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Uma praça no meio do nosso caminho
"Indicou
mais o vereador Américo Martins dos Santos que à quadra denominada Mauá fosse dado o nome de
Praça José Bonifácio. Aprovado. pelo reverendo padre mestre Francisco Gonçalves Barroso foi indicada a colocação de 12 combustores a gás na
Praça José Bonifácio."
Assim diz a ata da 4ª sessão da 2ª reunião ordinária da Câmara Municipal de Vereadores
em 1887, presidida pelo sr. Felix Bento Viana, que tinha naquela época, como presidente da Câmara, o cargo de chefe do Executivo.
Mas, a praça José Bonifácio não começou assim. Antes já existia uma briga entre o
antigo proprietário da Quadra Mauá e os poderes públicos.
Esta foi a ata da reunião da Câmara de 1888 de 7 de janeiro: "Depois
de uma longa demanda, intentada pelo desembargador Bernardo Avelino Gavião Peixoto, contra a Câmara, sobre a contestação de propriedade do terreno
denominado Quadra Mauá, hoje largo do Conselheiro José Bonifácio, conseguiu esta câmara chegar a um acordo com aquele
senhor, realizando a compra por quantia muito razoável, importando este fato ficar o Município dotado com mais um ponto de recreio. Tendo a Câmara
contratado o benefício desta praça, resta agora seu embelezamento".
Isto foi feito um ano depois, quando contrataram um jardineiro famoso na cidade, o
velho "Feliz Jardineiro", que plantou muitas árvores e grama. Cercaram a José Bonifácio onde os homens só podiam passear de terno e gravata,
enquanto a banda do Corpo de Bombeiros tocava no coreto.
"Às vezes aparece gente querendo dizer e provar que o
nome José Bonifácio dado à praça é em homenagem ao Patriarca, mas os documentos falam por si. Naquela ata da Câmara lê-se claramente: Conselheiro
José Bonifácio, portanto o moço, aquele que morreu em fins de 1886, enterrado no Rio de Janeiro, e que prestou muitos serviços a Santos em defesa
dos escravos e na Campanha da Abolição. O moço era o maior orador parlamentar da época", diz o
historiador Francisco Martins dos Santos, filho do vereador Américo Martins dos Santos, autor da resolução que deu o nome de José Bonifácio à praça.
Como ela era - A quadra Mauá era um charco, com poucas casas. No lado da
Rua Amador Bueno ficava uma chácara do avô do poeta Martins Fontes, tio do
historiador Francisco Martins dos Santos, que é funcionário da Câmara Municipal de Santos atualmente.
O Solar dos Martins foi o ponto principal da Campanha da
Abolição, onde qualquer pessoa que precisava de ajuda era acolhida.
Na esquina com a Rua Braz Cubas, outra casa de família. No lado da
Avenida Senador Feijó ficava a farmácia União de propriedade de Vahia de Abreu, bom farmacêutico e professor de Química,
hoje nome de rua da cidade.
Onde hoje está o Palácio da Justiça, ficava o prédio da
Escola União Operária e a funerária do velho David Serra, hoje Casa Rosário, em baixo do
Clube Humanitária. "A funerária do velho Serra é tão antiga como a Quadra Mauá",
fala o historiador Francisco Martins dos Santos.
Um museu - Só isto existia na Praça José Bonifácio nos anos de 1880. Quando
Francisco Martins dos Santos, o avô do poeta, morreu, a família dividiu a chácara onde estava o Solar dos Martins. Surgiu então a segunda casa
funerária da praça: Casa Relâmpago, de artigos religiosos também. Em cima, Inocêncio Portugal, o proprietário, fez um
museu, um dos primeiros da cidade e que mais tarde quis vender para a Prefeitura.
"O prefeito, na época, era o sr. Ciro Carneiro, que morreu
recentemente. Ele alegou falta de verbas para comprar o museu do Inocêncio, que tinha até os óculos de Braz Cubas, com
armação de ferro, e que foi tirado da urna funerária que estava na antiga Matriz, em 1908. Tinha também a autorização do vigário da Matriz para que
o óculos fosse para o museu de "seo Inocêncio", continua o historiador.
As peças então foram vendidas aos mascates e espalhadas pelo país. O museu tinha
também moedas antigas, coleções inteiras.
A praça José Bonifácio foi mudando, aparecendo mais casas, o Coliseu construído no
começo deste século (N.E.: século XX) e a Catedral.
Quermesses para não concluir - "A história da
construção da Catedral é interessante. Os padres faziam quermesses na praça, as mais famosas e bonitas que a cidade teve. Tudo para construir a
Catedral. Mas, como as quermesses e festas davam muito dinheiro, os padres resolveram andar mais devagar com as obras e continuar com as festas,
para arrecadar mais dinheiro. Assim, a construção demorou muitos anos, enquanto as quermesses deram lucro", fala o sr.
Francisco Martins dos Santos.
De moradia das famílias tradicionais; palco da Campanha da Abolição, quando Silva
Jardim fazia comícios para os escravos quase libertos; das sacadas do Solar dos Martins, a praça foi mudando. Apareceram os clubes, o teatro, o
cinema, o Fórum, as casas de flores, os engraxates, os bondes, ônibus, carros, gente, muita gente. A banda do Corpo de Bombeiros não toca mais ali.
Enquanto isso, um vereador ainda discute na Câmara, se o nome da praça foi dado ao
patriarca ou ao moço e conselheiro.
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De longe já se ouve a música. A praça em movimento, com as luzes do Nacional, o clube
em cima do Teatro Coliseu, acesas. Na Humanitária é a mesma coisa. São os bailes da pesada, às quintas e sábados.
Há 50 anos, eram os bailes da gente fina - as melhores famílias. Os casamentos
chiques, as festas dos ricos, eram naqueles salões.
Agora, prostitutas e malandros se confundem com a gente simples e pobre que não pode
freqüentar um clube melhor.
São os bailes da pesada. Ali, o tango e a valsa continuam na moda. Uma hora da
madrugada. No salão da Humanitária, a orquestra toca um samba rasgado. Muitos pares dançando, o ritmo muda, qualquer um é dançarino.
Um fiscal de salão controla e ninguém dança agarrado, apesar do ambiente "quente".
A entrada custa NCr$ 2,00, mas só para os homens. Policiais entram para a ronda. Um
homem de terno e gravata - a mesma roupa que usou no enterro do cunhado - cabelo empastado e ar de entendido em músicas passadas, segura a dama
muito pintada e deixando o perfume barato por onde passa.
As mulheres sentadas nas mesas. Os homens rodeiam, escolhendo uma para a próxima
seleção musical. Eulália "foguinho", de 40 anos bem vividos, tirou seu vestido de renda do baú. O cabelo penteado e duro de laquê. Um brinco
bem grande, sapato alto fora de moda. Durante a semana é arrumadeira de um hotel do centro da cidade.
"O sábado é sagrado, não perco um baile do Nacional. Não
venho sozinha, trago sempre uma coleguinha". Eulália "foguinho", o apelido é por causa de seu entusiasmo. A
vontade de dançar muito e aparecer ainda mais para as novas dançarinas.
Ela é da hora do tango, quando poucos casais arriscam a dança complicada. Todo o mundo
em silêncio - os "cobras" vão dançar. Para a moçada que fica só olhando, aquilo é uma "chateação" muito grande. "Esses
caras querem aparecer, dando passos de gente bem, dançando estes trecos esquisitos - valsa, tango, tudo ultrapassado".
O salão grande, a fumaça dos cigarros envolvendo tudo. "Me
dá uma cerveja bem gelada, ô coroa". O balcão do bar cheio de gente. Mas antes de subir pela escada do Nacional,
muitos ainda passam no bar da esquina, a Taberna da Glória, para tomar "umas e outras".
A Taberna da Glória também faz parte da praça. Um bar escuro e grande, na esquina da
Rua Braz Cubas com a Praça José Bonifácio. Do lado da Humanitária, o bar famoso é o Café D'Oeste, que teve e tem um dos melhores bifes - à moda da
casa - da cidade. Foi ponto dos homens de negócio, e também dos "paqueras" de 50 anos atrás.
De repente, no salão, uma mão desce, um pé sobe e o "pau come solto". "Chama
a turma, Zeca, que o Carica está entrando bem". A orquestra não pára e para disfarçar - a roda abre e fecha com a briga
"quebrando" no meio. Polícia chega e acaba tudo. Lá fora, depois do baile, vai continuar.
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De óculos escuros, com sotaque português, "seo" Francisco Moura vende amendoim. Tem 58
anos. "Eu não sou português, não. Nasci no Rio de Janeiro, carioca de muito tempo. Acontece que passei 35 anos em
Lisboa, como vendedor ambulante na praça principal da capital portuguesa. Depois, um político cassado, jornalista e ex-governador da Guanabara, que
estava em Portugal, mandou uma carta ao ex-presidente Castelo Branco pedindo para repatriar-me. Vim de lá com tudo pago pelo governo brasileiro".
Hoje "seo" Francisco está na praça. Mora em uma pensão na Rua General Câmara. Compra o
amendoim, passa o açúcar por cima e sai com sua caixinha para vender. "Meu ponto é deste lado dos ônibus. Aqui tem
muita gente que pára na fila. Olha o 17 - era a viatura da Prefeitura fazendo a ronda, para pegar ambulante sem licença e que fica parado".
"Ninguém pode parar. Tem que circular. O sorveteiro ali
vai cair do cavalo. Se o 17 pega ele, pronto - é multa. Vê só, eu fico de olho em tudo. Quem trabalha na praça tem que ser vivo. Malandro comigo não
tem vez, não dou conversa. Tenho meu trabalho e uma dor na espinha muito forte para cuidar".
"Tá treminando, compra, compra o amendoim vitamina
e doce ainda por cima. Quem qué amendoim? Viu, vendi tudo, tu tá dando sorte, heim? Vamos tomar um café". |