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Aventuras de Patolo e Patilda    (4)

Hamleto Rosato (com desenhos de Dino e Lobo)

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Em respeito ao templo católico, Patolo e Patilda deixaram num canto o resto da cana. Entraram na igreja. Num canto, ajoelhado, encontrava-se uma velhinha em fervorosa oração. Estava de luto. Vestido, meias e sapatos pretos, tendo na cabeça um xale da mesma cor. Patolo observou logo, no ouvido de Patilda:

- Está rezando para a alma de seu filho...

- Pssiu. Na igreja não se conversa. Vamos para aquele banco.

Ajoelharam-se. Fizeram os sinal da cruz e baixinho puseram-se a rezar. No altar, a imagem de Nossa Senhora do Monte Serrate estava rodeada de rosas. Velas tremeluziam, à vontade da leve brisa que entrava através da janela, cujos vidros coloridos representam imagem de santos. Ali se conservaram durante uns dez minutos. Patilda terminou antes sua oração. Fez o sinal da cruz e sentou-se, observando Patolo, que estava mergulhado em sua oração.

Após alguns segundos, Patolo fez o sinal da cruz. Abriu os olhos, primeiro o esquerdo, como a querer examinar se tudo estava no lugar...

Patilda observou o jeito do irmãozinho. Não falou nada. Sorriu apenas. Depois, no ouvido de Patolo, disse baixinho:

- Vamos ver a sala dos milagres?

Patolo respondeu afirmativamente com a cabeça. Levantaram-se e foram para a parte interior da igreja. Penetraram numa ampla sala onde se encontram os objetos de gesso representando pernas, braços, coração, rosto, orelhas, pés, mãos, enfim, uma série de órgãos, alem de muletas e óculos. Patolo olhou tudo com admiração. Abria os olhos desmedidamente, à medida que percorria a sala. Ficaram ali uns vinte minutos, olhando tudo. Depois Patilda, baixinho ainda, disse: "Vamos, Patolo".

Ambos saíram da igreja. Foram ao mesmo canto onde haviam deixado o resto da cana. Sentadinho, no melhor dos mundos, um pretinho estava saboreando a cana. Patolo viu aquilo. Olhou para a irmã e exclamou: "Foi bom. Antes assim do que aparecer um cachorro vira-lata para vir lamber a cana".

O pretinho, com dentes muito alvos, percebeu. Meio sem jeito procurou desculpar-se. Patilda cortou a conversa: "Tá certo. Fez bem. Nós já estávamos satisfeitos..."

Cumprimentaram o garoto e desceram a escadinha. Nem bem acabaram de descer, Patolo deu uma gostosa gargalhada... Ah! Ah! Ah!

A gargalhada de Patolo chamou a atenção de Patilda, que logo atalhou: "Está rindo de quê?..."

- Ainda pergunta? - respondeu Patolo - Você está sempre pronta a corrigir. Acontece que agora quem tem esse direito sou eu. Não se fala tá certo, mas está certo...

- Só por isso você faz tanto barulho? Grande coisa você descobriu...

Patolo e Patilda continuaram a caminhar. Pouco depois, ouviram um grito: "Ei, esperem um pouco..."

Era o pretinho, que estava na igreja, que vinha correndo. Chegou-se aos dois patinhos e, muito cansado, com certa dificuldade devido à corrida, falou: "Eu trouxe estas jabuticabas para vocês. Um tio meu trouxe várias cestas destas. São jaboticabas apanhadas no próprio quintal dele. Ele mora no Macuco e hoje nos veio visitar...

Estendendo a mão, ofereceu o cesto de jabuticabas ao Patolo, dizendo: "Muito obrigado pela cana que vocês me deram..." Ficou uns segundos rindo, mostrando os dentes muito alvos. Depois cumprimentou os dois irmãozinhos, virou-se e zupe!, saiu correndo. Olhou para atrás e acenou para Patolo e Patilda, que já estavam entrando nas jabuticabas.

Patolo escolhia as maiores. Pumba, uma atrás da outra, na hora. Enquanto Patilda se deliciava com uma, Patolo duas vezes metia a mão na cesta. E foi chupando jabuticabas. Andando e chupando jabuticaba. Nem falava.

Patilda, distraída, nem percebia a voracidade do irmão. Este, firme. Toma jabuticaba. A cesta ia ficando vazia. Patolo firme. Patilda caminhando, sem se aperceber que o irmãozinho, guloso, não dava trégua. Quando valtavam uns cinqüenta metros para chegar, restavam apenas quatro jabuticabas na cestinha.

Patolo ficou firme. Não disse nada. Continuou andando. Pegou uma das jabuticabas e ofereceu à irmã: "Coma, Patilda. Estão mesmo gostosas..."

Patilda, meio distraída, pegou. Chegaram em casa. Patilda foi entrando. Patolo em seguida. Pegou mais uma jabuticaba, pensando: "Esta bichinha está mesmo uma gostosura...". Foi para o quarto e guardou a cesta. Saiu depois para o quintal, onde se encontrava sua irmãzinha...

Uma galinha ciscava. Como se estivesse limpando os pés num tapete imaginário, para entrar em casa, ela removia e espalhava a terra. Numa dessas, surgiu uma minhoca. Ela, mais do que depressa, pegou a bichinha pelo bico e se pôs a andar mais velozmente. Os pintinhos correram atrás, dando pequenos pulos para alcançar a minhoca pendurada. Patolo observou a cena, e sempre com as dele, foi logo dizendo para Patilda:

- Que galinha esganada. Foge para não dar um pedacinho da minhoca para os pintinhos...

Patilda tentou defender a galinha: "Não é isso, Patolo. A galinha tem medo que os pintinhos não possam devorar a minhoca, que ainda está viva..."

- Qual nada. Com a bicada que ela deu e segurando a minhoca pela cabeça, a coitadinha está morta a estas horas. O que acontece é que a galinha é mesmo gulosa.

Enquanto conversavam, Patolo sentiu umas dorzinhas na barriga. Procurou fazer massagens... A dorzinha foi apertando. Quando ele não pôde mais, falou para a irmãzinha: "Patilda, a barriga está me doendo muito. Que será?" E correu para casa. Patilda, meio assustada, foi atrás do irmãozinho.

Este, encaminhou-se para a cama, gemendo de dor. Quando Patilda chegou, notou que seu irmãozinho estava vermelho como camarão. Observou que ele estava com febre. Lembrou-se das jabuticabas. Foi procurar a cesta. Esta continha uma frutinha só. Patilda voltou ao quarto e falou:

- Já sei por que você está doente. Foram as jabuticabas que você chupou. Quem é esganado é você e não a galinha. Esvaziou a cesta. Agora fica se queixando. O pior é que você está com febre. Vou providenciar um remédio. Mas, antes você precisa ficar sabendo que isso só acontece aos meninos gulosos. Você não se contentou com algumas jabuticabas. Quis todas. O resultado foi esse. Vai ter que entrar num laxante. E se for só isso ainda deve agradecer a Deus. O azar vai ser seu. O Natal está aí. Faltam poucos dias. Vou buscar um remédio. E assim dizendo, Patilda saiu do quarto, deixando seu irmãozinho gemendo de dor de barriga.

Com febre, Patolo tiritava de frio. Suava. Sentia a garganta seca. A vontade dele, naqueles instantes de febre, era cair numa piscina de água gelada. A barriga continuava a doer. Veio o médico. Aplicou-lhe umas injeções. Receitou-lhe alguns remédios. E deu uma ordem terminante: não saia da cama. Depois explicou: trata-se de uma intoxicação. Procurou saber "o que foi que Patolo andou comendo". E Patilda esclareceu: chupou muitas jabuticabas...

O médico olhou para Patolo e perguntou: "Não sabe quantas foram, não é assim?"

Patolo, timidamente, afirmou que foram muitas. E procurou desconversar.

- Isso não é grave. Entretanto, não abuse nunca mais, como o fez agora.

Patilda levou o médico até a porta e voltou. Não se agüentou e foi dizendo: "Por que você não contou que esvaziou a cesta? Era mais uma pessoa a ficar sabendo o quanto você é guloso... Vê se aprende, agora".

Sentou-se. Olhou para o irmãozinho. No fundo, tinha pena dele. Mas não podia dar a entender. Senão Patolo aproveitaria no futuro. Alguns minutos se passaram quando bateram à porta. Patilda foi atender. Ficou surpresa. Era o pretinho que havia ofertado as jabuticabas. Entraram ambos no quarto de Patolo.

- Como é, mano? - perguntou o simpático pretinho.

Patolo, meio sem jeito, respondeu: estou um pouco doente.

Patilda esclareceu que espécie de doença tinha seu irmãozinho O pretinho riu, mostrando os dentes muito brancos. Depois acrescentou: "Isso não é nada. Também me aconteceu. Agora eu não abuso mais de jabuticaba. E, por falar nisto, eu trouxe mais algumas..."

Aí Patilda percebeu um embrulhinho. Recebeu-o das mãos do pretinho e foi à cozinha.

O pretinho mudou a conversa: "Viu só a vitória do Santos - disse -. Êta negrinho bom, esse Pelé. É dos meus. Com ele não tem bom... A baleia enguliu o periquito. Zito e Pelé. Quando eu ouvia o rádio me lembrei de você. E pensei que você poderia ser o Zito e eu o Pelé..."

Patolo cortou: "E por que não eu o Pelé?..."

A conversa não podia ser melhor para ambos. Falou-se do jogo. Falou-se do Santos. Frases como estas saíram às dúzias: Campeões do mundo - Academia Brasileira de Futebol - Orquestra Filarmônica - Baile em grande gala...

Patolo, de quando em vez, apertava a barriguinha. Mas o resultado do jogo continuava a interessar. "Aqui em Nova Cintra todo mundo comemorou a vitória do bamba da Vila Belmiro. Soltaram fogos de monte..."

Patolo parou para tomar fôlego e virou-se para o simpático pretinho do Monte Serrate, para continuar: "Agora o que quero é ficar bom. O Natal está aí. Já não pude comemorar a vitória do Santos por causa da minha barriga..."

Patilda, que tinha escutado a frase, acrescentou: "Não foi bem por causa da sua barriga, mas, sim, por causa da sua gulodice. Vê se agora não abusa mais. Quero ver o seu comportamento na noite de Natal. Por falar nisto, nós podemos convidar o nosso amigo Jabuca para vir conosco".

E virando-se para o alegre pretinho, exclamou: "Não fique zangado por eu chamá-lo de Jabuca. É que você ainda não nos deu seu nome. Como ofereceu jabuticaba, eu, sem querer, pronunciei esse Jabuca..."

- Não faz mal - respondeu o pretinho. Eu acho até que você acertou em cheio, pois a garotada lá no Monte Serrate me chama mesmo de Jabuca...

- Por que razão, esse apelido? - pergunta Patolo.

- É que, como eu já disse, sempre que o meu tio traz jabuticabas eu ofereço aos meus amiguinhos. Quando estou com a cesta, um ou outro garoto grita de longe: "ei, Jabuca". Eles querem dizer "jabuticaba", mas acabam falando só o começo... Essa é a maneira mais prática que eles encontram de falar jabuticaba...

Jabuca se despediu, prometendo voltar na noite de Natal. Patolo continuou deitado. Patilda dava-lhe o remédio com  pontualidade e seu irmãozinho, no desejo de ficar bom, tomava.

Passaram-se uns dias. Chegou o Natal. As estações de rádio tocavam discos referentes à maior festa da Cristandade. Patolo, contente e feliz por estar bom, deu umas voltinhas. À noitinha, apareceu Jabuca. A mesa estava posta. Uma árvore de Natal, em miniatura, estava armada. Patolo, com muita arte, ajudado pela Patilda, colocou-lhe umas velinhas. Sentaram-se à mesa. A bóia era diferente, reforçada. Dava água na boca... Guaranás estavam dando sopa...

Jabuca estava, no começo, meio sem jeito. Mas Patilda, muito viva, pôs o simpático garoto à vontade. Começaram a comer. Os guaranás, geladinhos, desciam bem pela garganta. Patolo, Patilda e Jabuca estavam felizes. Aliás, toda a Humanidade parecia estar feliz.

Conversavam sobre vários assuntos. Como não podia deixar de ser, falaram em Papai Noel. E Jabuca não se conteve: "Sabe, eu escrevi uma cartinha para Papai Noel, pedindo uma bola. A minha irmãzinha queria uma boneca. Fizemos, então, uma só carta. O titio estava em casa e se encarregou de levar a carta ao Correio. Estamos esperando a resposta. Estou até com vontade de ficar acordado a noite toda para ver quando o Papai Noel chegar..."

- O Patolo este ano não vai ganhar nada - disse Patilda, que acrescentou: quando eu escrevia para Papai Noel, ele disse que só queria ficar bom. Ora, se ele está bom, o presente não virá...

- Não importa - disse Patolo -. Se Papai Noel for camarada ele me trará também qualquer brinquedo. Se não trouxer eu não ficarei zangado. Estou satisfeito por não precisar tomar mais remédios. Já estou curado. Estou comendo e bebendo. Ainda tive tempo de armar a árvore de Natal que o Lobo fez na A Tribuninha. Ficou bacana, não ficou, Jabuca?

- Tá mesmo bacana, respondeu o alegre menino. Eu não armei a árvore desenhada porque senão ficava sem a coleção da A Tribuninha, que estou fazendo. E o titio nos disse que traria uma. Assim, não cortei o meu jornalzinho.

Pegando num copo de guaraná, Patolo ergueu-se e disse, brindando: "Viva Papai Noel, Viva o Menino Jesus. Viva o Santos F. Clube, campeão de 1960..."

- Viva-ô-ô-ô-ô - responderam Patilda e Jabuca.

Lá fora, os sinos da capela lembravam a grande data.

Era festa na terra e festa no céu. A chuva havia parado. Uma ou outra estrela surgia, tremeluzindo no firmamento negro.

Patolo, Patilda e Jabuca viviam uma grande noite. Uma noite que recorda o Deus feito Homem, que veio redimir a Humanidade... Que ensinou o caminho da bondade e do perdão... O Homem simples, com apenas uma túnica mas que domina, não obstante a época em que viveu, os destinos dos homens. Ele que nos oferece sempre uma noite de paz e amor...