e os processos de construção e de implantação
das Agendas 21 Locais em diversos municípios brasileiros,
agregaram a população em torno das discussões sobre
as demandas, prioridades e mudanças a serem efetivadas em seu habitat.
Estes podem ser considerados como alguns dos paradigmas para a modificação
positiva que se almeja na busca da cidade sustentável (ALBUQUERQUE
e ULTRAMARI, 2002).
O Estatuto
da Cidade aprovado pelo Senado Federal em 2001 representou um avanço
considerável na política urbana brasileira, estabelecendo
as diretrizes obrigatórias a serem respeitadas nas políticas
urbanas locais. Através do Estatuto a cidade sustentável
passou a ser considerada como um direito do cidadão em termos legais.
Esta lei, suas
diretrizes e alcances, devido a sua alta relevância para a construção
da cidade sustentável, será aprofundada em item
específico ainda neste capítulo.
NOTAS:
[1]
SÃO PAULO (Estado). Aspectos Ambientais Urbanos dos Municípios
do Estado de São Paulo. São Paulo: SMA, 1998.
[2]
As datas em parênteses referem-se à data de ratificação.
[3]
Este Ministério já exercia as atividades relativas ao compromisso
brasileiro assumido à Convenção sobre Mudança
do Clima.
[4]
Tema desenvolvido no item 2.3.1. |