Imagem: reprodução parcial da matéria original
O 50º aniversário d'A Tribuna
Um pouco de história da terra andradina mal contada por velho jornalista sem
memória
(Crônica de Euclides Andrade)
[...]
A Tribuna do Nascimento e o nascimento da
Tribuna
Neste capítulo do esbocinho histórico que estou a escrever para comemorar o cinqüentenário
da Tribuna, vão entrar em cena, agora, as minhas venerandas reminiscências. E espero que minha memória me não atraiçoe, em momento tão
solene, intrigando-me com antigos e queridos companheiros, se, por ventura, alguns deles não forem por mim citados.
Em 1909, consoante mandava a lei, o acervo da Tribuna foi levado à hasta
pública, a fim de que o arrematasse quem maior lance por ele oferecesse.
Uma nova empresa se constituíra na capital do Estado, com o fito de adquirir a
Tribuna e seu material. Essa sociedade era composta de Manoel do Nascimento Júnior e de Rocio Egídio de Sousa Aranha, meu antigo condiscípulo no
Instituto Feitosa, de Jundiaí, e campineiro, como também eu o sou.
Rocio era homem de fartos cabedais. Entrou no negócio apenas para ajudar a Nascimento
Júnior, de quem se fizera muito amigo, logo que o atual diretor-proprietário da Tribuna chegou a S. Paulo, procedente do Rio, onde trabalhara
na administração do Jornal do Brasil.
Nascimento viera para a capital bandeirante a fim de administrar o grande matutino
São Paulo, pertencente à Mitra da Arquidiocese do Estado e que era o órgão oficial dos católicos paulistas.
Nordestino, nascido nos sertões cearenses, Manoel do Nascimento Júnior é a tenacidade
em figura de gente; a audácia equilibrada, que espera a hora exata para agir. Cearense, Nascimento Júnior possui todas as qualidades do habitante
das caatingas do Nordeste, aliadas ao bom senso de um mineiro e ao espírito de iniciativa e à visão larga de um paulista.
Ele conhecia a história da Tribuna de Olímpio Lima; sabia quanto era poderoso o
jornal, fundado por aquele maranhense de sangue na guelra e de coração à flor dos lábios.
Rocio Egídio associou-se a Nascimento Júnior na formação do capital necessário à
aquisição do acervo da Tribuna. Organizaram uma sociedade. Foi à praça o mais prestigioso e querido matutino da terra santense. Naqueles bons
e longínquos tempos, ninguém se atrevia a pensar em inverter capitais em empresas jornalísticas.
Jornal - na opinião do povo - era uma prebenda, destinada a dar dores de cabeça e
cólicas saturninas a quem a recebesse, mesmo gratuitamente.
Somente Nascimento Júnior teve fé no futuro grandioso desta empresa, que ele vem
enriquecendo e fazendo crescer há cerca de trinta e cinco anos.
Fé inabalável, que removeu a montanha dos obstáculos opostos a todos os seus
desígnios. Rocio Egídio entrara no negócio displicentemente, sem visar quaisquer lucros, próximos ou remotos. E entrara tão displicentemente que,
meses depois, aqui chegando da Europa, para onde fora tratar-se da moléstia que o levou ao túmulo logo depois do seu regresso à Pátria, propôs a seu
sócio deixá-lo sozinho na empresa, uma vez pago do seu capital e lucros. E, assim, Nascimento Júnior ficou, por força desse distrato social,
proprietário único da Tribuna.
Nessa época remota, Nascimento Júnior era moço. Tinha muito osso sob a pele; era magro
como um carapau. Magro, mas cheio de fibra. Fibra que lhe deu a vitória. O leitor já viu, alguma vez, uma formiga carregar uma folha enorme, um
alimento qualquer, de volume e peso muito superiores aos do seu próprio corpo?
Pois, assim me parecia Manoel do Nascimento Júnior nos primórdios da sua administração
do jornal que adquirira, sem ter em cofre a mais pequena reserva monetária para acudir a um aperto inesperado.
O cearense é assim: parece formiga. Quanto maiores lhe são os obstáculos, mais coragem
ele despende para removê-los. Nascimento foi formiga durante muitos anos. Hoje... Hoje, ele se fez cigarra; canta de galo, empoleirado na vida,
gozando a vitória da sua tenacidade, do seu esforço diuturno, descansando na velhice branca; mas, descansando, de olhos bem abertos, na sua rede
nordestina, não vá o barco encontrar na sua rota qualquer escolho que o faça naufragar.
A fase inicial da administração de Nascimento Júnior eu a conheço bem. Depois de
adquirir o jornal, ele tratou de organizá-lo de acordo com os planos que trazia na cabeça.
Para secretário da redação veio Breno Silveira, pertencente a uma tradicional família
paulista de homens de imprensa e de letras. Breno trabalhara na redação do Estado de S. Paulo e trazia para a Tribuna, além do seu
entusiasmo de moço, a sua velha prática de homem de imprensa, clarividente e disposto a mostrar o que valia.
Foi essa uma das mais brilhantes fases que teve a Tribuna, desde que pertence a
Nascimento Júnior. Breno tinha carta branca para fazer o que entendesse em benefício do jornal e dos respectivos serviços. E o rapaz correspondeu
admiravelmente à confiança que nele fora depositada.
Aqui mesmo, neste local, onde há hoje um palácio e onde havia outrora um casarão
velho, roído pelo tempo, estava instalada a Tribuna. Era a Tribuna do Nascimento. Assim lhe chamavam os santenses contemporâneos. Mas,
com o decorrer dos anos, o jornal cresceu tanto, melhorou tanto, tanto progrediu e prosperou financeira e materialmente, que a ordem dos fatores foi
alterada sem modificação para o produto. E diz-se, agora, assim, em Santos, desde a Alamoa ao José
Menino; desde o Marapé ao Macuco; desde o Saboó ao
Paquetá: ali vai, de automóvel (e que rico automóvel!) o Nascimento da Tribuna...
E é por isso que, unidos sempre, agarrados um a outra, como saldunes, por laços
indissolúveis, para a vida ou para a morte, ambos - Tribuna e Nascimento Júnior - venceram a grande batalha.
E eu, que venho analisando, ano por ano, essa luta formidável em que ambos se
empenharam e vendo realizado o grande ideal, parodio, agora, a exclamação álacre dos torcedores:
Eeeh! Nascimento! Eeeh! Tribuna!
E esse grito entusiástico de orgulho e alegria repetem-no, em coro comigo, todos
quantos conheceram a Tribuna em 1909 e a vêem hoje, ricamente instalada, magnificamente equipada de que há de mais moderno e avançado em
maquinário para jornal diário, com suas páginas ricamente fornidas de impressionantes anúncios, farto e atraente noticiário, oferecendo aos seus
milhares de leitores uma agradável e sempre interessante leitura.
M. Nascimento Júnior
Foto publicada com a matéria
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