IV – Comentários
Confirmando o conceito geral nosológico dos recrudescimentos cíclicos das
moléstias infecciosas, ocorreu no estado de São Paulo, nos anos de 1940-1941, um surto de malária de proporções jamais observadas.
O número de doentes, somente os atendidos pelo Serviço de Profilaxia da
Malária, foi além de 180.000.
Este número deve ser muito mais elevado, pois, certamente, não foi possível
socorrer toda população vítima da parasitose espalhada em milhares de quilômetros quadrados, onde nem sempre podiam chegar os médicos e enfermeiros
incumbidos de assisti-la.
Foi possível verificar esse ciclicismo no estado de São Paulo, em vista das
estatísticas do Serviço de Profilaxia da Malária, cuja existência data do ano de 1932.
Os dados estatísticos nos dão notícias de ascensões da curva da
morbilidade da malária no ano de 1935, quando o surto atingiu de preferência as populações do litoral, e nos anos de 1940-1941, quando o fenômeno se
repetiu, atingindo não só o litoral como, principalmente, as populações do planalto, na zona Sul do estado. Estes fatos fizeram com que fossem
rememorados os ensinamentos do sábio mestre Angelo Celli [39] :
"É
notório que todas as moléstias epidêmicas, tanto nas plantas como entre animais, ficam sujeitas a oscilações periódicas, e que a malária não foge a
esta lei biológica, geral. Em todas as épocas, a história deixou-nos recordações de semelhantes acontecimentos que os pósteros atribuíram a um gênio
epidêmico mas, nos últimos tempos, desde que passamos a coligir regularmente as estatísticas da morbilidade pela malária, podemos estudar mais de
perto um fenômeno tão interessante, sob o ponto de vista científico e prático".
E o mesmo mestre, continuando sua sábia lição, nos esclarece:
"...
as oscilações da malária não são acidentes, mas regulam-se por uma lei, a lei universal do ritmo".
A cidade de Santos não podia deixar de sofrer a influência dessa oscilação
rítmica da morbilidade malárica.
O aparecimento de tantos casos nos registros de nossos postos de assistência,
nos ambulatórios da Cruz Vermelha e Santa Casa e as numerosas notificações dos laboratórios clínicos, ofereceram elementos de real interesse para
uma investigação epidemiológica desse recrudescimento da endemia. Colhidos os primeiros e importantes dados estatísticos em 1940-1941, protelou-se a
sua publicação para serem apurados os elementos indispensáveis a elucidar e autenticar a malária autóctone de Santos. Desse modo, avolumaram-se os
elementos e desdobram-se os assuntos com pesquisas e estudos epidemiológicos, dando origem, também, às considerações que ora são objeto deste
trabalho.
Embora já tenha tratado da localização dos casos de malária em Santos no
capítulo referente à "Malária",distribuindo-os pelas zonas em que arbitrariamente foi dividida a cidade, para demonstrar o seu autoctonismo, será
recapitulado, agora, o seu passado malárico, a partir de 1940, ano a ano, para observação da curva endemo-epidêmica.
Em 1940, foram assistidos pelos postos de assistência do Serviço de Profilaxia
da Malária 690 enfermos residentes no município e cidade de Santos. Conseguiu-se 238 enfermos, residentes na cidade, e distribuí-los pelos seguintes
bairros:
Ponta da Praia |
73 |
Morro de São Bento |
13 |
Morro do Pacheco |
14 |
Morro da Penha |
46 |
Morro do Fontana |
3 |
Saboó |
84 |
Nova Cintra |
5 |
Além desses doentes, receberam-se 600 notificações, e os inquéritos
epidemiológicos revelaram que 274 pessoas eram portadoras de malária autóctone de Santos e que 326 haviam contraído a doença fora da cidade. Desses
274, puderam ser localizados, na parte central da cidade, 85 doentes assim distribuídos:
Ruas São Leopoldo, Marquês de Herval (entrada da cidade) – 9 doentes; Xavier da
Silveira e São Francisco (ambas próximas ao cais) – 15 doentes; Vila Matias entre as avenidas Conselheiro Nébias e Ana Costa – 12 doentes; entre as
avenidas Ana Costa e Bernardino de Campos – 10 doentes; Campo Grande e Marapé – 12 doentes; entre o Gonzaga e o José Menino – 5 doentes; Macuco e
Ponta da Praia – 21 doentes.
Em 1941, o número de doentes, atendidos pelos postos de assistência, atingiu a
2.095 residentes no município e cidade de Santos, além de 669 notificações. Dos 2.095 doentes tratados pelos postos, 261 residiam na cidade, e 1.834
provinham de localidades vizinhas. Dos 669 casos notificados, apurou-se serem 103 autóctones da cidade de Santos e 566 importados. Os casos
autóctones foram localizados nas seguintes ruas:
São Leopoldo e Marquês do Herval, 26; Xavier da Silveira e São Francisco, 14;
Vila Matias, 6; entre as avenidas Conselheiro Nébias e Ana Costa, 7; entre as avenidas Ana Costa e Bernardino de Campos, 6; Campo Grande e Marapé,
7; Macuco e Ponta da Praia, 37.
Em 1942 houve sensível decréscimo no registro de casos e notificações de
malária. Em todo o município foram registrados, apenas, 108 casos de malária.
Em 1943, o decréscimo de casos de malária ainda foi maior, atingindo somente a
43 casos de malária autóctone da cidade de Santos.
Em 1944, foram averiguados, apenas, 11 casos de malária autóctone de Santos,
além de 84 casos notificados, dos quais apenas 4 eram autóctones da Ponta da Praia, sendo os demais de procedência estranha.
Em 1945, verificou-se ponderável aumento de doentes residentes na cidade,
atingindo a 83 doentes assistidos e 210 notificações. Das notificações conseguimos, por meio dos inquéritos epidemiológicos, elucidar a procedência
de 26 casos autóctones: 22 infecções primárias e 4 secundárias. Esses 26 doentes foram distribuídos pelas ruas abaixo, residindo um doente em cada
um das seguintes ruas:
São Leopoldo, Soares de Camargo (Cons. Nébias), Padre Anchieta, Visconde de
Farias, Senador Feijó, Av. Francisco Glicério (E.F.S.), Benjamim Constant, Paraná, Av. Pedro Lessa (E.F.S.), Afonso Pena,
Pedro I (E.F.S.), Visconde de Embaré (entrada da cidade), Projetada n. 223 (Macuco), Tiradentes (Campo Grande), Carvalho de Mendonça (Campo Grande),
Marquês de Herval (entrada da cidade), Uruguai (Mercado), Santos Dumont (E.F.S.), Gaspar Ricardo (E.F.S.), Cunha Moreira, Silva Jardim (cais),
Paranapiacaba (E.F.S.), Av. Conselheiro Rodrigues Alves (E.F.S.), Evaristo da Veiga (E.F.S.). Na Av. Conselheiro Nébias, dois doentes.
Em 1946, foram registrados 62 casos de malária nos postos de assistência, além
de numerosíssimas notificações. Os inquéritos epidemiológicos evidenciaram 26 casos de malária autóctone primitiva e 18 secundários.
Distribuídos pelos bairros do Marapé, 3 doentes; nas ruas adjacentes à E. F.
Sorocabana, 6; morros de São Bento e Penha, 4 doentes; entrada da cidade, 6 doentes; Macuco, 1 doente; zona central (Cons. Nébias), 4 doentes;
Jabaquara, 1 doente; Ponta da Praia, 1 doente.
Ficou sobejamente provado com anotações entomológicas e com casuística
devidamente esmiuçada pelos inquéritos epidemiológicos, que existe malária autóctone na cidade de Santos. No decorrer dos inquéritos epidemiológicos
surgiram infecções maláricas, cujas origens só pudessem ser investigadas através de hipóteses variadas capazes de levar às fontes de transmissão.
Isso se dá nos casos em que nem os hábitos nem as residências dos doentes condizem com a realidade da infecção malárica, adquirida aparentemente no
perímetro urbano indene de transmissores autóctones.
Em face dessas circunstâncias, será passada revista à situação epidemiológica
de numerosos pontos próximos e longínquos da cidade, onde fácil se torna, segundo o pensar de um dos autores, infectarem-se os viandantes que a
demandam ou dela se apartam.
Quando se lança um olhar sobre os mapas do município de Santos e do litoral Sul
e Norte, torna-se evidente que a cidade está cercada de ótimos reservatórios de vetores e doentes, com as melhores oportunidades para a importação
de anofelinos e doentes, fontes de infecção perenes, para os numerosos transeuntes.
Pela Via Anchieta entram diariamente na cidade ou dela
se apartam, em ônibus, autos e auto-caminhões, milhares de passageiros que correm o trecho da Baixada Santista onde, em 9 quilômetros, se encontra
numerosa população espalhada pelos terrenos marginais, cercados de pântanos, mangues e bananais, viveiros do A. (N.) tarsimaculatus, a qual
paga pesado tributo à malária.
As principais localidades ou povoados aí encontrados, que forneceram aos nossos
postos de assistência uma clientela numerosa e infalível todos os anos, são: Saboó, Avenida Bandeirante, Alemoa, Casqueiro e Cubatão. De 1940 a
1946, foram atendidos 3.252 enfermos assim distribuídos: Saboó, 306; Av. Bandeirante, 441; Alemoa, 395; Casqueiro, 100; Cubatão, 2.000. No decorrer
deste ano de 1947 está grassando no Distrito de Paz de Cubatão um surto de malária de proporções assaz
importantes.
Não só na baixada da Via Anchieta se corre o risco de contrair a malária, como
na parte elevada essa possibilidade também existe, embora em menor proporção.
Na Serra do Mar, Corrêa [20
a] realizou pesquisas interessantes, que trazem confirmação às hipóteses epidemiológicas levantadas por Lutz
[44] em 1903, concernentes à transmissão da malária pelo A. cruzii,
quando trabalhou nesta região.
Seus estudos foram levados a termo em derredor de "acampamentos" na Via
Anchieta, os quais ainda hoje subsistem transformados em pequenos povoados. Para melhor esclarecer este aspecto epidemiológico, damos a palavra a
este autor, que assim concluiu:
"Em
uma região florestal montanhosa, onde se nota numerosa e luxuriante flora de bromélias arborícolas e que compreende um dos setores da nova rodovia
em construção, denominada Via Anchieta, a qual une as cidades de São Paulo e Santos, justamente entre as cotas altimétricas 020 e 500, foi
verificada a incidência de duas espécies de anofelinos: A. (K) cruzii (D. K., 1902) e o A. (A) eiseni (Coq. 1902). A última foi
assinalada unicamente na sua fase larvária. Atingiu a 202 o número de exemplares adultos de A. cruzii capturados com isca humana, tanto na
intimidade das matas como na periferia das casas. Na cota altimétrica 400, no interior da mata que dista 50 metros de um acampamento no qual se
verificaram casos primitivos autóctones da malária e de onde se isolaram portadores de gametócitos, foram capturados 125 exemplares desse anofelino,
tendo sido dissecados 75, dos quais 3 se apresentaram naturalmente infectados com Plasmodium sp. Os 3 mostraram oocistos no estômago e um
deles acusou esporozoitos nas glândulas salivares..."
Até pouco tempo, na raiz da Serra, na Estrada Velha, havia um posto de
fiscalização, onde eram obrigados a parar todos os veículos que demandassem Santos ou São Paulo. Os veículos, às vezes, permaneciam 5 a 10 minutos
parados, podendo receber a visita dos anofelinos, que não só picariam os passageiros como poderiam ser carregados para os centros residenciais das
citadas cidades.
Na Estrada de Ferro São Paulo-Jundiaí (antiga
S.P.R.), encontra-se a Estação de Piassaguera, na raiz da serra, onde os trens são obrigados a paradas
demoradas, possibilitando a invasão dos carros e conseqüente ataque aos passageiros pelos vetores da malária. Naquela localidade, em 1941,
realizou-se (Coda [41]) um inquérito epidemiológico, quando foram
examinadas as 476 pessoas da sua população total. No ano do inquérito adoeceram 243 pessoas com malária. Anteriormente, 29 já haviam adoecido, o que
deu a percentagem de 57% de casos autóctones.
O índice esplênico foi de 25,6; o índice parasitário acusou 8,7 e o índice
endêmico de Rosas atingiu a 28,5. Em diversos focos foram coloridas larvas e capturados em domicílio 12 exemplares do A. (N) tarsimaculatus.
Nos anos seguintes, até 1946, aquele povoado ferroviário forneceu 145 doentes de malária; deve ser esclarecido que, em se tratando de operários e
famílias atendidos pela Caixa dos Ferroviários, muitos doentes devem ter escapado ao controle do Serviço de Profilaxia da Malária.
Na região de Piassaguera e Cubatão, há uma intensa
exploração de areias próprias para construção. O transporte dessa areia é feito em grandes chatas que aportam
geralmente ao local denominado boquete do Macuco, ou Praça Dr. Guilherme Alvaro, uma das saídas do Canal IV ou
Av. Siqueira Campos. É comum apresentarem-se os homens que se dedicam a esse mister atacados pela malária; na localidade acima mencionada, onde as
barcas fazem seu ponto de descarga, também são comuns os casos de malária autóctone nos moradores vizinhos, e têm sido capturados exemplares de
anofelinos.
Em frente ao cais de Santos estão situadas três
localidades malarígenas. A primeira é uma pequena ilha (Ilha Barnabé), onde se acham os grandes depósitos de petróleo da
C.D.S. (N.E.: Companhia Docas de Santos, antecessora da atual administradora
do porto, Codesp). Nessa ilha foram colhidas larvas e capturados exemplares do A. (N.) tarsimaculatus. Embora
não haja residência na ilha, os trabalhadores e vigias constantemente contraem malária; tivemos notícia de 12 pessoas que adoeceram naquela
localidade no período de 1940 a 1946. Essa ilha fica próxima ao cais de Santos e da estação terminal da E.F.S.J. (S.P.R.), podendo, os mosquitos
nela criados, atingir a cidade em vôo curto.
As outras duas localidades fronteiriças ao cais de Santos e dela separadas,
apenas, pelo estreito canal do Estuário, são Bocaina e Itapema.
No bairro de Bocaina está situada a Base Aérea
de Santos. As duas localidades citadas são altamente malarígenas e ligam-se a Santos por barcas, que transportam numerosa população proletária
que, trabalhando em Santos, nelas reside. Nos seus terrenos baixos e alagadiços, recortados de valas e pontilhados de depressões recobertas de
vegetação rasteira, foram colhidas e identificadas diversas espécies de anofelinos, entre as quais o A. (N.) tarsimaculatus. Este transmissor
foi encontrado em domicílio, principalmente nos alojamentos dos praças da Base Aérea. Nos anos de 1940 a 1946, foram atendidos 955 casos de
malária primitiva e 996 secundários.
De 1943 em diante deixamos de controlar essas localidades por terem passado
para a esfera do Serviço Nacional de Malária, motivo pelo qual os dados sobre os doentes, a partir dessa data, foram colhidos nas notificações
recebidas. Somos sabedores, também, de que no ano de 1947 grassou intenso surto na localidade de Itapema.
Paralelas ao cais ou desembocando nele, temos as ruas Xavier da Silveira,
General Câmara, João Pessoa, São Francisco, Cochrane, onde se assinalam esporadicamente casos de malária que os inquéritos epidemiológicos acabam
confirmando como autóctones. Realmente, além da possibilidade de serem os mosquitos trazidos nas embarcações que fazem o tráfego entre as margens do
estuário, com facilidade podem eles flanquear aquela distância, que não ultrapassa 400 metros. Isto foi provado de modo indireto quando, por ocasião
da II Guerra Mundial, diversos tripulantes de cargueiros beligerantes ou de nações ocupadas, ancorados no meio do estuário, contraíram a malária.
Passando em frente à Bocaina e, serpeando por um estreito canal de cerca de 20
quilômetros, atinge-se a bela praia da Bertioga, onde, além de bons hotéis, erguem-se aprazíveis vivendas
para as quais regular população de forasteiros aflui todos os fins de semana à procura de descaso. A população local e a população flutuante
atingem, aproximadamente, a um milheiro de pessoas. Nos anos de 1940 a 1946, forneceu 160 enfermos para os registros do Serviço de Malária. Naquela
localidade há a possibilidade de ser contraída a malária, bem como no trajeto através do canal, visto como foram identificadas várias espécies de
anofelinos, entre elas o A. (N.) tarsimaculatus, transmissor do litoral.
Na Ilha de Santo Amaro existem diversas localidades, como Guarujá e outras
praias habitadas, que, pelas paisagens, atraem os forasteiros. Nessa ilha foram identificadas as seguintes espécies de anofelinos: tarsimaculatus,
strodei, oswaldoi, intermedius, eiseni, cruzii, bellator, kompi, mediopunctatus.
No decorrer dos anos de 1940 a 1946, foram atendidos 4.773 habitantes dessa
ilha.
O mais próximo foco de malária de Santos é São Vicente.
Essa cidade está separada de Santos apenas por limites geográficos convencionais, não havendo solução de continuidade nas ruas que lhes dão acesso
nem nas residências, que são contíguas. É bem verdade que na cidade de São Vicente, propriamente dita, há malária autóctone, porém o número de casos
é reduzido; o maior contingente de doentes provém dos bairros suburbanos, onde reside uma população maior de 10.000 almas que, na sua maioria,
trabalha em Santos.
Além da possibilidade de indivíduos portadores de gametócitos oriundos de São
Vicente se transformarem em fontes de infecção – para os moradores de Santos, onde existem anofelinos vetores -, muitas pessoas residentes em Santos
adquirem malária quando passeiam na vizinha cidade. Nesse município foram identificadas espécies de anofelinos, predominando o A. (N.)
tarsimaculatus, transmissor, por excelência, no litoral.
De 1940 a 1946 foram matriculados e rematriculados nos postos de assistência do
Serviço de Profilaxia da Malária, como doentes procedentes do município de São Vicente, nada menos do que 11.773 doentes.
Além desse elevado número de enfermos e de uma abundante fauna anofelínica
existente nas suas vizinhanças, Santos ainda está em contínuo intercâmbio com as cidades, povoados, estações e paradas do ramal
Santos-Juquiá da Estrada de Ferro Sorocabana. Desde São Vicente até Juquiá, as margens da estrada de ferro estão repletas de focos larvários de
anofelinos, onde foram identificadas espécies transmissoras de anofelinos, principalmente o A. (N.) tarsimaculatus, até
Peruíbe, e o A. (N.) darlingi em Juquiá.
Com uma fauna abundante como a que se depara naquelas localidades, nada mais
fácil do que a importação de anofelinos nos carros de cargas e passageiros. Um dos autores (Coda) realizou numerosas pesquisas nos carros, obtendo
apenas um exemplar de A. mediopunctatus.
Provêm dessa região grandes carregamentos de cachos de bananas. As galeras que
fazem o transporte dessa fruta permanecem horas e dias nas paradas e desvios da estrada. Daí, a possibilidade de abrigarem os mosquitos
transmissores, principalmente na hora em que se faz o carregamento. Os cachos da fruta são protegidos e separados das paredes dos carros por
abundante folhagem de bananeiras, acreditando-se que no momento da descarga dos carros, em Santos, ao ser retirada essa folhagem, escapem os
anofelinos, indo povoar os terrenos e residências vizinhos ao ponto da descarga, o que explica o grande número de capturas negativas realizadas
nesse gênero de composição ferroviária.
Acredita um dos autores (Coda) que a maioria dos casos de malária registrados
nas imediações do leito férreo que atravessa a cidade, e no cais, em seu ponto terminal, tenham suas origens nos anofelinos trazidos de permeio com
a carga, ou já procriados de suas oviposições em focos sabidamente existentes e numerosas vezes assinalados nos terrenos circunvizinhos.
Chama-se mais uma vez atenção para a Ponta da Praia, onde aportam e descarregam
os barcos de pesca provenientes de todas as praias do litoral do estado e de estados vizinhos, onde, é sabido, reina endemicamente a malária,
podendo esses barcos funcionar acidentalmente como abrigos e transporte de anofelinos.
Durante a guerra, um dos autores (Coda [40])
teve a oportunidade de constatar, num navio procedente da África, que 14% de sua tripulação estava atacada de malária. O interessante é que a
tripulação permaneceu a bordo e o navio ancorou a uma milha da costa do continente negro, no porto de Freetown.
Não foram encontrados anofelinos no cargueiro inglês, que tinha todas as vigias teladas; contudo, eles puderam chegar até à embarcação, quando
ancorada naquele porto africano, e infectar a marinhagem. Há, pois, evidente possibilidade de importação de doentes e anofelinos por essa via, e
muitos dos casos da faixa do cais de Santos poderão ser filiados a vetores alienígenas.
Com referência aos anofelinos, é de se frisar o reduzido número de exemplares
de tarsimaculatus obtidos nas capturas domiciliares, o que não condiz com os seus numerosos criadouros, encontrados desde a orla marítima até
às encostas dos morros, praticamente disseminados em toda área da cidade.
Isto, talvez, tenha explicação, primeiro, na maneira pela qual foram conduzidos
os trabalhos, pois as capturas se realizaram somente nas primeiras horas da noite e entre 8 e 9 horas da manhã, não se sabendo sobre sua permanência
nos domicílios, no decorrer de todas as horas da noite, e até o amanhecer; segundo, estendendo-se a cidade numa grande área, onde existem numerosos
terrenos baldios recobertos de vegetação, fácil se lhes torna encontrar abrigo e espalhar-se por entre milhares de casas.
Não é de se crer que os animais constituam qualquer barreira, desviando-lhes a
atenção para este gênero de alimento, pois as capturas nos estábulos, conquanto fornecessem bom número de intermedius, foram muito pobres em
relação a tarsimaculatus.
Somente pesquisas sistemáticas, com o fito especial de estudar a ecologia da
espécie na localidade, permitiriam elucidar o problema. Não foi possível, nas observações em que se baseiam estas notas, maior apuro em conduzir as
pesquisas, reconhecendo os autores essa falha, que, infelizmente, não lhes foi possível contornar.
Resta ainda a idéia de que o tarsimaculatus ataca o homem fora das
habitações; são conhecidos os hábitos avoengos das nossas populações de costumes mais modestos, principalmente nas cidades do interior, de
permanecer à porta das suas casas, em busca de refrigério contra o calor e a calmaria sufocante das noites de verão. Nesta ocasião pode-se oferecer
a oportunidade de se infectarem, como já tem acontecido em outras localidades. Cumpre ser relatado o fato de um dos autores (Coda) ter sido picado
às 10 horas da noite, em São Vicente, quando fazia investigações nas paredes externas de residências de doentes, e apresentar-se com malária, após o
período de incubação.
Deve ser ainda acrescentado que Santos é cidade inteiramente cercada por
zonas malarígenas: São Vicente, onde grande é a incidência de casos de malária, não chega a separar-se daquela cidade, pois são ligadas por avenidas
que ostentam casa em toda sua extensão; Itapema, a 500 metros do cais, do outro lado do canal, na Ilha de Santo Amaro, é altamente palúdica, segundo
S. Pinto [42]; Cubatão, a 12 quilômetros, na estrada de rodagem São
Paulo-Santos, e passagem obrigatória de veículos que transitam entre o porto e a capital, é, igualmente malarígena.
O tarsimaculatus vive nesses pontos e facilmente poderá ser carregado
para o centro urbano de Santos.
Dentre as espécies encontradas, cruzii e bellator são excelentes
transmissoras, porém nada significam para a localidade, considerando-se epidemiologicamente, em virtude da sua raridade.
Das outras espécies, strodei, oswaldoi, noroestensis,
argyritarsis, albitarsis, intermedius, maculipes, mediopunctatus e eiseni, pouco se sabe no tocante à sua
importância como vetores, sendo considerados não transmissores. Os meses de maior incidência dos anofelinos, de modo geral, são de dezembro a abril,
coincidindo com o maior recrudescimento da endemia. |