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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - BIBLIOTECA - C.SANITÁRIA
A campanha sanitária de Santos - Malária (7)


Em 1947, David Coda e Alberto da Silva Ramos, do Serviço de Profilaxia da Malária do Estado de São Paulo, publicaram este estudo, na forma de uma separata dos Arquivos de Higiene e Saúde Pública, publicação da Diretoria Geral do Departamento de Saúde do Estado de São Paulo – Ano (Vol.) XII – 1947 – Nums. 31-32-33-34 – páginas 63 a 104.

O trabalho foi impresso na Indústria Gráfica de José Magalhães Ltda., de São Paulo, e um exemplar foi cedido a Novo Milênio para digitalização, pela Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, em maio de 2010:

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A Malária na Cidade de Santos

David Coda e Alberto da Silva Ramos - 1947

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III – Malária

d) Os anofelinos

São as seguintes as espécies de anofelinos assinaladas em Santos anteriormente, e no decorrer das pesquisas em que se baseiam estas notas:

Nyssorhynchus

tarsimaculatus (Goeldi, 1905)

oswaldoi (Peryassú, 1922)

strodei (Root, 1926)

noroestensis (Galvão & Lane, 1938)

albitarsis (Arribalzaga, 1878)

argyritarsis (Rob. & Desv., 1827)

Anopheles

intermedius (Chagas, 1908)

mediopunctatus (Theobal, 1903)

Shannonsia

mediopunctatus (Theobal, 1903)

Anopheles

eiseni (Coquillet, 1902)

Kerteszia

cruzii (Dyar & Knab, 1908)

bellator (Dyar & Knab, 1906)

Os primeiros estudos sobre os anofelinos da cidade de Santos são relatados por Lutz em 1907, onde são mencionadas as espécies "Myzomya lutzi, Theo., Cyclolpteron mediopunctatus Theo. e Cellia albipes Theo.", de conformidade com Peryassú [35]. Myzomyia lutzi passou a denominar-se Anophles (Kerteszia) cruzii Dyar & Knab, 1909; Cycloppteron mediopunctatus foi incluído no sub-gênero Shannonesia (Fonseca & Ramos, 1940); Cellia albipes é sinônimo de Anopheles (Nyssorhynchus) tarsimaculatus (Goeldi, 1905), espécie comumente encontrada na localidade.

Em 1909 Guilherme Álvaro [3] faz referências a anofelinos desta cidade, mas sem discriminar espécies.

Prado [36], em 1927, encontrou A. argyritarsis e A. tarsimaculatus. Naquela época, sta última espécie não era bem caracterizada, e assim sendo, todos os anofelinos do sub-gênero Nyssorhynchus que apresentavam anel negro no 5º tarso posterior eram confundidos com tarsimaculatus. O autor deveria ter realmente deparado com esse anofelino, pois se refere aos seus criadouros situados nas imediações dos grandes mangues influenciados por marés.

Ramos [27], estudando tarsimaculatus e oswaldoi das localidades da beira-mar no estado de São Paulo, assinalou essas espécies na cidade de Santos.

Corrêa & Ramos [23] referem-se albitarsis, tarsimaculatus, strodei, intermedius, oswaldoi, noroestensis e cruzii para essa localidade.


Constituem estas notas o relato das observações levadas a efeito em vários pontos da cidade, onde foram encontradas as espécies tarsimaculatus, oswaldoi, strodei, albitarsis, argyritarsis, intermedius, mediopunctatus, eiseni, cruzii e bellator.

No local denominado Ponta da Praia tornou-se necessário maior número de pesquisas em virtude de ser, pela sua situação e fatores de ordem econômica, mais atingido pela endemia.

O material colhido era examinado no laboratório da sede da Região de Litoral do Serviço de Profilaxia da Malária, em São Vicente, e também na Seção de Entomologia da sede do serviço, na Capital. A relação numérica das pesquisas de focos larvários e das capturas dos alados tem a seguinte distribuição:

Pes. focos larvários 1945 1946 1947
positivos 70 142 3
negativos 2.563 6.110 397
Capt. domiciliares      
positivas 0 28 17
negativas 309 871 228
Capt. vagões passageiros (E.F.Sorocabana)      
positivas 0 1 0
negativas 695 865 0
Capt. vagões carga      
positivas 0 0 0
negativas 718 879 99
Capt. isca humana      
positivas 1 1 0
negativas 6 5 0
Capt. em estábulos      
positivas 0 33 14
negativas 0 32 24

1. Anopheles tarsimaculatus (Goeldi, 1905)

(= A. aquasalis, Curry, 1932)

Este perigoso vetor de malária possui larga distribuição geográfica que, de acordo com Russell, Rozeboom & Stone [25], abrange a costa atlântica, desde Nicarágua até o Sul do Brasil.

É seu habitat, segundo os autores, a faixa de terras baixas do litoral influenciadas por marés, tendo-se sempre em vista sua preferência pelas águas com certo teor salino.

Uma exceção ao costume halófilo de tarsimaculatus é relatada por Downs, Gillette & Shannon [18], que depararam com as larvas desse anofelino em criadouros de água doce, e a 10 milhas para o interior, na Ilha da Trindade. Lamentavelmente não se referem à dosagem dos cloretos nas águas de tais criadouros, e tampouco à altitude na zona pesquisada.

Ao longo da costa brasileira, sua dispersão é registrada por vários autores: Galvão, Damasceno & Marques [22] e Deane [26], no Pará; Lucena [19] nos estados do Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas; Causy, Dean & Deane in Lucena [19], no Maranhão e Ceará; Coutinho [31] no Espírito Santo e Rio de Janeiro; Ramos [27] e Corrêa & Ramos [23] no Estado de S. Paulo.

Nesta região do país, estes últimos autores, ao fazerem a distribuição geográfica da espécie, restringem sua disseminação à baixada litorânea. Isto permanece inalterável, pois até o presente não foi tarsimaculatus assinalado fora daquele limite.

Muito recentemente, em 1946, valiosa contribuição é trazida por Lucena [19] para o estudo da biologia desta espécie. "O A. tarsimaculatus não é uma espécie puramente litorânea", diz este autor, que a encontrou vivendo normalmente até à distância de 252 km do litoral e 750 metros de altitude, no Nordeste brasileiro. Todavia, condiciona este novo habitat à presença do sal, que se dilui nas águas, que constituem seu criadouro. Alargam-se por esta forma os conhecimentos sobre os hábitos deste importante anofelino.

Em Santos desenvolvem-se muito bem as larvas desta espécie nas plantações de banana, ao longo das valas de dessecação.

Seus focos espalham-se por toda a área da cidade e são constituídos por valas, poços, lagoas, depressões de casco de animal, porém sempre em terras influenciadas pela proximidade do mar.

As larvas foram encontradas em maior número durante o período de dezembro a abril.

Quanto à concentração de cloretos nas águas de seus criadouros, em 220 dosagens, foi verificado desde 0,040 g até 0,86 g por mil.

Capturas domiciliares – Capturas em número de 1.180 foram realizadas no interior dos domicílios, com 45 positivas, sendo obtidos 40 exemplares desta espécie. O total de anofelinos capturados foi 64, com a percentagem de 62,5% para tarsimaculatus.

Capturas em abrigos de animais – Foram efetuadas 47 capturas em estábulos, sendo coletados 653 anofelinos dentre os quais 26 de tarsimaculatus. Convém frisar que para 62,5% de tarsimaculatus nas capturas domiciliares, foram obtidos 3,9% nas capturas em estábulos, notando-se que as habitações estavam distantes apenas alguns metros daqueles.

Infecção natural – Em 40 dissecações de exemplares capturados nos domicílios, foi visto um estômago com oocistos de parasita malárico, portando na proporção de 2,5%.

2. Anopheles oswaldoi (Pryassú, 1922)

Esta espécie parece não demonstrar grande exigência na escolha dos criadouros. Assim é que são encontradas quer juntamente com strodei, em focos de água doce, quer em companhia de tarsimaculatus e intermedius, nas águas de elevado teor salino. Suas larvas foram coletadas em valas, escavações, lagoas e pequenas depressões de terreno.

Hábito dos adultos - Galvão [21], Ramos [27], Corrêa & Ramos [24], Coutinho & Ricciardi [30], verificaram sua pequena incidência domiciliar na orla litorânea do estado de São Paulo, evidenciados, porém, seus hábitos zoófilos. Em Santos, ele compareceu em número de 14 ou 21,9% dentre os 64 anofelinos obtidos nas capturas domiciliares, e 49 ou 7,2% dos 676 exemplares capturados em estábulos.

Dissecações – Foram efetuadas dissecações em 10 exemplares capturados em domicílios, com resultados negativos. Não obstante sua capacidade para infectar-se com o parasita malárico, de acordo com Fonseca & Fonseca [29], não é tida pelos autores como espécie vetora.

3. Anopheles strodei (Root, 1926)

É fato conhecido que este anofelino vive em quase todas as coleções hídricas onde se desenvolvem as larvas de outras espécies, desde a beira do mar até os píncaros das serras.

Foram seus focos assinalados desde as proximidades da praia até a encosta dos morros, na quase totalidade dos criadouros observados.

Não é considerado, por muitos autores, como transmissor de malária, porém alguns o julgam vetor de importância secundária, pelo fato de haver sido encontrado naturalmente infectado na proporção de 1,2%, no município de Marília (est. de S. Paulo), por Corrêa [20].

4. Anopheles albitarsis (Arribalzaga, 1878)

As larvas desta espécie foram coletadas em reduzido número, sendo seus focos escavação, vala e lagoa.

Com relação aos adultos, grande é a discordância de seus hábitos. No planalto do estado, tanto quanto nesta localidade, ele é destituído de valor epidemiológico; no entanto, segundo Schiavi [37], é o transmissor em Iguape, situada no litoral Sul do estado de São Paulo, onde revela hábitos acentuadamente domiciliares.

Coutinho [17] observou seus hábitos domésticos, destacando-se como o maior transmissor de malária na Baixada Fluminense. Em Santos, no decorrer das pesquisas, uma única vez foi capturado um adulto em parede externa, no centro residencial.

5. Anopheles argyritarsis (Rob. & Desv., 1827)

Apenas em duas ocasiões foram encontradas larvas de argyritarsis; os criadouros eram uma valeta e uma pequena depressão de terreno. Nestes focos a dosagem de cloretos revela 0,055 g por mil.

Quanto à sua capacidade como transmissor de malária, é assunto ainda obscuro.

6. Anopheles intermedius (Chagas, 1908)

De hábitos extremamente zoófilos, é ele capturado abundantemente nos estábulos. Em reduzido número foi encontrado freqüentando domicílios.

O número de exemplares nas capturas assim se distribui:

Capturas

Estábulos Domicílios
% %
598 88,3 10 15,6

É considerado anofelino de nenhuma importância epidemiológica, porém deve ser registrada sua grande incidência na localidade.

Suas larvas vivem juntamente com tarsimaculatus ao longo de mangues e brejos, registrando-se, também, sua presença em escavações, valas, lagoas e pequenas depressões do terreno. Foram encontradas larvas desta espécie numa lagoa no topo de morro Nova Cintra.

As dissecações de cinco exemplares, dentre os capturados nos domicílios, foram negativas.

7. Anopheles mediopunctatus (Theobald, 1903)

Pouco freqüente na localidade, compareceram apenas três exemplares em capturas efetuadas nos estábulos. Também num vagão de passageiros, que acabava de chegar à Estação da E. F. Sorocabana, foi capturado um exemplar.

Este anofelino não é considerado transmissor de malária; aliás, pouco se sabe de sua biologia.

8. Anopheles eiseni (Coquillt, 1902)

Foram coletadas 20 larvas numa fonte situada na encosta do morro Marapé.

Os criadouros desta espécie no estado de São Paulo têm sido verificados sempre em águas limpas, fontes e olhos d'água, localizados nos sopés e encostas dos morros.

Corrêa & Ramos [24] verificaram, em Guarujá, ser muito rara sua captura em estado adulto, porém muito abundante na fase larvária, evidenciando-se seus hábitos silvestres.

Foi infectado experimentalmente com plasmódios humanos por Fonseca [38], que não o considera bom vetor de malária, "podendo ser, no entanto, um vetor ocasional".

9. Anopheles cruzii (Dyar & Knab, 1908)

Mínima é a incidência de cruzii na localidade. Uma vez foi este anofelino capturado com isca no bairro da Ponta da Praia.

É vetor de grande importância nas matas das regiões serranas, que correm ao longo do litoral paulista, onde suas larvas se desenvolvem nas bromélias arborícolas. Alude Rachou [33] aos seus hábitos extremamente domésticos no litoral do estado de Santa Catarina.

10. Anopheles bellator (Dyar & Knab, 1906)

Tanto quanto a espécie precedente, bellator é raro na zona pesquisada, sendo, também, transmissor de malária na zona da costa atlântica no Sul do país, conforme trabalho de Rachou & Ferreira [34].

Russell, Rozeboom & Stone [25] consideram esta espécie como importante vetor na Ilha da Trindade.

Esplenomegalias

Os diversos sanitaristas que fizeram estudos sobre malária na Ponta da Praia não são concordes no que diz respeito ao índice esplênico. A. Prado [6] nos oferece um índice esplênico elevado, 25%; M. Gogliano [9] nos descreve um índice de 7,1% e N. Telles [13], examinando 238 escolares, dos quais 74 apresentavam passado malárico, informa que: "a pesquisa da esplenomegalio dentre os mesmos resultou negativa".

Este último [13] oferece um resultado que, ao ver dos autores deste trabalho, muito se aproxima do verdadeiro índice.

Um de nós, estando a estudar o assunto em doentes com passado malárico remoto e recente, residentes nos municípios de Santos, São Vicente e Guarujá, acha que os índices esplênicos encontrados são baixos, em discordância aparente, portanto, com a endemia malária reinante, e atribuem o pequeno número de pessoas possuindo baços hipertrofiados ao fato de que os moradores, não só da Ponta da Praia como dos demais bairros da cidade de Santos, Guarujá  São Vicente, estão suficientemente educados e afeitos a procurar terapêuticos nos diversos postos de assistência logo que se apercebem da doença, estabelecendo, desse modo, um tratamento precoce que, impedindo a repetição dos acessos maláricos, evitaria a conseqüente hipertrofia do baço.

Os primeiros resultados dessas pesquisas evidenciaram o que acima foi afirmado. Em 762 escolares, medindo suas idades entre 7 e 14 anos e residentes na Ponta da Praia, foram colhidos os seguintes dados:

Menores examinados 762
Menores com passado malárico autóctone 99
Menores com passado malárico importado 7
Total de menores com passado malárico 106
Percentagem de menores com passado malárico 13,9%
Baços aumentados (tipo I d Boyd) 6
Índice esplênico 0,78
Índice parasitário 0

No decorrer dos exames foram apontados, também, seis baços hipertrofiados, enquadrados no tipo I da escola de Boyd, em menores que nunca haviam contraído malária. Desses alunos com esplenomegalias, quatro haviam adoecido recentemente com moléstias infecciosas (sarampo-cachumba); dois, não informaram nenhum passado infeccioso recente, mas apresentavam-se profundamente anemiados.

Esses seis baços hipertrofiados de patogenia extra-malárica sugerem reflexões sobre o valor taxativo dos índices esplênicos levantados em populações fartamente assistidas como no caso presente, pois se esses últimos portadores de esplenomegalias acusassem, também, passado malárico, certamente o índice colhido seria outro e não expressaria a verdade.

Não cabem aqui digressões sobre a sistemática nem discussões relacionadas com as teorias que procuram classificar e elucidar a patogenia das esplenomegalias; apenas, deve ser recordado que numerosas moléstias infecciosas ocasionam esplenomegalias ditas primitivas (tuberculose, sífilis, leischemaniose, esquistossomose, impaludismo etc.), além da esplenomegalia esclerocongestiva de causa ignorada até agora, e comum a adultos jovens e crianças [43]; ao passo que numerosas outras moléstias acarretam esplenomegalias, secundárias, tais como: a) Moléstias infecciosas; b) hemopatia; c) moléstias infiltrativas ou metabólicas; d) hepatopatias e e) tumorais [43].

Nenhum levantamento perfunctório das esplenomegalias, com a finalidade de aquilatar o grau de endemia numa localidade qualquer, poderá ser tomado com rigor, visto como é impossível, nesse gênero de pesquisas rotineiras,proceder-se aos exames com rigorismo clínico e com os recursos especiais de laboratório, a fim de excluir as numerosas causas de erros apontadas.

Desse modo fica patente que nas localidades onde os impaludados são prontamente atendidos e tratados convenientemente, dois reparos podem ser feitos sobre o índice esplênico:

a)  o baixo índice esplênico não implicará na ausência da malária endêmica que continuará a existir e sofrer recrudescimentos cíclicos. Este índice não tem, portanto, o mesmo significado quando levantado em populações que recebem assistência contínua ou quando pesquisado em coletividades que nenhuma ou pouca assistência receberam;

b)  a pesquisa do baço aumentado deverá ser cuidadosa e acompanhada, pelo menos, de uma indagação anamésica circunstanciada, para evitar a intercorrência de esplenomegalias com etiologias diversas da malária.

Espécies de plasmódios

No decorrer dos últimos sete anos (1940-1946) foram registrados pelos postos de assistência do Serviço de Profilaxia da Malária 1.976 exames de sangue positivos, referentes a doentes assistidos em Santos.

Esses exames não dizem respeito somente aos doentes autóctones de Santos, mas correspondem a todos os casos identificados no seu perímetro urbano, seja qual tenha sido a procedência da infecção.

A incidência das espécies de plasmódios se apresentou da seguinte forma:

Plasmodium vivax         1.710 ou 86,5%

Plasmodium falciparum    246 ou 72,4%

P. P. associados               20 ou   1,1%

Por um dos autores, Coda, foi identificado um caso de infecção produzida pelo Plasmodium malariae, conseqüente a transfusões de sangue. Há pois, na cidade de Santos e seus arredores, grande predominância do Plasmodium vivax sobre as demais espécies.