Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/santos/h0319j.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 07/13/11 11:15:34
Clique na imagem para voltar à página principal
HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - HOTELARIA
Antigos hotéis e restaurantes santistas (10)

Leva para a página anterior
Esta matéria sobre o centro de diversões Miramar foi publicada em 1921 pelo jornal santista A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição), tendo sido encontrada pelo produtor gráfico Eduardo Fernandes:
 


Imagem: reprodução parcial da página com a matéria

O "Miramar" em 1922

As autoridades municipais visitaram ontem as obras do teatro, bar e cassino do grande estabelecimento balneário

Entre as grandes cidades brasileiras, entre as raras que se podem gabar dum progresso estável e contínuo – que não é feito de aparências para ilusão dos forasteiros, mas resulta duma prosperidade real, visível a todos os olhos -, está, sem favor, a cidade de Santos.

A sua posição geográfica, excepcionalmente feliz, fe-la um maravilhoso conjunto de belezas naturais, que o esforço e o entusiasmo de governos bem orientados vêm aprimorando incessantemente. Desde as suas praias, que não as há mais lindas em toda a costa brasileira, até às colinas que a emolduram, tudo tem aqui um encanto peculiar, uma sugestiva impressão de novo e de inédito.

Por outro lado, a sua situação comercial, excepcionalmente vantajosa, abriu-lhe possibilidades econômicas, dilatou-lhe horizontes a que nenhuma outra, à exceção do Rio de Janeiro, logrou ainda atingir.

Porto de saída de toda a produção paulista, nem só paulista mas ainda mineira e goiana; porto de entrada para a quase metade da importação nacional; monopolizando, pode-se dizer, o movimento do nosso principal artigo de exportação -, era natural que a cidade de Santos, hoje a segunda praça comercial da República, viesse a ser o que efetivamente é: uma cidade de vida própria, intensa e fecunda, febril e vertiginosa, um centro de trabalho incessante, um incessante laboratório de riquezas, onde, por isso mesmo, a prosperidade se alicerça em sólidos pilares que nem as crises mais agudas conseguem sequer abalar.

Os progressos de Santos não são, portanto, progressos de ficção, progressos de exterioridades para regalo de olhos apressados. Santos é realmente uma grande, uma próspera, uma opulentíssima cidade; e dentro dela, como no âmbito duma colméia laboriosa, vivem e progridem para mais de cem mil almas, que a tanto vai o algarismo da população local.

Aos seus encantos naturais, múltiplos e inigualáveis, pôde, portanto, juntar-se a colaboração dos poderes públicos, mercê dos recursos que lhes advêm da atividade individual, e junta-se ainda, cada vez mais ampla e mais arrojada, mais confiante e mais entusiástica, a cooperação da iniciativa privada.

Rasgamos avenidas luxuosas, erguem-se habitações fidalgas, abrem-se jardins e logradouros modernos, e a cidade cresce, e se alinda e se aformoseia, como um belo e vigoroso atestado da vitalidade e do bom gosto paulistas.

Ora sendo realizado, assim, sadio e estuante de energia, não há razão para que fracassem os mais audazes projetos, Santos tem que se preparar para as grandes comemorações da independência, as quais no Estado de São Paulo, e notadamente nesta cidade, têm o seu lugar histórico. Para aqui afluirão os milhares de forasteiros, nacionais e estrangeiros, que as festas centenárias provavelmente atrairão. É, pois, natural que cogitemos de suprir as deficiências de que nos ressentimos, e que cidades como Santos já não têm o direito de manter.

Neste capítulo, à iniciativa do governo, que já empreendeu e ainda empreenderá grandes obras, associa-se a iniciativa particular.

Hoje, por exemplo, cabe-nos aludir, e fazemo-lo com o mais legítimo entusiasmo, aos projetos da empresa do "Miramar" – o elegante centro de diversões que já é uma tradição da cidade.

Tão úteis pareceram aos poderes públicos as obras projetadas pela conhecida empresa santista, que por lei municipal lhe foi concedida isenção de impostos e de emolumentos municipais durante o prazo de vinte anos. Essas obras, cujos fundamentos foram ontem visitados e cujos planos examinados pelas altas autoridades locais, vereadores e representantes da imprensa, além de técnicos conhecidos, vão abaixo minuciosamente expostas.

Realizadas que sejam, Santos poderá ufanar-se duma casa de diversões à altura da sua civilização, além de haver alcançado a primazia, no Brasil, dum estabelecimento de tal natureza.

Acedendo a um convite que o sr. Ricardo Arruda dirigiu às autoridades do Município, estiveram ontem, às 9 horas, em visita às obras do Miramar, os srs. deputado A. S. Azevedo Júnior, dr. B. de Moura Ribeiro, presidente da Câmara Municipal; cel. Joaquim Montenegro, prefeito municipal; comendador João Manoel Alfaya Rodrigues, Arnaldo Ferreira de Aguiar,  Benedicto Pinheiro, coronel Manuel Ribeiro de Azevedo Sodré, Alberto Fernandes Leal e dr. Heitor de Moraes, vereadores; Antenor da Rocha Leite, capitão João Salermo, diretor da secretaria da Câmara, representantes da imprensa e Francisco Paino, d'A Tribuna.

Os visitantes, ali chegados, foram recebidos pelos srs. Ricardo Arruda e dr. Achilles Vidulich, engenheiro construtor.

Percorrendo as obras que estão sendo executadas, na quadra compreendida entre as avenidas Conselheiro Nébias, Vicente de Carvalho, Barnabé e Rua Oswaldo Cruz, as autoridades municipais tiveram a melhor impressão.

O antigo Miramar, com a radical reforma por que está passando, dará a Santos um grande impulso, dotando, ao mesmo tempo, a nossa cidade de um estabelecimento cujo gênero de diversões é, atualmente, o único existente no Brasil.

Para melhor conseguir o seu objetivo, o sr. Ricardo Arruda, incorporador do Miramar, organizou uma sociedade anônima, com o capital de mil contos de réis, divididos em duzentas ações de cinco contos cada uma.

Tão seguro e vantajoso era o emprego do capital, que as ações foram todas tomadas imediatamente, estando a organização da sociedade em vias de conclusão.

Os projetos do grande estabelecimento, organizados completamente pelo distinto engenheiro dr. Achilles Vidulich, já foram expostos em várias vitrinas, e deles constam o Teatro, Cassino e Bar.

As obras, que prosseguem com atividade, estão orçadas em cerca de mil contos.

A parte de alvenaria de pedra, que compreende os três grandes centros, está toda concluída, devendo ser iniciado, dentro destes dias, o assentamento de tijolos.

A camada impermeável do rés-do-chão, entre a alvenaria e o tijolo, será feita sobre uma base de cimento e priolito.

O grande estabelecimento deverá ficar concluído no próximo ano, de modo que possa estar em pleno funcionamento por ocasião do centenário da nossa Independência.

Para que se possa avaliar da importância e grandiosidade desse moderno estabelecimento balneário, damos a seguir, em resumo, os detalhes do projeto atualmente em execução:

Bar – Esta parte do suntuoso estabelecimento será completamente instalada, a exemplo dos que existem nos grandes centros balneários europeus, e que constituem, geralmente, um dos atrativos dos forasteiros.

A área do bar terá setecentos e dez metros quadrados, com todas as dependências, comportando comodamente cinqüenta mesas espaçosas com quatro cadeiras cada uma; iluminação profusa e artística, em colunas decorativas.

Anexo ao bar haverá um "toilette" (w.c.), lavatório etc., para homens e senhoras.

Teatro – Segue-se ao bar um artístico salão para diversões, com uma área total de novecentos e dez metros quadrados. Nesse salão será construído um grande palco, com todas as prescrições da arte teatral, o qual mede sessenta e três metros quadrados; camarins, "toilettes", w.c. e lavatórios, para atores e atrizes, separadamente. O lugar reservado à orquestra mede trinta e seis metros quadrados, ficando situado abaixo do nível do palco.

A platéia, que será ampla e bem formada, conterá oitocentas cadeiras, vinte camarotes de cinco lugares cada um, 66 cadeiras de varanda, "toilette" e anexos para senhoras; w.c., lavatórios etc., para homens.

O vestiário, palco e platéia serão profusamente iluminados a lâmpadas elétricas e polícromas, em colunas decorativas, formando um conjunto de grande efeito estético.

Cassino – Faz parte do projeto em execução a construção de um grande cassino, que será, talvez, o melhor do Brasil, tal a sua concepção. O Cassino terá um majestoso salão para diversos jogos, com uma área de 910 metros quadrados, o qual comportará cerca de quinze mesas. A sua iluminação será feita nos mesmos moldes do bar e teatro, isto é, em colunas decorativas, profusa e artisticamente, havendo, também, w.c., lavatórios e mictório.

Serão edificados ainda dois espaçosos escritórios, sendo um o escritório geral e outro exclusivamente para o Cassino.

São esses, em linhas gerais, os fundamentos principais do grandioso estabelecimento que honrará a cidade de Santos, graças à tenacidade e energia do sr. Ricardo Arruda, incorporador do Miramar Sociedade Anônima.

É justo salientar que, para a execução desse projeto, muito contribuiu a nossa Municipalidade, decretando a lei n. 639, de 1920, que isenta de todos os impostos, pelo prazo de 20 anos, o sr. Ricardo Arruda, companhia ou empresa que organizar.

Além desses projetos em execução, é pensamento do sr. Ricardo Arruda, como complemento a esse estabelecimento balneário, construir, também, um grande hotel, na mesma quadra, e um jardim, nos seguintes moldes:

Hotel – O edifício será construído em cimento armado, de cinco ou mais andares, com dois elevadores para os hóspedes e um para o serviço do hotel. A cozinha, lavanderia, parte das dependências, inclusive os dormitórios do pessoal de serviço, serão instalados no último andar.

No andar térreo serão localizados o restaurante, bar e anexos, salas de leitura para senhora e para fumantes, de recepção e conversação, salões de barbeiro, engraxate, charutaria, vendas de jornais; estabelecimento para venda de artigos e objetos de primeira necessidade para homens e senhoras, tais como artigos de roupas brancas, higiene e perfumaria, e uma papelaria. Faz parte do projeto a provável instalação de uma agência do correio, telégrafo e telefones.

Todos os quartos, em número de 400, terão um lavatório fixo, com água quente e fria, ventilador, telefone e profusa iluminação elétrica.

Anexo ao hotel será construído um estabelecimento para banhos quentes de água do mar, destinado aos hóspedes impossibilitados de se banharem na praia, com a temperatura natural do mar, inclusive uma piscina de natação alimentada com água do mar.

Além das dependências necessárias, será instalado um dínamo gerador, com o respectivo motor a óleo ou gasolina, para, em caso de faltar a corrente de energia e luz elétricas poder restabelecer imediatamente a iluminação no hotel. Será, ainda, instalado um compressor para a produção de gelo.

Além das três escadas internas, juntas aos elevadores, haverá na parte externa outras escadas chamadas de salvação.

Os aposentos "appartements" do modelar estabelecimento, em número de 40, serão dispostos de forma que possam ser eles utilizados, também, como quartos comuns.

Jardim – Um dos pontos pitorescos e atraentes do grande estabelecimento balneário será, ainda, o jardim anexo ao hotel, o qual ficará localizado na extensa área compreendida entre o salão de jogo (cassino), atualmente em construção, e a avenida Bartolomeu de Gusmão (praia). Para esse fim serão demolidas todas as dependências atuais, menos o sobrado existente.

Esse jardim será construído sob o mais apurado gosto artístico e franqueado ao público. Na parte interior haverá diversos jogos e diversões infantis, cabine cinematográfica, sorveteria, venda de bombons e refrescos, tudo instalado sob os mais modernos moldes.

Todas essas impressões calaram no espírito de todos visitantes.

O sr. Ricardo Arruda ofereceu, depois, um "aperitivo" aos visitantes, tendo o sr. coronel Joaquim Montenegro, por essa ocasião, proferido breve alocução, fazendo os melhores votos para que aquele cavalheiro leve a bom termo tão nobre empreendimento, assegurando que a Municipalidade dará todo o seu apoio à consecução do seu fim, que se esposa perfeitamente com o programa administrativo municipal, qual seja o progresso e o desenvolvimento de Santos.

Cerca das 11 horas, os visitantes retiraram-se do Miramar, agradavelmente impressionados.

A demolição do prédio foi assim registrada na edição de 7 de abril de 1950 do santista A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição) também encontrada  pelo produtor gráfico Eduardo Fernandes:


No clichê, aspectos do velho Miramar, ora em demolição

Fotos publicadas com a matéria

Com a demolição do Miramar, desaparece uma tradição da cidade

Está sendo demolido o edifício onde há vinte e tantos anos funcionou o maior estabelecimento de diversões da América do Sul, o famoso Miramar. Até 1928, quando da proibição do jogo no governo do presidente Washington Luís, o Miramar viveu uma fase de fastígio e de glória, atraindo visitantes de todas as partes do mundo, e era conhecido em toda a parte.

O famoso slogan de sua propaganda, "Vá ao Miramar ainda mesmo que chova", era conhecido e glosado em todos os países da América e da Europa. Todos se recordam ainda de outro estribilho, complementar daquele: "Nem inverno, nem verão, eterna primavera". Uma geração de santistas, desde aqueles que agora estão quarentões, ali passou bons pedaços, dos "melhores anos de sua vida".

A par do luxuoso cassino, o Miramar apresentava magníficos programas artísticos, com os melhores artistas da época. Com a proibição do jogo, os seus proprietários vieram-se obrigados a fechá-lo e não mais se animaram a reabri-lo, apesar das intermitentes permissões para o funcionamento de cassinos.

Data de então o eclipse da glória do Miramar, cuja fama continuou a perdurar na memória de todos, e ainda hoje muitos se lembram dele com saudade.

O prédio esteve muitos anos sem utilidade alguma. Se não estamos em erro, sua primeira utilização foi para a instalação da Colônia de Férias "Álvaro Guião", e, posteriormente, até há poucas semanas, serviu de quartel ao 6º Batalhão da Força Pública.

Finalmente, o velho edifício começou a apresentar evidentes os vestígios da ação do tempo, ameaçando ruína. O referido batalhão foi transferido para o quartel da Avenida Coronel Montenegro. Com a sua desocupação, os proprietários iniciaram a demolição, que já se encontra adiantada.

Em seu lugar, será construído um grande edifício de apartamentos. A construção será iniciada na parte do edifício do Miramar, propriamente dito, onde será instalado um cinema de primeira classe, prosseguindo em segunda fase até a esquina. Desaparece, assim, uma das tradições da cidade, sob as imposições inevitáveis do progresso, para em seu lugar surgir um novo e grande edifício, que contribuirá para embelezar aquele trecho da Praia e enriquecer o patrimônio arquitetural da cidade.

Veja mais:

Cassino recreio Miramar

Um dia no Miramar

Miramar, em bico-de-pena de Ribs

Propaganda: Cine Miramar em 1928

Leva para a página seguinte da série